Falência da parte não justifica afastamento da convenção de arbitragem pelo juízo estatal

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que a convenção de arbitragem não pode ser afastada pelo juízo estatal sob o argumento de hipossuficiência financeira da parte contratante que teve a falência decretada.
“Diante da falência de uma das contratantes, que firmou cláusula compromissória, o princípio kompetenz-kompetenz deve ser respeitado, impondo ao árbitro avaliar a viabilidade ou não da instauração da arbitragem”, afirmou a relatora do processo, ministra Nancy Andrighi.
A decisão teve origem em ação ordinária com pedido de indenização ajuizada por um grupo de empresas do ramo da construção civil contra seus investidores, em razão de suposto descumprimento na entrega dos aportes financeiros e na execução das garantias.
Em primeira instância, o processo foi extinto sem resolução do mérito, diante da existência de cláusula arbitral. Em apelação, a decisão foi reformada, e afastada a convenção arbitral, em virtude da situação de hipossuficiência financeira de uma das autoras, cuja falência foi decretada.
O tribunal considerou que a massa falida havia pedido a gratuidade de Justiça, o que demonstraria sua total impossibilidade de suportar as despesas da arbitragem.
Celebração de cláusula compromissória tem força vinculante
Em seu voto, Nancy Andrighi lembrou que a celebração da cláusula compromissória possui força vinculante, obrigando as partes da relação contratual a respeitar, para a resolução dos conflitos, a competência atribuída ao árbitro.
“A celebração de cláusula compromissória implica a derrogação da jurisdição estatal, impondo ao árbitro o poder-dever de decidir as questões decorrentes do contrato e, inclusive, decidir acerca da própria existência, validade e eficácia da cláusula compromissória (princípio kompetenz-kompetenz)”, afirmou.
A magistrada destacou que, ao contrário do entendimento do tribunal de origem, o estado de falência posterior ao processo arbitral não impede o regular prosseguimento da arbitragem já instaurada, e, ainda que houvesse dúvida nesse sentido, tal questão deveria ser dirimida pelo tribunal arbitral, não cabendo à parte acionar o juízo estatal, como forma de preservar o princípio pacta sunt servanda, a autonomia privada e a segurança jurídica.
“O juízo arbitral prevalece até mesmo para análise de medidas cautelares ou urgentes, sendo instado o Poder Judiciário a atuar apenas em situações excepcionais que possam representar o próprio esvaimento do direito ou mesmo prejuízo às partes”, acrescentou a ministra.
Tribunal arbitral deve decidir sobre a instauração da arbitragem
Quanto à hipótese dos autos, Nancy Andrighi registrou que – embora a jurisprudência e a doutrina admitam a submissão de questão urgente à análise do Judiciário até que se instaure o procedimento arbitral – a situação financeira da empresa deve ser apresentada ao tribunal arbitral, para que ele mesmo decida sobre a viabilidade ou não da instauração da arbitragem.
“Nota-se pelos pedidos da inicial que não se busca nenhum tipo de medida cautelar que possa excepcionar o juízo arbitral; ao contrário, pretende a parte discutir o próprio conteúdo do contrato que contém cláusula compromissória, almejando a substituição da jurisdição arbitral pela estatal”, disse a relatora.
Leia o acordão no REsp 1.959.435.
Fonte: STJ – 16/03/2023 07:00
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Métodos Alternativos de Resolução de Conflito

Resumo:
No presente estudo fez-se uma análise concisa e objetiva das metodologias para resolução alternativa de conflitos. Citou-se a forma judicial, que frequentemente mostra-se mais letárgica e custosa, a despeito de sua credibilidade junto à população; apontou-se a instituição dos Juizados Especiais como bem-vindo mecanismo de simplificação, modernização efetivação do direito de acesso à Justiça; mencionou-se a alternativa paraestatal e que, não raro, acabam por ser ilegais, expondo de forma negativa as partes envolvidas; abordamos, por fim, as metodologias atuais mais aceitas e adequadas para solução alternativa de conflitos, tais como a conciliação, a mediação e a arbitragem que, a despeito de ainda estarem em período relativamente inicial e até embrionário de aplicabilidade em nosso País, mostram-se como maneiras bastante viáveis para a necessária resolução de conflitos, inclusive em âmbito internacional. Evidenciou-se as principais vantagens de tais métodos, tais como economia de tempo e recursos financeiros, o ganho quanto evolução social onde as partes contribuem diretamente com a solução do próprio litígio, o peculiar sigilo em relação aos temas abordados no litígio e os elementos trazidos à análise. Por fim, conclui-se que a despeito da ainda relativamente baixa permeabilidade social, estes últimos métodos têm verdadeiro impacto superlativos, se adotadas de formas mais efetivas e estratégicas, para desafogar o Poder Judiciário de um sem número de demandas.
Palavras-chave: Conciliação. Mediação. Arbitragem. Poder Judiciário. Métodos Alternativos. Solução de conflitos.
Abstract:
In this present study, a concise and objective analysis of the methodologies for alternative conflict resolution was carried out. The judicial form was mentioned, which often proves to be more lethargic and costly, despite its credibility with the population; the institution of Special Courts was pointed out as a welcome mechanism for simplification, modernization and a way of effectiveness of the right of access to Justice; the parastatal alternative was mentioned as being frequently illegal, negatively exposing the parties involved; Finally, we approach at the most accepted and appropriate current methodologies for alternative conflict resolution, such as conciliation, mediation and arbitration, which, despite still being in a relatively early and even embryonic stage of applicability in our country, show themselves as being a quite viable way for the necessary resolution of conflicts, even under international perspecrive. The main advantages of such methods were evidenced, such as a time and financial resources saver, the gain in terms of social evolution where the parties contribute directly to the solution of the dispute itself, the peculiar secrecy in relation to the topics addressed in the dispute and the elements brought to the analysis. Finally, it is concluded that despite the still relatively low social permeability, these last methods could have a real superlative impact, if adopted in more effective and strategic ways, as a relief to the Judiciary with its countless number of demands.
Keywords: Conciliation. Mediation. Arbitration. Judiciary Branch. Alternative Methods. Conflict resolution.
1 Introdução
A sociedade é um corpo dinâmico e com uma infinidade de nuances que permeiam os mais diversos extratos sociais que a compõem.
Diante desta realidade, é inocente e até pudico acreditar que apenas uma forma de solução de conflitos possa, de fato, estar apta a resolver, da maneira mais adequada, todo esse matiz de relações sociais.
A partir dessa constatação, e justamente em razão da dinamicidade das relações sociais, é que passam a surgir alternativas para a busca da solução de conflitos. Tais métodos permeiam, desde o mais denso e complexo procedimento judicial, passando por sistemas mais simplificados e objetivos adotados pelos Juizados Especiais, tangenciando, meios extrajudiciais de solução de disputas (conciliação, mediação e arbitragem) e constatando-se, por último, alternativas paralelas (e não raro ilegais) para uma imposição de resolução ao conflito posto.
Tomando esta realidade como pano de fundo, o presente estudo teve como metodologia a pesquisa doutrinária e bibliográfica sobre a realidade cotidiana do Judiciário brasileiro, com análise de dados estatísticos fornecidos pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) sobre as formas, riscos e benefícios, além do impacto destas formas alternativas de resolução de conflitos, tanto para a sociedade quanto para o próprio Poder Judiciário.
A realização do mesmo justifica-se por conta da relevância dos temas e métodos abordados e que, a despeito de suas evidentes vantagens, ainda tem uma capilaridade bastante restrita na sociedade brasileira atual, devendo ser dadas a conhecer e ter sua utilização estimulada sempre que possível.
2 Dos Métodos
No que tange às mencionadas alternativas paralelas e eventualmente ilegais de solução de conflito, estas costumam surgir em ambientes onde o Estado, com sua estrutura legal e jurídica lhana, não permeia satisfatoriamente os indivíduos ou deles não possui credibilidade.
Estas situações de fato são frequentemente constatadas em comunidades mais carentes ou não abarcadas pelo aparelho estatal, onde a população se socorre de lideres locais para a busca de uma espécie de jurisdictio2 paraestatal como mecanismo para a solução de sua contenda.
Por ser uma forma não legalmente reconhecida como mecanismo legal para solução de litígios, não abordaremos esta forma específica de maneira mais detida, cabendo-nos mencionar sua existência eis que, de fato, vem sendo há tempos utilizadas por parte da população brasileira.
Como já observou a doutrina, há de se ter nos membros da sociedade uma sensação de pertencimento para que os eventuais jurisdicionados adiram a um determinado método de solução de conflito e, neste particular, cabe ao Estado propiciar as condições para que isso ocorra (BACELLAR, 2012). Quando este mostra-se ausente, deixa espaço para o florescimento de alternativas nem sempre adequadas ou justas para a resolução de conflitos.
A título exemplificativo imagine-se uma família que resida em um barraco, construído em terreno invadido, como em uma favela. Este núcleo social, sujeito de direito por excelência, acaso precise solucionar um problema, sentindo-se “excluído” e distante do aparato estatal, acaba por buscar dentre os lideres desta mesma comunidade, quem possa fazer as vezes de juiz e, não raro, acabam por se sujeitar à constrangimentos, violência, medo e ameaças para sobreviver em um ambiente que se obrigou ou precisou se inserir e acabou por ser acolhido.
A despeito de sua efetiva e constatável existência, por se tratar de situação à margem do Estado Democrático de Direito, apenas sinalizamos a sua ocorrência sem, contudo, aprofundar-nos em seu estudo.
No outro extremo do espectro de possíveis maneiras de solução de conflitos, temos o método dito judicial.
Neste caso, estamos falando do Poder Judiciário que, como reflexo do Estado Democrático do Direito, impõe suas normas, métodos e procedimentos para dar a quem o procura, a solução ou jurisdição ao problema apresentado.
Nesta plataforma estatal já avançamos muito no quesito acesso, quando adotamos, por exemplo, uma postura mais simplificada à questões de menor complexidade com os Juizados Especiais.
A lei 9099/95 trouxe consigo uma estrutura principiológica que tem como objetivo a facilitação da busca judicial para a solução, por meio do Estado, para o conflito que se apresenta. Foram albergadas nesta legislação causas menos complexas e de valor inferior ao da Justiça Comum e, a par disso, autorizou que o cidadão, sponte sua, sem a necessidade de intermediários (advogados, procuradores, et cetera), apresente seus fatos e argumentos para, através disso, consiga que lhe seja dito seu direito.
Não foi diferente a alavancagem da acessibilidade quando da instituição dos benefícios da Justiça Gratuita que, tal e qual a lei dos Juizados Especiais, trouxe à população menos abastada, um empoderamento muito maior do que antes, autorizando que buscasse o Estado Juiz para a solução do conflito posto, sem que, para tanto, fosse obrigada a dispor de dinheiro para ter o efetivo acesso à Justiça (v.g. pagamento de custas processuais).
Neste particular, inclusive, há de se ter em mente que em momento anterior à instituição dos benefícios da justiça gratuita e dos próprios Juizados Especiais, uma parcela considerável de cidadãos brasileiros ficava à margem da sociedade quanto ao acesso e efetivo direito de busca da Justiça.
Porém, ambas as situações, a despeito de expandirem e facilitarem tal acesso, ainda se mostram insuficientes e falta ao próprio Estado o efetivo cumprimento de leis e medidas que deveria observar.
Neste particular mencionamos valores como celeridade, transparência, imparcialidade, probidade e efetividade que embora constem da legislação, na prática, em diversos casos, distanciam-se do objetivismo e justeza legal desejada pelo legislador e partem para um emaranhado nebuloso e pernicioso que acaba por desacreditar a própria Justiça.
Por fim, temos visto ganhar força três pilares que, em nosso sentir, tem o condão de atender os valores supramencionados e, ao mesmo tempo, desafogar o Poder Judiciário dando, ao jurisdicionado, o poder de resolver seus próprios conflitos.
Tratam-se da Mediação, da Conciliação e da Arbitragem que, a despeito de serem métodos alternativos de solução de conflitos, possuem sutilezas e características que as diferenciam entre si.
2.1. Mediação, Conciliação e Arbitragem
Parafraseando Aristóteles “in médium virtus”3 e, partindo desse axioma, abordamos de forma mais detidas os métodos que, no nosso sentir, tem o potencial mais supino para impactar de forma positiva a população, trazendo um amadurecimento enquanto sociedade e tendo, como reflexo, o desafogamento do Poder Judiciário.
No relatório Justiça em Números do CNJ (Conselho Nacional de Justiça)4 temos a indicação de que, para cada grupo de 100.000 habitantes, 10.675 ingressaram com uma ação junto ao Poder Judiciário no ano de 2020 5. Projetando tais números para a população do Brasil em 2022 6, temos que o Judiciário receberá cerca de 22.9 milhões de novas ações.
Os números são superlativos e, como mostram os gráficos abaixo, a despeito da tendência de baixa entre os anos de 2019 e 2020 (muito em razão da pandemia), há um histórico de casos pendentes de cerca de 69.1 milhões de processos 7.
O mesmo relatório aponta como gargalos a produtividade dos processos nas fases de conhecimento e execução e cujos números levam-nos à uma inescapável conclusão. O volume de ações iniciadas é muito superior àquelas encerradas pelo Poder Judiciário e este represamento reflete numa imagem de morosidade e ineficiência deste mesmo Poder.
Enquanto o número de litígios aumenta, o número de situações solucionadas não acompanha tal crescimento e a partir destes dados, impõe-se a busca por formas mais adequadas para a solução dessa enxurrada de demandas.
Neste plano apresentam-se a Conciliação, a Mediação e a Arbitragem que, a despeito de serem institutos semelhantes em sua origem (forma alternativa de solução de conflitos) possuem nuances que merecem destaques quanto aos seus riscos, benefícios e efetivos reflexos no Poder Judiciário.
A Mediação tem seu conceito dado pela lei 13.140/15 que diz se tratar de técnica de negociação na qual um terceiro imparcial e sem poder decisório é indicado ou aceito pelas partes e as auxilia a encontrar uma solução que atenda ambos os lados.
Veja-se que na Mediação o terceiro imparcial não tem poder decisório e, na prática, o mediador torna-se uma espécie de conselheiro que auxilia o diálogo entre as partes sem, contudo, poder sugerir ou impor termos e condições para a celebração de eventual acordo, cabendo àquelas realiza-lo.
A Conciliação é um método muito similar, porém, conforme dispõe o art. 165 do Código de Processo Civil, o conciliador atuará preferencialmente em casos em que não houver vínculo anterior entre as partes, podendo sugerir soluções para o litígio sendo, entretanto, proibida a utilização de qualquer tipo de constrangimento ou intimidação para que as partes conciliem. Neste particular há de se mencionar os CEJUSCS (Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania).
Mediação e Conciliação, em que pese tratadas como sinônimos, apresentam uma sutil diferença onde a técnica usada na conciliação visa, sobretudo, aproximar as partes de forma mais direta, havendo uma efetiva participação do conciliador na construção da solução do conflito. Por seu turno, o mediador interfere menos na solução, atuando de forma mais detida na aproximação das partes.
Ambas as formas alternativas de solução de conflitos podem ser realizadas tanto no âmbito judicial quanto no extrajudicial, orientando-se sempre pelos princípios da imparcialidade, isonomia, oralidade, informalidade, autonomia da vontade das partes, busca pelo consenso, confidencialidade e boa-fé.
De acordo com MORAES (1999), o processo da mediação é, muitas vezes, desenvolvido quando as partes, além do interesse que buscam ter respeitado, apresentam-se em um estado sentimental conturbado sendo dever do mediador trabalhar para amenizar estas rusgas e as suas respectivas consequências.
Neste método de resolução de conflitos percebemos uma grande economia financeira e de tempo, tendo a oralidade como regra para a apresentação dos pontos sobre os quais há dissenso. Como resultado prático temos uma reaproximação das partes, grande autonomia das decisões e o equilíbrio na relação estre ambas.
Na conciliação temos igualmente um terceiro imparcial, mas, neste caso, este terceiro pode sugerir termos ou condições para que as partes, após eventuais concessões mútuas, encontrem a solução mais adequada para o caso posto em análise.
Neste método, tal e qual a mediação, constata-se também a economia financeira e de tempo; a oralidade pode prevalecer, mas não é incomum a exposição dos fatos de maneira escrita. Por fim, verifica-se a impossibilidade de o conciliador impor qualquer espécie de decisão terminativa eis que, como a própria nomenclatura sugere, trata-se de um acordo, com concessões havidas entre os envolvidos, com escopo final em solucionar a contenda com a adesão dos contendores.
Por derradeiro temos a arbitragem. Esta é um meio privado de solução de conflitos, relativos à direitos patrimoniais disponíveis, onde as partes selecionam um ou mais especialistas na matéria objeto da controvérsia e este, após análise e eventual produção de provas e oitiva dos envolvidos, decidem a controvérsia de forma definitiva.
Na arbitragem há uma espécie de transferência da decisão para este(s) terceiro(s) imparcial(ais) e ela tem origem na chamada cláusula arbitral onde além da participação, os envolvidos optam de forma definitiva por abrir mão do Poder Judiciário, mesmo diante de uma sentença arbitral não favorável.
Uma particularidade quanto à arbitragem é que, embora se assemelhe mais com o exercício da jurisdição pelo Poder Judiciário sendo, portanto, adversarial, da decisão exarada pelo árbitro, não é cabível qualquer tipo de recurso sem, contudo, afrontar o disposto no artigo 5º. XXXIV, a e XXXV da Constituição Federal.
Como característica comum aos três métodos supracitados, temos a inexistência de elementos preestabelecidos ou forma procedimental, podendo variar de acordo com o contrato entre as partes, a instituição responsável pela tentativa de composição ou pela decisão, e mesmo a matéria de que trata a controvérsia.
3 Benefícios e Impactos no Judiciário
Em vista do analisado, temos que os benefícios apresentados pelas três formas alternativas de conflitos são superlativos.
O ganho de tempo, a economia de dinheiro, o empoderamento das partes na busca ativa pela solução dos seus próprios problemas, acaba por refletir de forma mais positiva na tão almejada paz social; sobretudo porque a construção da solução partiu dos próprios contendores.
A oralidade, o equilíbrio da relação e a própria reaproximação das partes, são fortes elementos que, em última análise, quando estimulados, acabam por trazer uma evolução social como um todo onde, ao invés de buscar resolver as diferenças por meio de litígio e imposição de uma solução, os envolvidos a constroem, sponte sua.
Por fim, dentre os benefícios, chamamos a atenção para a confidencialidade e o sigilo estipulado na arbitragem.
Esta é uma das grandes pedras de toque na utilização da arbitragem como forma de solução de litígio.
Imagine-se uma disputa envolvendo uma empresa como a Coca-Cola e um dos seus fornecedores de matéria prima. Numa demanda judicial, pública por excelência, a discussão da fórmula da Coca-Cola e as espécies e quantidades de insumos que utiliza poderia pôr em grande risco segredos industriais seculares e expor aos seus concorrentes informações cruciais para o sucesso do seu negócio.
Num conflito desta espécie, ao optarem pela Arbitragem, as partes poderiam estipular cláusula de confidencialidade e sigilo, de modo que a discussão e a solução havida no procedimento, acaba por dizer respeito exclusivamente aos envolvidos, evitando-se assim qualquer tipo de publicidade e riscos às partes envolvidas.
Tal privacidade, de capital relevância no mundo negocial e empresarial, não é tida, em princípio, como relevante no Poder Judiciário e, na prática, sobretudo neste ambiente mercadológico, pode ser peça fundamental para viabilizar a busca da solução de um conflito.
Nesta toada, e pelos diversos pontos sinalizados neste estudo, percebe-se um impacto considerável no Poder Judiciário, sobretudo na redução de demandas e de todo o aparato necessário para resolver as mesmas.
Veja-se neste sentido que o próprio CNJ (Conselho Nacional de Justiça), indicou em seu relatório de 2021 que houve, no âmbito do Poder Judiciário, um índice de até 20,6% de conciliações em processos de conhecimento, e de até 6,2% nos processos em fase de execução nos últimos anos.
Se transportarmos estes percentuais ao volume de novos processos esperados para 2022 (22.9 milhões de novas ações), temos uma considerável redução de mais de 4.72 milhões de processos.
A depender da divulgação e do estímulo à estas formas alternativas de solução de conflitos, os números poderão ser até superiores, mas, o volume já apontado implica em incomensurável economia de tempo, dinheiro e pessoal, que acabam podendo ser realocados para o acompanhamento daquelas demandas que efetivamente exigem a intervenção estatal por meio do Poder Judiciário.
As vantagens e os benefícios, em nosso sentir, são expressivos e devem ser considerados como efetiva via de escape para a supostamente insanável letargia judicial.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este trabalho objetivou contribuir para o desenvolvimento do conhecimento e ampliação do alcance dos métodos alternativos de solução de conflitos.
Vivemos em uma sociedade que, dadas as maneiras até então existentes, acabava por se tornar eminentemente litigiosa, buscando de forma quase que exclusiva o Poder Judiciário para a solução de seus litígios.
O gradual surgimento de alternativas solucionar os litígios existentes, além de estimular uma evolução social com a atuação positiva dos envolvidos na busca da solução do problema, acaba por impactar de forma ainda mais positiva no Poder Judiciário, já abarrotado de processos e cujos números demonstram um maior número de ações iniciadas do que finalizadas.
Essa desjudicialização acaba por indicar um amadurecimento social como um todo, além de, como já dito, refletir de forma positiva na redução de demandas longas e burocráticas postas à julgamento sem, entretanto, ofender o princípio da inafastabilidade e do acesso ao Poder Judiciário.
Neste âmbito, a conciliação, a mediação e a própria arbitragem vêm, com seus métodos característicos, como ferramentas do Estado e da própria população (sem depender daquele) em busca de resolutividade do problema e não de litigiosidade para a mesma finalidade, trazendo verdadeira luz no fim do túnel em favor de todos os envolvidos.
Finalizada a revisão bibliográfica, conclui-se que se tornou possível uma melhor compreensão das principais variáveis de cada uma das alternativas mencionadas, bem como verificar e entender em que pontos e de quais formas cada uma destas ferramentas pode auxiliar os envolvidos e a população como um todo em vista da efetiva solução dos seus impasses.
5 Referências
BACELLAR, Roberto Portugal. Mediação e Arbitragem. São Paulo. Saraiva, 2012 – Coleção Saberes do Direito; 53.
CNJ. Relatório Justiça em Números – 2021. [Ebook]. https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2021/09/relatorio-justica-em-numeros2021-12.pdf . Acessado em 20/04/2022.
GUILHERME, Luiz Fernando do Vale de Almeida. Manual de Arbitragem – doutrina – legislação – jurisprudência. Editora Método. 2ª. Ed. 2007.
IBGE | Projeção da população – https://www.ibge.gov.br/apps/populacao/projecao/index.html.
KAMINSKI, Omar (organizador). Internet Legal: o direito na tecnologia da informação. Curitiba. Juruá, 2003.
KAMEL, Antonie Youssef. Mediação e Arbitragem. Curitiba. Intersaberes, 2017
LISBOA, Roberto Senise. Responsabilidade Civil nas Relações de Consumo. São Paulo. Editora Revista dos Tribunais, 2001.
MORAES, José Luis Bolzan de. Mediação e Arbitragem: alternativas à Jurisdição. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999.

……
2. Dizer o direito (tradução livre)︎
3. A virtude está no meio. (tradução livre)︎
4. https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2021/09/relatorio-justica-em-numeros2021-12.pdf︎
5. Relatório Justiça em Números – 2021 – fls. 112 – Figura 61︎
6. https://www.ibge.gov.br/apps/populacao/projecao/index.html – 214.508.000 habitantes – acessado em 22/04/2022 – 10:18h︎
7. Relatório Justiça em Números – 2021 – fls. 171 – Figura 114︎
Por Eduardo Faria de Oliveira Campos, advogado. Mestrando em Estudos Jurídicos com Ênfase no Direito Internacional pela Must University, Especialista em Direito Civil pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Especialista em Direito Processual Civil e Direito Civil pela Universidade Estadual de Londrina, Especialista em Direito Empresarial pela Universidade Estadual de Londrina.
Fonte: Jus, 16/02/2023 às 11:20
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Prevenção e gestão de conflitos nas empresas

Empresas não negociam, não gerem os próprios negócios. Somos nós, as pessoas que pertencem às empresas que negociamos, interagimos e inovamos. Parece óbvio, mas é preciso reforçar que o gestor é uma pessoa, e como tal, lida diariamente com outras pessoas, que lidam diariamente com outras pessoas nas convivências pessoais e profissionais.
É preciso desenvolver o olhar para a pessoa humana, não mais com uma visão de “ser racional”. É um ser racional, emocional e interrelacional. O que isso quer dizer? Ser humano, que tem uma compreensão de si mesmo, sentimentos, pensamentos e comportamentos, que interage com o outro, dentro de um sistema complexo de relações.
As empresas estão reconhecendo que as pessoas são seus maiores ativos: ativos intangíveis que propiciam atingir ativos tangíveis. Neste caminho, é fundamental compreender como pensamos, sentimos e agimos diante das adversidades nos relacionamentos, e como essa interação impacta em resultados numéricos, na produtividade, nas atividades cotidianas.
Ao gerenciar pessoas é preciso gerir conflitos. Gerir conflitos envolve um leque de ações que têm origem a partir do diálogo e da construção do consenso. É a partir de uma comunicação sustentável nas relações, em que as trocas entre os indivíduos acontecem com equilíbrio e transformação positiva.
Os conflitos nas empresas
Um problema muito relatado nas organizações é pertinente a relacionamentos, confrontos, desentendimentos, discordâncias, fofocas, mensagens mal compreendidas, gerando improdutividade e, muitas vezes, rompimentos nas relações. Essas situações revelam a dificuldade em lidar com o outro no ambiente de trabalho, configurando-se numa das maiores causas dos conflitos no mundo corporativo.
O conflito é algo que faz parte das relações humanas. Nas interações cotidianas, vivenciamos controvérsias em vários ambientes, principalmente no local de trabalho em que convivemos a maior parte do dia. Algumas controvérsias parecem imperceptíveis, mero ruídos de comunicação, mesmo assim, estão presentes e impactam individual e coletivamente.
Dentro das organizações, os conflitos geram custos, muitas vezes invisíveis e de difícil mensuração (Burbridge, 2012). São fatores que ocasionam graves danos ao nosso desempenho e ao funcionamento do negócio a longo prazo.
As disputas e controvérsias possuem muitos efeitos estressantes, impactando na produtividade, nos resultados, no trabalho em equipe, na comunicação entre os vários públicos com os quais a empresa interage (stakeholders), no desempenho em projetos e metas.
Quando não administrados, os conflitos vão se acumulando a ponto de escalonar e ocasionar situações problemáticas como: desmotivação, boicotes e vinganças, fofocas, operação tartaruga, resistência a mudanças, trabalhos mal executados, falhas de comunicação, erros não admitidos, omissões, insatisfações, grande rotatividade, e, até mesmo, causa de adoecimentos e afastamentos (como o burnout), acidentes laborais e número excessivo de reclamações trabalhistas (processos judiciais).
Todos esses fatores repercutem consideravelmente na relação com clientes, consumidores, parceiros, terceirizados e fornecedores, por ocasionar atrasos em entregas de produtos, serviços incompletos, insatisfação no atendimento. O resultado é um cenário problemático, gerando danos de grandes proporções, diante da desconexão entre as pessoas que formam toda a equipe da empresa.
No entanto, é possível reverter esta situação problemática, ao transformar positivamente a forma de interação entre as pessoas, através da comunicação e de técnicas de prevenção e gestão de conflitos, com respeito e incentivo à colaboração.
Em um ambiente de diálogo, os líderes e colaboradores lidam de forma positiva com controvérsias e adversidades, viabilizando soluções criativas e oportunidades de mudanças que promovam melhores resultados.
Aprender a lidar positivamente com conflitos é a chave para promover a transformação nos relacionamentos, o desenvolvimento de pessoas e equipes e, consequentemente, o crescimento sustentável da organização, diante da longevidade dos relacionamentos.
A partir da aquisição das competências, ferramentas e habilidades essenciais líderes e equipes estarão preparados para virar a chave nos conflitos.
Dentre os benefícios para as empresas que podemos listar são: a melhoria do engajamento, a harmonia das equipes, reduzindo índices de turnover e absenteísmo e, principalmente, o fortalecimento da cultura organizacional.
A gestão positiva de conflitos colabora na longevidade dos relacionamentos, com a melhoria da comunicação, normaliza os conflitos que porventura surgem dos desafios cotidianos dentro das empresas e propicia a capacitação para as equipes superarem estes obstáculos com aprendizados. A convivência dentro da organização passa a ser mais saudável e produtiva.
Evitar ou prevenir conflitos?
Prevenir não é o mesmo que evitar! Abrange criar estratégias e atitudes para identificar possíveis controvérsias e ruídos, de forma a criar soluções.
A prevenção dos conflitos começa pela mudança de mentalidade.
Conflitos! O que passa em nossa mente quando ouvimos a palavra conflito? Quais sensações sentimos ao pensar a respeito de um conflito pessoal que possamos ter vivido ou estamos vivenciando? Que sentimentos surgem? Quais atitudes temos diante desta situação?
O primeiro passo para administrar essas adversidades nos relacionamentos é compreender o que pensamos, sentimos e como nos comportamos diante dos conflitos.
A percepção de mundo que temos impacta em nossas ações.
A grande maioria de nós não reflete muito sobre como os conflitos impactam em nossas vidas, nesta perspectiva: pensamentos, sensações (físicas), sentimentos e comportamentos.
Simplesmente, vivenciamos todos os dias situações de controvérsia, em maior ou menor grau, e agimos instintivamente, ou evitando ou reagindo a estes estímulos.
É importante compreendermos que o que pensamos a respeito dos conflitos determina nossos comportamentos, passando pelas sensações e sentimentos. Assim, a construção do significado que damos à palavra é determinante em nossas escolhas de como lidar com essas adversidades cotidianas.
Muitos atribuem a palavra conflito como sendo embates, combates, guerras, violências físicas e agressões.
O conceito pode ser ampliado para ruídos de comunicação, controvérsias, pontos de vista diferentes.
E se entendermos o conceito nesta perspectiva mais ampla, percebemos que o conflito é inato ao ser humano e, todos os dias, vivenciamos situações controvertidas, incompatibilidades, diálogos interrompidos, tensões na comunicação, brigas e discussões, que provocam desde situações desagradáveis a resultados desastrosos.
Percebidos assim em seus efeitos, neste viés negativo, conflitos nos causam mal-estar, desconforto, cansaço, estresse e várias sensações ruins, porque associamos a uma experiência difícil e problemática.
Acabam promovendo em nós emoções e sentimentos como frustração, tristeza, nojo, raiva, impotência. Esta é a tempestade perfeita para desenrolar duas reações: ou luta (ataque, reação agressiva) ou fuga (paralisia, subordinação).
Para muitas pessoas, a atitude é evitar o conflito, “engolindo sapo”, escolhendo se manter distante da pessoa ou situação, e “varrer para debaixo do tapete”, acreditando que “o tempo cura tudo”. Todas essas citações em aspas trazem crenças limitantes em relação aos conflitos, muito embasada em maneiras passivas de lidar com desafios.
Muitos gestores não percebem ou fingem que não há problemas interpessoais em suas equipes.
Um dos motivos é porque entendem que essas diferenças pessoais devem ser resolvidas fora do ambiente laboral, mantendo foco única e exclusivamente nas tarefas.
A longo prazo, o problema pode tomar dimensões mais complexas com a atitude omissa do gestor e gerar um verdadeiro embate no local de trabalho ou distanciamento com rompimento total de uma relação, prejudicando as atividades, compromissos e prazos da organização.
Outras pessoas decidem “não levar desaforo para casa”, com reações mais intensas e por vezes desproporcionais aos gatilhos iniciais. Nestas situações, perdem rapidamente o equilíbrio e passam a atacar o suposto “oponente” de maneira desproporcional, “perdendo a razão”, interpretando o outro como um verdadeiro inimigo. Ao recobrar a normalidade, percebe os exageros, sentindo remorso, culpa, vergonha, e os rompantes podem gerar também rompimentos numa relação, ou outras sérias consequências.
Nesta outra polaridade, o clima de reatividade gera insegurança nas relações, inclusive propicia a caracterização de contextos de assédio moral no trabalho.
Um ambiente de muita conflituosidade vem sendo considerado tóxico, e desestimula a criatividade e autonomia dos colaboradores, além de ser fator inclusive de litígios judiciais.
Em um contexto de complexidade das relações humanas, é fundamental desenvolver habilidades e técnicas para lidar com os relacionamentos humanos de forma positiva.
Prevenir significa criar recursos e estratégias para melhor lidar com essa complexidade humana.
A chave para a mudança é compreender que o conflito é uma circunstância neutra, a depender de como escolhemos lidar com ele. Tudo é um processo de escolha: como escolhemos perceber a situação.
O conflito manifesta um sintoma de algo que não está funcionando bem numa relação, apontando muitas vezes uma necessidade não atendida, diferenças entre pontos de vista, interesses aparentemente antagônicos, a partir de uma diversidade de repertórios de vida.
John Paul Lederach (Lederach, 2012), reconhecido internacionalmente como pacificador, possui uma obra em que nos convida a ver o conflito como “uma oportunidade, um dom”. Sustenta que:
(…) ao invés de ver o conflito como ameaça, devemos entendê-lo como uma oportunidade para crescer e aumentar a compreensão sobre nós mesmos, os outros e nossa estrutura social. Os conflitos nos relacionamentos de todos os níveis são o modo que a vida encontrou para nos ajudar a parar, avaliar e prestar atenção. Uma forma de conhecer verdadeiramente nossa condição humana é reconhecer o dom que os conflitos representam em nossa vida. Sem ele a vida apresentaria uma topografia monótona e plana marcada pela mesmice, e os relacionamentos seriam muito superficiais.
O conflito também gera vida: através do conflito nós reagimos, inovamos e mudamos. O conflito pode ser entendido como o motor de mudança, como aquilo que mantém os relacionamentos e as estruturas sociais honestas, vivas e dinamicamente sensíveis às necessidades, aspirações e ao crescimento do ser humano.
Se percebido positivamente, o conflito é oportunidade de mudanças necessárias para retomada da energia e sintonia do relacionamento, ou mesmo transformação desta relação, para gerar maior engajamento e criatividade, sem a necessidade de romper abruptamente a comunicação. Inclusive, pode promover soluções inovadoras e mais adequadas a lidar com o problema.
As crises são momentos de aprendizado e potencial desenvolvimento dos envolvidos.
A partir da mudança de percepção e da construção de significado do conflito, é possível promover um convite ao diálogo autêntico, em que há espaço para uma escuta dos diferentes pontos de vista.
Saber lidar com controvérsias nos promove protagonismo por meio da autodeterminação e autonomia de vontade. Isso acontece quando compreendemos alguns aspectos internos importantes: a percepção ampla da situação conflituosa, identificação de necessidades e interesses, acolhimento de emoções e sentimentos e assertividade.
É um processo gradativo de aprendizagem (humana), em que saímos da total inconsciência e incapacidade, para a consciência acerca dessas adversidades e vamos, por meio de treinamento em novos hábitos, criando as competências e os recursos necessários (capacidades) para superar os desafios nas relações.
Ao mesmo tempo, compreendemos quais conflitos não poderão ser prevenidos, e sim administrados, para escolhermos o meio mais adequado para gerir essas controvérsias (negociação, mediação, conciliação, por exemplo).
O que é gestão de conflitos nas organizações?
A gestão de conflitos envolve práticas de escuta ativa e diálogo das necessidades e interesses que estejam em dissonância, buscando soluções que atendam adequadamente os indivíduos, gerando satisfação e eficiência na transformação das relações.
Esta atividade tem por objetivo prevenir o escalonamento de controvérsias, administrar positivamente as situações conflituosas que existem, além de promover mudanças positivas a partir de soluções criativas e adequadas a cada contexto. Caso já esteja instaurada a discordância, há técnicas e meios de administrar adequadamente cada situação para gerar o consenso e a solução.
Com estas boas práticas de gestão de conflitos, há melhoria da comunicação interna e do clima organizacional, criando um ambiente colaborativo.
A empresa pode desenhar um processo organizado de administração e tratamento dos conflitos da forma mais adequada a cada situação, levando em consideração os níveis de complexidade dos conflitos.
Existem procedimentos que estruturam internamente uma gestão das controvérsias para fomentar o diálogo estratégico.
Em um nível menos complexo, inicia-se com treinamentos em competências e técnicas que envolvam o diálogo e ferramentas de autogestão de conflitos, contemplando líderes e gestores, e, ainda, todos os colaboradores. Nesta etapa, o objetivo é a melhoria da comunicação, incentivando a manifestação da singularidade de cada pessoa que compõe a organização, com sentido, autonomia e autorresponsabilidade.
Pretende-se trabalhar o pertencimento de cada indivíduo neste coletivo, por meio da escuta de todos os envolvidos na tomada de decisão, para o direcionamento das ações cotidianas da empresa. Dessa forma, há o incentivo para que contribuam nos processos produtivos com autonomia, motivação e engajamento.
Em casos de maior complexidade da disputa, a mediação é o meio adequado a lidar com adversidades no ambiente corporativo, proporcionando relações mais duráveis e confiáveis ao longo do tempo.
A mediação é uma forma de resolver conflitos com a intervenção de um terceiro neutro, ou seja, uma pessoa que não conheça previamente os envolvidos e possa manter certo distanciamento para auxiliá-los a retomar o diálogo.
A depender da estrutura da empresa, o mediador pode ser um colaborador interno, ligado aos Recursos Humanos, ou um mediador externo, por intermédio de uma consultoria especializada. Há possibilidades do gestor atuar como mediador, a partir de sua capacitação, em circunstâncias em que não possua envolvimento com o conflito.
Vários modelos podem ser estruturados conforme a necessidade da empresa, sempre pautando a gestão de conflitos nos princípios do diálogo e do protagonismo das pessoas envolvidas.
Quando existe um ambiente com comunicação aberta dentro das organizações, cria-se uma cultura de confiança, em que todos podem colaborar e cooperar na direção de um sentido maior.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Burbridge, A. e. (2012). Gestão de conflitos: Desafio do mundo corporativo. São Paulo: Saraiva.
Lederach, J. P. (2012). Transformação de Conflitos. São Paulo: Palas Athena.
Por Betina Costa, mestranda em Direito com ênfase em Resolução de Conflitos, pela Ambra University. Pós-graduanda em Psicologia Positiva pela PUC/RS. Advogada consensual. Diretora Regional no Piauí do escritório Bayma & Fernandes. Presidente da Comissão de Justiça Restaurativa e Direito Sistêmico da OAB/PI, na atual gestão 2019/2021.
Fonte: Direito Profissional – 31/01/2023
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O sistema multiportas e a pessoa com deficiência

Cerca de 1/4 da população brasileira declara ter algum tipo de deficiência. São esses os dados do último Censo Demográfico divulgado pelo IBGE [1]: aproximadamente 46 milhões de brasileiros (24% da população) reconhecem ter algum grau de dificuldade em pelo menos uma das habilidades investigadas (enxergar, ouvir, caminhar ou subir degraus) ou possuir deficiência mental/intelectual.
Há diversos critérios para definir o conceito de pessoa com deficiência. A Lei Brasileira de Inclusão (Lei nº 13.146/15), responsável por reformular a teoria das incapacidades do modelo médico para o modelo social de deficiência, assim o fez:
“Artigo 2º Considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas” [2].
O que define, portanto, a pessoa com deficiência não é a falta de um membro, tampouco quaisquer das funções ou órgãos do sentido reduzidos. Como já alertava Luiz Alberto David Araujo em sua tese de Doutorado [3]: “O que caracteriza a pessoa com deficiência é a dificuldade de se relacionar, de se integrar na sociedade, de estar incluído socialmente. O grau de dificuldade para a inclusão social é que definirá quem é ou não pessoa com deficiência”.
Se a deficiência é um impedimento social tão presente na população brasileira, uma reflexão se impõe: a concepção da chamada Justiça Multiportas inclui essa significante parcela da sociedade ou apenas reforça a barreira que os métodos tradicionais de resolução de conflitos já consagram?
A ideia de Justiça Multiportas (multi-door courthouse ou multi-door system) teve origem nos estudos do professor Frank Sander, da Universidade Harvard. A ideia, em resumo, é que a atividade jurisdicional estatal não pode ser vislumbrada como a única e principal opção das partes para a solução dos litígios [4]. Há, para cada tipo de conflito, uma ou mais formas adequadas de resolução, sendo a jurisdição estatal apenas uma dessas opções.
Com a Resolução nº 125/2010 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), aliado aos avanços promovidos pelo Código de Processo Civil de 2015 (CPC), o direito brasileiro caminha para a construção de um modelo de Sistema multiportas. Outros inúmeros diplomas confirmam esse movimento, a exemplo da Lei nº 9.307/1996 (arbitragem) e da Lei nº 13.140/15 (mediação).
Dentre as vantagens destacadas pela doutrina para esse novo modelo [5], tem-se o maior protagonismo da parte na solução de seu problema, com o consequente maior comprometimento e responsabilização acerca dos resultados; o estimulo à autocomposição; a maior eficiência do Poder Judiciário, porquanto a esse caberia apenas a solução dos casos mais complexos, quando inviável a solução por outros meios ou quando as partes assim o desejassem; e a maior transparência, diante do conhecimento prévio pelas partes acerca dos procedimentos disponíveis para a solução do respectivo conflito.
Há, portanto, um inegável movimento em prol da introdução de novas formas de tratamento dos litígios, que não afastam a jurisdição estatal — como não poderia deixar de sê-lo, diante do artigo 5º, XXXV da Constituição Federal — mas que com ela coexistem, elevando a qualidade das soluções e pluralizando as formas de lidar com a conflituosidade humana.
Isso posto, questiona-se: é possível afirmar que, hoje, o Sistema Multiportas abarca em seu plano de consolidação as pessoas com deficiência? Existe algum preparo do poder público e da iniciativa privada para que pessoas com deficiência visual, auditiva, motora, mental ou intelectual usufruam dos diferentes mecanismos de resolução do conflito? Em caso negativo, é justificável recusar acessibilidade a esses métodos para cerca de 1/4 da população brasileira?
No âmbito do Poder Judiciário, o comando é claro: há que se prover essa integração.
A Resolução nº 401/2021 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) [6] dispõe sobre o desenvolvimento de diretrizes de acessibilidade e inclusão de pessoas com deficiência nos órgãos do Poder Judiciário e de seus serviços auxiliares. Trata, em síntese, da necessária eliminação de barreiras urbanísticas, arquitetônicas, informacionais, atitudinais ou tecnológicas para a garantia dessa igualdade.
Para elucidar o tamanho do desafio, são iniciativas propostas pela Resolução a capacitação de servidores em temas relativos a acolhimento, direitos, atendimento e cotidiano de pessoas com deficiência; a garantia de recursos de tecnologia assistiva, adaptações arquitetônicas e urbanísticas que permitam a acessibilidade; medidas de facilitação ao acesso e à obtenção de informações e certidões, dentre inúmeras outras medidas a serem implementadas.
Ainda no âmbito dos atos normativos editados pelo CNJ, a Resolução nº 332/2020 [7] incentiva a adoção de mecanismos de inteligência artificial e de tecnologias análogas no âmbito judicial, a serem utilizados para a promoção de bem-estar e a prestação jurisdicional equitativa a tal público.
Alinhado às diretrizes acima, o Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso (TJ-MT) criou a Comissão Permanente de Acessibilidade e Inclusão, cujo objetivo é desenvolver e aprimorar estratégias de acessibilidade, tanto em quesitos estruturais e físicos, quanto em termos de acessibilidade digital.
Dentre as iniciativas de destaque, o Poder Judiciário mato-grossense aderiu a ações de acessibilidade, como o uso da ferramenta VLibras no site institucional do TJ-MT, software que traduz os conteúdos do Portal em tópicos, fazendo a leitura de hiperlinks e textos em Libras. Implantou, ainda, a tradução em Língua Brasileira de Sinais nas sessões on-line de julgamentos da Segunda Instância [8], promoveu audiências de conciliação com o auxílio de tais intérpretes [9] e capacitou servidores em curso de libras [10], sempre visando à inclusão desse público aos diferentes métodos de resolução abarcados pelo Sistema Multiportas.
Fato é que o desafio continua e as deficiências são múltiplas. Exigem mudanças estruturais, seja na própria construção e idealização dos espaços de acesso a tais serviços, seja na constante capacitação de todos que se propõem a intermediar a resolução dos conflitos humanos. Juízes, advogados, promotores, defensores, conciliadores/mediadores, equipe multidisciplinar: todos inclusos.
Não é demais lembrar que o tema da pessoa com deficiência é tão caro ao legislador brasileiro que três dos quatro tratados internacionais com status de emenda constitucional no Brasil permeiam o tema: a Convenção Internacional sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência (Convenção de Nova York), o Protocolo Facultativo dessa Convenção e o Tratado de Marraqueche.
Ainda, é ilusório e pouco altruísta pensar que faltam demandas a justificar o investimento. O fato de não sentirmos em nosso cotidiano essa quantidade de pessoas que necessitam do acesso adaptado é menos um sinal de que essas rareiam, e mais um indicativo de que não lhes foram garantidas condições mínimas de conhecimento e acesso a todas essas opções de resolução de conflito disponíveis.
A mudança atitudinal é o alicerce da urgente, ampla e irrestrita acessibilidade das pessoas com deficiência ao Sistema Multiportas. Em tempo: não basta que sejam múltiplas: todas as portas devem ser, igualmente, acessíveis.
[1] Disponível em: Censo 2010 | IBGE. Acesso em: 14/1/2023.
[2] Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13146.htm. Acesso em: 14/1/2023.
[3] ARAUJO, Luiz Alberto David. A Proteção constitucional das pessoas portadoras de deficiência. 3ª Edição. Brasília: CORDE, 2001. Originalmente apresentada como Tese de Doutorado — Pontifícia Universidade Católica, São Paulo. Disponível em: <https://tede2.pucsp.br/handle/handle/8708>. Acesso em: 14/01/2023.
[4] CAVALCANTE, Márcio André Lopes. Colaborador: Felipe Viana de Araujo Duque. Disponível em: <https://www.buscadordizerodireito.com.br/dodpedia/detalhes/b9141aff1412dc76340b3822d9ea6c72?palavra-chave=multiportas&criterio-pesquisa=e>. Acesso em: 14/01/2023.
[5] PEIXOTO, Marco Aurélio Ventura; PEIXOTO, Renata Cortez Vieira. Fazenda Pública e Execução. Salvador: Juspodivm, 2018, p. 118
[6] Disponível em: <https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/3987>. Acesso em: 14/01/2023.
[7] Disponível em: <https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/3429>. Acesso em: 14/01/2023.
[8] Disponível em: <https://www.tjmt.jus.br/noticias/70466>. Acesso em: 14/01/2023.
[9] Disponível em: < http://www.tjmt.jus.br/noticias/66536#.Y8MPAHbMKUk>. Acesso em: 14/01/2023.
[10] Disponível em: <http://www.tjmt.jus.br/noticias/60203#.Y785OXbMKUk>. Acesso em: 14/01/2023.
Por Fernanda Mayumi Kobayashi, juíza do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso e formada em Mediação de Conflitos pela Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP).
Fonte: Revista Consultor Jurídico, 24 de janeiro de 2023, 11h15
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A arbitragem “pegou” e pode salvar o seu negócio

A arbitragem não é um mecanismo novo no país. Desde a época do Brasil Império, já havia a previsão normativa da solução de conflitos por meio de um árbitro, isto é, por um terceiro não pertencente à estrutura jurisdicional do Estado, eleito pelas partes, idôneo e com conhecimento específico sobre a matéria a ser decidida.
Porém, a tradição jurídica e social do país — muito afeita à autoridade estatal — sempre tratou a arbitragem com desconfiança e receio, já que o instituto quebra a ótica do monopólio do “estado-juiz” na solução de conflitos. Isso ajuda a explicar o porquê de, mesmo após a edição da Lei de Arbitragem (Lei nº 9.307/96), no longínquo ano de 1996, o instituto ainda demorou a “pegar” no país.
Sem surpresas, foi sobretudo com o aval de decisões recorrentes das cortes superiores que a arbitragem passou a gozar de segurança jurídica suficiente para permitir sua popularização. Um marco foi a confirmação da constitucionalidade da Lei de Arbitragem, em 2001. Outro exemplo é a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, que se firmou no sentido de reconhecer que, uma vez escolhida a arbitragem pelas partes, é do próprio árbitro, com primazia sobre o Poder Judiciário, a prerrogativa de deliberar sobre a existência, validade e eficácia da convenção de arbitragem; ou seja, é dele a palavra final para decidir sobre sua própria competência para julgar o caso. Sem essa garantia, que constitui princípio básico da arbitragem em todo o mundo, a autoridade da decisão arbitral seria sempre questionada no Poder Judiciário, perpetuando o conflito cuja resolução rápida e segura as partes confiaram ao procedimento arbitral.
A inclusão de cláusula compromissória de arbitragem passou, então, a dividir espaço com as cláusulas de eleição de foro judicial nos contratos. As câmaras arbitrais proliferaram e ganharam renome. E, hoje, o Brasil está entre os países que mais utilizam a arbitragem no mundo.
As vantagens são claras e justificam a crescente popularização. O procedimento é substancialmente mais rápido, uma vez que anos de contenda judicial se resumem em alguns meses de arbitragem, cuja sentença é final, sem espaço para cadeias infindáveis de recursos. As partes gozam de ampla autonomia e paridade para definirem regras específicas do procedimento arbitral, incluindo o prazo para o proferimento da sentença e realização de atos processuais diversos. A escolha do(s) árbitro(s) pelas partes — sempre guiada pela imparcialidade garantida pela lei e pelo máximo grau de especialização — permite o julgamento da causa por autoridades no assunto, o que torna a arbitragem especialmente valiosa para causas que envolvam questões muito específicas e técnicas, algo inviável de se exigir de um juiz que é chamado a decidir ampla gama de conflitos. Soma-se ainda o sigilo garantido ao procedimento e ao resultado da arbitragem, se assim quiserem as partes.
Portanto, é possível perceber as claras vantagens que arbitragem possibilita na resolução, por exemplo, de conflitos societários, em que uma decisão rápida e sigilosa pode ser a diferença entre a derrocada definitiva da empresa e a sua sobrevivência. Afinal, nenhuma empresa resiste a embates entre os sócios, sobretudo quando se arrastam em processos judiciais mofados, ou quando a publicidade do conflito potencializa os danos causados à sociedade.
A arbitragem também tem espaço na proteção de toda sorte de negócios e contratos que se aproveitam das vantagens do procedimento e contornam suas limitações, que, sim, existem. Um exemplo é que o valor para instauração da arbitragem é usualmente mais custoso do que para o ingresso de uma ação judicial (embora a redução do tempo do processo minore ou suplante essa diferença). Além disso, o juízo arbitral não possui competência para fazer cumprir suas decisões, de modo que o Poder Judiciário ainda é necessário para compelir pessoas e executar, bloquear e transferir bens.
As limitações da arbitragem, porém, não importam na conclusão de que apenas contratos e negócios de valor muito elevado são dignos da cláusula arbitral. Em realidade, é fundamental uma análise conglobante e especializada, por profissionais habilitados, acerca da adequação do uso da arbitragem, a fim de guiar a decisão dos contratantes, possibilitando, ao final, a proteção necessária para a perpetuação e fruição do negócio.
A arbitragem, enfim, “pegou”, e é mais uma ferramenta à disposição da pacificação social e desenvolvimento econômico.
Por Rodrigo Gomes dos Anjos Lima, advogado graduado pela Ufes, associado ao escritório Oliveira Cardoso Advogados e especialista em Direito Ambiental pela UFPR.
Fonte: Revista Consultor Jurídico, 7 de janeiro de 2023, 17h49
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Em evento no IAB, coautor da Lei de Arbitragem diz que projeto que muda regras é inconveniente

O coautor da Lei de Arbitragem vigente no Brasil, Pedro Antônio Batista Martins, afirmou que o projeto de lei 3.293/21, que altera regras da legislação atual, é inconveniente e contrário à essência de liberdade que move a arbitragem. Entre outras mudanças, a proposta da deputada federal Margarete Coelho (PP-PI) pretende limitar o número de processos por árbitro e tornar públicos os termos das arbitragens. Os impactos da possível alteração e a relação entre a arbitragem e a insolvência foram debatidos no evento promovido pela Comissão de Conciliação, Mediação e Arbitragem do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB) nesta sexta-feira (18/11).
A mesa de debate foi conduzida pela presidente da Comissão, Adriana Brasil Guimarães, e contou com a presença do presidente da Comissão de Arbitragem da Seccional do Rio de Janeiro da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/RJ), Joaquim Tavares de Paiva Muniz, e do administrador judicial de falências e recuperação judicial Bruno Rezende. A mediação das discussões foi feita pelo vice-presidente da comissão organizadora, Alexandre Gonçalves, e pela advogada e membro da mesma comissão Raquel Rangel.
O coautor da lei atual não vê motivos para alterar a norma que, segundo ele, “introduziu no Brasil um sistema novo de solução de conflitos”. Para Pedro Batista, é inconveniente ocupar o Congresso Nacional, que tem muitas demandas relevantes, com um projeto que não contribui com a arbitragem. De acordo com o jurista, os advogados e os árbitros aperfeiçoaram o sistema vigente. “O que nós precisamos é fortalecer a autorregulação. Por que mexer em algo que está dando certo para o País?”, questionou. Para Martins, “cabe às Câmaras de Arbitragem a fiscalização do comportamento e do desenvolvimento das ações”. Em consonância, Joaquim Muniz disse que não é papel do Estado interferir no aprimoramento da arbitragem, que é realizado pelos agentes do processo.
“Temos que ter portas de resolução de conflitos para além do Poder Judiciário”, afirmou Pedro Batista. A arbitragem, acredita Muniz, é a solução rápida alternativa ao sistema estatal sobrecarregado. “Como diria Ruy Barbosa, ‘justiça tardia não é justiça’, e por isso a arbitragem é tão popular”. A limitação de 10 processos por árbitro, segundo Muniz, não está respaldada por nenhuma métrica jurídica. Como consequência disso, a própria estrutura de arbitragem poderia ser prejudicada pela ausência de profissionais qualificados dispostos a se dedicar exclusivamente à atividade, já que haveria uma limitação de carga de trabalho e remuneração. Para o advogado, o impedimento de repetição na composição de árbitros em arbitragens diferentes é outro ponto da norma que carece de justificativa.
Segundo Muniz, muitas pessoas escolhem a arbitragem para discutir com sigilo questões sensíveis. Por isso, a publicização dos processos contraria a possibilidade de confidencialidade das arbitragens. “Ao permitir que a sentença seja publicada na integralidade, você simplesmente vai começar a fazer uma prova na arbitragem menos robusta”, avaliou. Para Raquel Rangel, a ausência de propósito claro, por parte da proposta, torna o projeto de lei “nefasto para todos os que trabalham com a arbitragem”. Outra consequência caso o PL seja aprovado, lembrou Adriana Guimarães, seria o impacto na economia brasileira, que afastará a adoção desse método de resolução de conflitos no País. “Se limitarmos a arbitragem da maneira como consta no PL, vamos acabar com a arbitragem no Brasil. E com isso, com certeza as partes vão eleger as sedes das arbitragens em outros países, no exterior, e não mais no Brasil”.
Insolvência – O segundo painel do evento discutiu a relação entre a insolvência – quando o devedor não tem recursos para saldar suas dívidas – e a arbitragem. O mediador do debate, Alexandre Gonçalves, acredita que os assuntos estão relacionados diretamente, já que a arbitragem assumiu um papel relevante como método alternativo de resolução de diferenças e é aplicada no Direito Empresarial. “Considerando a função social desempenhada pela empresa e o consequente interesse público na sua preservação, a insolvência empresarial deve ser analisada em cotejo com diversos outros institutos, sendo importante compreender a coexistência entre a arbitragem, a jurisdição estatal e a jurisdição privada”, afirmou.
Segundo Bruno Rezende, o Brasil está 50% abaixo dos países vizinhos no âmbito da resolução da insolvência. O advogado acredita que o projeto que modifica as regras de arbitragem afeta o debate de inadimplência porque, no ambiente da insolvência, há facilidade de conciliação alternativa: “O administrador judicial deve sempre que possível estimular a mediação, a conciliação e, mais do que isso, os meios alternativos de solução de conflitos. Se tratando de recuperação judicial, é óbvio que os administradores da empresa não ficam despojados de sua atividade”.
Rezende explicou que a mediação está sendo muito utilizada para solucionar problemas de recuperação judicial, o que pode tornar o administrador judicial capaz de trazer para a jurisdição arbitral a solução das questões do processo. “A falência visa a realocação eficiente dos ativos da economia e o retorno do empresário ao empreendedorismo”, afirmou. Por isso, para ele, a solução é aperfeiçoar os mecanismos que tratam do tema: “Devemos trabalhar melhor as falências, dando transparência ao banco de ativos. Não tenho dúvida de que o mercado está ávido para, tendo segurança jurídica e celeridade, investir nos processos”.
Fonte: IAB – Sexta, 18 Novembro 2022 16:32
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Considerações sobre a Lei de Arbitragem no Brasil

Apesar de sensível aparato regulador, é comum a existência de conflitos de interesses que são inerentes à vida em sociedade, o que reclama, de algum modo, a atuação do Estado, a fim de manter a paz social e zelar pela harmonia e cumprimento da ordem jurídica. Tais litígios podem ser resolvidos no modelo heterocompositivo ou autocompositivo. Essa derradeira ocorre quando as próprias partes resolvem seus conflitos. As principais formas de solução de conflitos por tal método, que são: autotutela, conciliação, mediação e transação.
Já heterocomposição é técnica pela qual as partes elegem terceiro para prover a solução do litígio, tendo como principais formas a jurisdição e a arbitragem. E, superando os parâmetros anteriores, a Lei 9.307/1996 que teve sua constitucionalidade questionada junto ao Supremo Tribunal Federal, em incidente vinculado ao processo de homologação de uma sentença arbitral estrangeira proferida em Espanha, por suposta ofensa à garantia de acesso à justiça, prevista no artigo 5º, inciso XXXV da Constituição Federal brasileira de 1988.
No trâmite do processo foi promulgada a Lei 9.307 em 1996, que passou a dispensar a homologação desse laudo na justiça do país de origem. Em vista disso, o Ministro Moreira Alves, no julgamento do recurso suscitou a questão de constitucionalidade da lei em comento. Eis que fora questionada a constitucionalidade da Lei no Agravo Regimental em Sentença Estrangeira 5.206-7l, o qual, em 10.10.1996, após voto do relator Ministro
Sepúlveda Pertence, requereu a conversão do julgamento em diligência para colher parecer do Ministério Público Federal, a fim de examinar se a lei que passou a disciplinar a arbitragem no Brasil ofenderia ou não o princípio de livre acesso ao Judiciário.
In litteris, eis o parecer do então Procurador-Geral da República, Dr. Geraldo Brindeiro: “(…) o que o princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional estabelece é que a lei não exclui da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito. Não estabelece que as partes interessadas não excluirão da apreciação judicial suas questões ou conflitos. Não determina que os interessados devem sempre levar ao Judiciário suas demandas. Se se admite como lícita a transação relativamente a direitos substanciais objeto da lide, não se pode considerar violência à Constituição abdicar do direito instrumental de ação através de cláusula compromissória”[1].
E, em se tratando de direitos patrimoniais disponíveis, não somente é lícito e constitucional, mas é também recomendável aos interessados – diante do acúmulo de processos e do formalismo excessivo que têm gerado a lentidão das demandas judiciais – abdicarem do direito ou do poder de ação e buscarem a composição do conflito por meio de sentença arbitral cujos efeitos sejam idênticos àquele das decisões prolatadas pelo Poder Judiciário.
A partir da leitura do voto do Ministro Néri da Silveira, é possível, ainda, vislumbrar outros trechos do parecer acima indicado do Procurador-Geral:
“E quanto ao controle jurisdicional de lesão ou ameaça a direitos, é de se observar que a Lei n.º 9.307/96, na verdade, o prestigia nos seus arts. 6.º, 7.º, 32, 33, 38 e 39, nas hipóteses de recalcitrância em firmar compromisso, nulidade ou invalidade do juízo arbitral e ofensa à ordem jurídica nacional. O legislador ordinário permitiu, de um lado, a pacificação de determinados conflitos de interesses sem a intervenção estatal, mediante compromisso arbitral[2], com nítidas vantagens para os interessados, e, de outro, garantiu o livre acesso ao Poder Judiciário àqueles que tiverem direitos violados por inobservância das regras fixadas para a arbitragem”.
Tal entendimento sagrou-se vencedor, superando os votos em contrário que suscitaram a inconstitucionalidade da lei ora em comento, sob a razão de afrontar a garantia constitucional da inafastabilidade do controle jurisdicional.
Eis que no bojo constitucional vigente há a menção de que a lei não pode excluir da apreciação do Judiciário lesão ou ameaça a direito, e, portanto, é possível arrematar que nenhuma lei poderá impor a aplicação compulsória  da arbitragem. Mas, não é esse o objetivo da Lei 9.307/1996, já que não impõe a utilização obrigatória do instituto.
Cahali ainda lecionou que a lei não impõe a utilização de arbitragem, mantendo íntegro aos interessados o acesso à jurisdição estatal, porém,  como expressão da vontade e liberdade de contratar, nas questões relativas aos direitos patrimoniais disponíveis, permite que seja eleito o palco arbitral para a solução do conflito.
Conclui-se que a Constituição Federal brasileira vigente não proíbe que as partes contratem formas extrajudiciais de solução de conflitos, não havendo, com isso, uma renúncia abstrata à jurisdição.
Evidentemente, se as partes são livres para transigir e o são para contratar, em face do princípio da autonomia da vontade, podem, igualmente, através da mesma autonomia de vontade poderá decidir pela extinção dos conflitos através da solução arbitral.
Foi oportuna a digressão história realizada pelo Ministro Ilmar Galvão, em seu voto, acerca do mandamento constitucional que fora objeto de discussão, quando da análise da constitucionalidade da Lei de Arbitragem, in litteris: Veja-se, agora, se iniciativa dessa ordem encontra óbice no princípio da garantia do acesso ao judiciário, assim enunciado no inc. XXXV do art. 5.º da Constituição: “A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.
Registre-se, por primeiro, ser opinião pacífica na doutrina que a norma  surgida, entre nós, na Carta de 1946 (art. 141, § 3.º) –, constituiu verdadeiro escudo contra eventual reiteração de práticas do Governo Vargas, quando inquéritos policiais e de outra natureza eram instaurados contra pessoas a quem, de ordinário, não se propiciava garantias comezinhas como a do contraditório e a da ampla defesa, pronunciando-se, a final, contra elas, decisões sumárias, finais e impositivas, insuscetíveis de reexame pelo Judiciário.
A norma, assim, não é de ser vista como impositiva do ingresso de pessoas físicas em juízo toda vez que seus direitos subjetivos são afrontados, constituindo antes uma garantia do que uma imposição, consoante ressalta o parecer da douta Procuradoria-Geral da República.
A digressão histórica corroborada pela Ministra Ellen Gracie sobre o dispositivo, in litteris:
“A leitura que faço da garantia enfocada no art. 5.º, XXXV, é de que a inserção da cláusula assecuratória de acesso ao judiciário, em nosso ordenamento constitucional, tem origem e se explica pela necessidade de precatarem-se os direitos dos cidadãos contra a atuação de órgãos administrativos, próprios de regimes autoritários. A arqueologia da garantia da via judiciária leva-nos a verificar que a cláusula sempre teve em mira, preponderantemente, o direito de defesa ante os tribunais, contra atos dos poderes públicos”.
Não se trata de exclusão  do Judiciário brasileiro em face de eventual lesão às partes, pois existe efetiva possibilidade de controle judicial da sentença arbitral em relação à sua validade.
A leitura que faço da garantia enfocada no art. 5.º, XXXV, é de que a inserção da cláusula assecuratória de acesso ao judiciário, em nosso ordenamento constitucional, tem origem e se explica pela necessidade de precatarem-se os direitos dos cidadãos contra a atuação de órgãos administrativos, próprios de regimes autoritários. A arqueologia da garantia da via judiciária leva-nos a verificar que a cláusula sempre teve em mira, preponderantemente, o direito de defesa ante os tribunais, contra atos dos poderes públicos.
O entendimento era o oposto, de que, tendo a legislação permitido a renúncia do direito de ação, sem definição ou indicação de lides determinadas ou determináveis, ainda que meramente possíveis e eventuais, não seria tolerada pelo ordenamento constitucional. E, neste sentido expôs o Ministro Sepúlveda Pertence, in verbis:
Viu-se, com efeito, que o empecilho à incidência, na hipótese, da regra geral do art. 639 CPC, é a impossibilidade, nos termos do dispositivo, de o juiz substituir pela própria a vontade da parte recalcitrante, “regulando matéria estranha ao conteúdo do negócio preliminar” – qual é, em relação à cláusula compromissória, a determinação da lide a ser submetida à arbitragem.
Ora, essa impossibilidade não a pode suprir a lei ordinária, sem ferir a garantia constitucional de que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito” (CFRB/1988, art. 5.º, XXXV).
Só não a transgride o compromisso, porque, por força dele, são os próprios titulares dos interesses objeto de uma lide já concretizada que, podendo submetê-la à jurisdição estatal, consentem em renunciar à via judicial e optar pela alternativa da arbitragem para solucioná-la. E só para isso.
Na cláusula compromissória, entretanto, o objeto dessa opção, posto que consensual, não são lides já determinadas e concretizadas, como se dá no compromisso: serão lides futuras e eventuais, de contornos indefinidos; quando muito, na expressão de Carnelutti, lides determináveis pela referência ao contrato de cuja execução possam vir a surgir.
A renúncia, com força de definitiva, que aí se divisasse à via judicial já não se legitimaria por derivação da disponibilidade do objeto do litígio, que pressupõe a sua determinação, mas, ao contrário, consubstanciaria renúncia genérica, de objeto indefinido, à garantia constitucional de acesso à jurisdição, cuja validade os princípios repelem.
Sendo a vontade da parte, manifestada na cláusula compromissória, insuficiente – dada a indeterminação do seu objeto – e, pois, diversa da necessária a compor o consenso exigido à formação do compromisso, permitir o suprimento judicial seria admitir a instituição de um juízo arbitral com dispensa da vontade bilateral dos litigantes, que, só ela, lhe pode emprestar legitimidade constitucional: entendo nesse sentido a lição de Pontes de Miranda de que fere o princípio constitucional invocado – hoje, art. 5.º, XXXV, da Constituição – atribuir, ao compromisso que assim se formasse por provimento judicial substitutivo do assentimento de uma das partes “eficácia fora do que é a vontade dos figurantes em se submeterem”.
Não posso fugir, desse modo, à declaração da inconstitucionalidade do parágrafo único do art. 6.º e do art. 7.º da Lei de Arbitragem e, em consequência, dos outros dispositivos que delas deriva, isto é, no art. 41, da nova redação dada aos arts., 267, VII, e 301, IX, do CPC (que estendem a qualquer modalidade de convenção de arbitragem – e, pois, à hipótese de simples cláusula compromissória – a força impeditiva da constituição ou da continuidade do processo judicial sobre a mesma lide objeto do acordo arbitral), o art. 42, que acrescenta um novo inciso, n. VI, ao art. 520 CPC para incluir no rol dos casos de apelação com efeito só devolutivo, o da interposta contra a sentença “que julgar procedente o pedido de instituição de arbitragem”.
A final decisão judicial foi prolatada em dezembro de 2001 e, apesar de todos os ministros terem votado pelo deferimento do recurso, isto é, no sentido de homologar o laudo arbitral espanhol no Brasil, deu-se discordância sobre a constitucionalidade do diploma legal, com a maioria de votos pela constitucionalidade.
Então, os Ministros Sepúlveda Pertence, relator do recurso, bem como Sydney Sanches, Néri da Silveira e Moreira Alves entenderam que a Lei de Arbitragem seria inconstitucional por criar obstáculos ao acesso ao  Judiciário, tido como direito fundamental previsto na Lex Magna vigente.
Já, no sentido oposto, votaram os Ministros Maurício Corrêa, Ellen Gracie, Marco Aurélio, Celso de Mello, Carlos Velloso, Nelson Jobim e Ilmar Galvão não vislumbraram ofensas à Constituição Federal brasileira e, ainda, consideraram o avanço trazido pela lei, concluindo que a opção voluntária das partes ao procedimento arbitral não  ofende o princípio constitucional da inafastabilidade da tutela jurisdicional pelo Judiciário.
Não obstante as discussões ocorridas no STF sobre a constitucionalidade ou não da Lei da Arbitragem, Luiz Guilherme Marinoni afirma que tal questão, fora, realmente desvirtuada, não se podendo dizer que a atividade do árbitro[3] tem natureza jurisdicional, embora sua escolha não ofenda à Constituição, já que jurisdição só pode ser exercida por pessoa investida na qualidade de juiz, nos termos constitucionais vigentes.
O ilustra doutrinador argumento que a referida confusão oriunda dos debates da Suprema Corte decorrente de uma primária falta de percepção da essência da jurisdição e do fundamento da arbitragem.
A crítica feita, literalmente: Afirmou-se, logo após a publicação da referida lei, que não é possível excluir do Poder Judiciário o julgamento de um conflito e, portanto, que tal lei era inconstitucional. Em resposta, foi dito que a atividade do árbitro também é jurisdicional e, assim, que as dimensões da jurisdição teriam sido ampliadas, o que daria legitimidade constitucional ao julgamento do árbitro. (…)
A discussão em torno da constitucionalidade da arbitragem – isto é, da ideia de excluir o Judiciário do julgamento dos conflitos levados ao árbitro – foi completamente desvirtuada, uma vez que a filosofia da arbitragem se relaciona exclusivamente com a questão da autonomia da vontade, sendo correto se dizer que a Lei da Arbitragem teve apenas o propósito de regular uma forma de manifestação da vontade, o que nada tem a ver com as essências da jurisdição e da arbitragem.
Frise-se que a Lei n.º 9.307/96 foi tida como constitucional pela Suprema Corte brasileira, após intensos debates, ganhando credibilidade nos últimos anos pela solução rápida e informal dos litígios e vencendo uma resistência histórica provocada pelos empecilhos criados pelo Código Civil de 1916, seguido pelo Código de Processo Civil de 1939 e aquele de 1973.
Reconhecer a constitucionalidade da Lei n.º 9.307/96 certamente foi um grande avanço para o instituto no ordenamento jurídico brasileiro, eis que colocou o Brasil em vantagem no cenário internacional da arbitragem, que cada vez mais ganha espaço na solução adequada e alternativa de certos conflitos.
Na ausência de uma legislação sobre o tema, ter-se-ia um Judiciário mais lento e precário do que aquele que se tem atualmente, abarrotada de demandas que poderiam ser resolvidas de forma rápida e eficaz, com uma abordagem diversa, hodiernamente, delineada pela arbitragem.
Afora isto, colocaria o Brasil em uma situação de inferioridade nas relações internacionais, amplamente, dinamizadas pela globalização econômica e, que, por essa razão, exigem celeridade na solução das controvérsias eventualmente existentes.
Espera-se que no futuro, em breve, a arbitragem não seja apenas uma solução adequada para resolução de litígios, mas reduza amplamente a sobrecarga imposta ao Judiciário e permita, assim, a verdadeira concretização do acesso à justiça, direito fundamental garantido na Constituição Federal brasileira.
Explanando-se sobre a arbitragem pela sua acepção e os conceitos doutrinários relevantes, bem como, definir natureza jurídica em sentido estrito, além de outros elementos correlatos. A natureza jurídica, seja em concreto ou abstrato é buscar sua origem e função no direito.
Para De Plácido e Silva a natureza jurídica é a matéria de que compõe a própria coisa, é sua compleição.
Ao se pronunciar sobre a natureza jurídica, classificamos e sistematizamos dentro de universo maior, na busca de seu gênero, procurando um encaixe entre conceitos, funções, tipos, classes e, etc. A arbitragem é ato, um negócio jurídico ou um contrato onde exalam as características peculiares que tanto o direito precisa para sua devida regulação.
A natureza jurídica da arbitragem ainda é assunto de polêmica na doutrina pátria, como dito alhures, uma vez que o tema se cerca de elementos caracterizadores ecléticos tanto do direito privado quanto público. Francisco Cahali, no entanto, afirma que a polêmica teria sido solucionada com a Lei n.º 9.307/96, que deu nova roupagem à arbitragem no Brasil.
Essas divergências doutrinárias, no entanto, não são privilégio brasileiro, já que, segundo aponta Ricardo Ranzolin, essa contenda foi herdada da doutrina italiana, onde os debates são, de igual modo, arrebatadores.
As teorias acerca do assunto são, basicamente, quatro, quais sejam: publicista, privatista, híbrida e autônoma, todas as quais serão abordadas a seguir.
Uma das correntes teóricas que externam a classificação do instituto da arbitragem é a publicista ou jurisdicionalista, levada à frente por Ludovico Mortara, segundo destacado por Luiz Guilherme Marinoni.
Referido como “(…) quello che viene considerato il massimo exponente della corrente c.d. giurisdizionale dell´arbitrato”, conforme apresenta Ranzolin.
 O autor aponta, ainda, que, no Brasil, a corrente é defendida por Carlos Alberto Carmona, Nelson Nery Júnior, Humberto Theodoro Júnior, entre outros.
Esta corrente sustenta que a arbitragem, representada em seu maior ícone pelo árbitro, tem natureza jurisdicional, e sua existência é proclamada pelo Estado, que lhe atribui legalmente poderes para resolver os conflitos que lhes são submetidos. A arbitragem teria o reconhecimento de jurisdição de caráter público e de forma extraordinária.
Lembremos, portanto, que a arbitragem somente existe porque assim o Estado permitiu, criando, controlando e disciplinando tal atividade, sendo o árbitro uma persona autorizada pelo Poder Público a realizá-la com o fito de resolver o conflito que lhe foi posto pelas partes que o escolheram especificamente para tanto, enquanto  o juiz se diferencia deste pelo fato de ser um agente escolhido pelo Estado e, não por particulares, além, do rito processual que lhe é inerente.
Outro adepto da corrente publicista é Nelson Nery Junior que afirma com firmeza que:
A natureza jurídica da arbitragem é de jurisdição. O árbitro exerce jurisdição porque aplica o direito ao caso concreto e coloca fim à lide que existe entre as partes. A arbitragem é instrumento de pacificação social. Sua decisão é exteriorizada por meio de sentença, que tem qualidade de título executivo judicial, não havendo necessidade de ser homologada pela jurisdição estatal. A execução da sentença arbitral é aparelhada por título judicial (…).
Para a corrente publicista, o artigo 18 da Lei n.º 9.307/96 é claro ao afirmar que o árbitro é juiz de fato e de direito e que tal posição, além de lhe conferir um múnus publicum,  por si só, sustenta de forma significativa os demais argumentos dessa vertente.
Também corrobora a visão pública da natureza jurídica da arbitragem é a consideração de título executivo judicial prevista no Código Fux, em seu artigo 515, inciso VII.
Apesar da corrente publicista ter muito destaque diante das demais teorias, estamos longe de pacificação quanto à natureza jurídica definitiva da arbitragem. Pois não pode ser tida como jurisdicional ao se ter como alicerce os conceitos de jurisdição comumente adotados, o que não lhe retira, entretanto, a observância de certos conceitos que orientam a atividade jurisdicional, como, por exemplo o princípio do devido processo legal.
A corrente privatista que mira a autonomia da vontade tem como crucial virtude valorizar o aspecto negocial humano, a corrente contratualista ou privatista que teve como nomes célebres Giuseppe Chiovenda, Salvatore Satta que enxerga na arbitragem o reflexo do pacta sunt servanda.
Juristas como Eros Grau e o saudoso Teori Zavascki já prestigiaram posicionamentos que consideravam a natureza contratual da arbitragem, ou ao menos, rejeitavam a sua natureza jurisdicional. De acordo com os privatistas, os contratos pactuados entre as partes devem ser respeitados e cumpridos, e a arbitragem nada mais é do  que pacto contratual assumido por pessoas capazes, que podem, em algum momento, divergir sobre suas cláusulas, submetendo-se, a posteriori e por livre vontade às suas regras.
Igualmente, percebe-se que a autonomia da vontade é potencializada ao seu máximo e, os exemplos esclarecedores são a escolha do direito material e processual, até o modo como o mérito será analisado, se por equidade ou por  direito. A fora isso, as partes poderão ainda optar pelo uso dos costumes, dos princípios gerais do direito ou  nas regras internacionais de direito.
Os contratualistas afirmam que a arbitragem não pode ser entendida como de natureza pública, porque sua sentença, em verdade, é corolário do que foi anteriormente pactuado, pois o Estado não tem sobre esta ingerência, o que as partes acordaram, desde que esteja dentro dos ditames legais. A atribuição do árbitro para decidir, nada mais seria, do de dar cumprimento ao contratado.
Seguindo a linha exposta, os privatistas se apegam ao fato de que a sentença não tem força coercitiva autônoma, isto é, se a parte desfavorecida pela sentença se recusar a cumpri-la é necessária a busca pelo judiciário para seu cumprimento. Não existe fase de execução de sentença, mas somente a sua prolação e entrega às partes.
Quanto à qualidade da decisão arbitral, o árbitro escolhido estaria sempre tecnicamente mais bem preparado do que o juiz de investidura, pois possuiria conhecimento específico e apurado em sua respectiva área de formação, o que, em tese, dispensaria auxílio técnico ou pericial em geral.
Cumpre lembrar que, para cada caso levado à arbitragem, é possível que haja regularmente árbitros especialistas no assunto em litígio, cabendo somente às partes decidirem se querem quaisquer deles.
Além do que foi dito, a arbitragem tem natureza privada pelo fato do árbitro não possuir a investidura dos juízes togados. Logo, não sendo membro do Poder Judiciário, jamais sua função teria caráter público, uma vez que a entrada na esfera arbitral desde o pacto contratual estipulado pelas partes, seja por cláusula compromissória, seja por compromisso arbitral, reflete a hegemonia da autonomia da vontade em sua forma mais primitiva.
De fato, os argumentos privatistas perderam espaço com a Lei 9.307/1996, a qual teria adotado, aparentemente, a teoria jurisdicional da arbitragem. Pois, antes do referido diploma legal, essa  teoria era mais latente pelo fato da sentença arbitral se aperfeiçoar através de sua homologação pelo Poder Judiciário, e ainda assim havia vozes a sustentar a natureza jurisdicional da arbitragem.
Muitos doutrinadores e defensores da teoria sustentam que a arbitragem continua marcada pela autonomia da vontade, na fase antecedente, pelo contrato, e na consequente, pela solução adequada do conflito, no limite do que fora contratado.
Sendo tão notório o confronto entre as correntes publicistas e as privatistas, tenta-se justificar a natureza jurídica da arbitragem como sendo mista, híbrida ou intermediária, ou conciliatória conforme propôs Francesco Carnelutti que uniu as características mais marcantes das duas frentes, para que a terceira proposta seja uma doutrina abalizada.
Essa corrente aduz que a arbitragem realmente tem raízes na autonomia privada ou vontade das partes e que, após a convergência de seus respectivos objetivos, que antes eram individualizados, juntam-se e se entregam à sorte da decisão arbitral.
Também afirma que, apesar da autonomia negocial reger o procedimento arbitral, não se separa do caráter público de jurisdicionalidade no momento último de seu atuar, ou seja, o da sentença.
Assim, a arbitragem, nesse aspecto, teria no mínimo dois momentos de relevo: um inicial de caráter privado, por ajuste das partes, e outro final no qual prepondera o caráter público da sentença arbitral. É certo também que durante todo o caminho percorrido pelo procedimento arbitral aparecem elementos complementares com escopo privado e público.
Essa mescla de valores não pode ser dissociada da arbitragem, já que na verdade ela possui fortes tendências, tanto de caráter privado, sobretudo no aspecto negocial, quanto de caráter público, uma vez que obteve do Estado sua certidão de nascimento, por assim dizer.
A ideia sobre a arbitragem ser híbrida ganha espaço na doutrina especializada, que vem admitindo e adequando esse instrumento de solução de conflito às correntes publicista e privatista. Não há como negar o olhar atento dessa teoria que reúne os pontos mais relevantes das outras duas já citadas. De um lado, admite-se a autonomia da vontade para a submissão da arbitragem, e de outro, não se exclui a força jurisdicional pela legalidade do procedimento e execução das decisões proferidas em sua sede.
Na doutrina nacional, Alexandre Freitas Câmara abraça a referida teoria, conforme se depreende da leitura de suas lições.
A ação foi ajuizada em 1995, sentença estrangeira 5.206-7 em que foram partes MBV Commercial and Export Management Establishment e Resil Indústria e Comércio Ltda., a empresa estrangeira que pretendia homologar uma laudo de sentença arbitral dada no Reino da Espanha, para que tivesse efeitos no Brasil, o que inicialmente fora indeferido.
A corrente autonomista negando todas as correntes anteriores,  uma pequena parcela da doutrina passou a pregar uma natureza jurídica diferente para a arbitragem.
Trata-se de  ver o procedimento arbitral, não como inserto na dicotomia entre o público ou privado, mas ao contrário, como um procedimento com identidade própria que independe das classificações do direito privado ou do império do poder público, desvinculado de qualquer sistema jurídico existente. Seria algo em torno da natureza estritamente processual. É dizer que a arbitragem nem é contratual nem jurisdicional, mas somente arbitragem.
Dessa forma não existiria a dualidade público-privada, mas um trinômio que incluiria a arbitragem com uma natureza própria e exclusiva, que não se confundiria com nenhuma outra natureza.
Essa teoria ganha espaço no cenário internacional, em que há total liberdade de contratar, com independência à ordem local de uma ou outra. parte, tratando o instituto como soberano, já que a arbitragem pode ser retirada de qualquer ordenamento. Afirma, ainda, que “cria-se, por essa teoria, uma jurisdição própria, independente e diversa da jurisdição que integra um sistema jurídico”.
Em decorrência das teorias acima descritas, pode-se afirmar que a arbitragem não é instituto novo, pelo contrário, é de longa data sua utilização e a natureza jurídica pode variar no tempo e no espaço
Existem relatos de sua utilização na Antiguidade, por exemplo, com o Código de Hamurabi[4] onde qualquer pessoa podia se socorrer do rei para dirimir seus litígios; na Grécia Antiga onde os litigantes escolhiam o árbitro e a pretensa sentença era afixada nos templos espalhados pela cidade como forma de dar publicidade; e na Roma antiga que também tinha a figura de um árbitro escolhido pelas partes que julgava de modo muito célere as contendas.
Na América do Sul, o sistema argentino de modo similar ao brasileiro, permite que uma das partes procure o judiciário caso a outra negue submissão à arbitragem mesmo depois de assinar a cláusula arbitral. Neste caso, o juiz suprirá a negativa do dissidente e o forçará perante o procedimento arbitral.
Já o México, a Venezuela, o Equador e o Chile utilizam mecanismos de conciliação entre contribuintes e fisco. Carmona comenta que a Itália, desde 1993 se ajustou às convenções de Genebra e Estrasburgo com o fito de uniformizar sua legislação arbitral interna.
No restante da Europa e Ásia diversos países se utilizam da arbitragem buscando uma solução rápida, técnica e confiável, como bem se espera de toda a arbitragem.
Vale lembrar que se está falando tanto da legislação nativa quanto da adesão a convenções internacionais sobre a matéria. As diferenças giram em torno somente de poucos institutos frente ao bojo procedimental a que se tem acesso.
A arbitragem também pode ser utilizada para conflitos na esfera consumerista e para os tribunais terem força coercitiva para executar suas decisões, como ocorre em Portugal, mas não ocorre na imensa maioria dos países a exemplo do Brasil, cujo árbitro não tem força para executar a sentença, mas somente de entregá-la como título executivo judicial.
No ordenamento jurídico brasileiro há forte tendência em se confiar cada vez mais nas decisões arbitrais pela especificidade e qualificação dos árbitros em lidar com causas complexas, o que não acontece no judiciário que precisa buscar auxílio técnico especializado fora do âmbito dos tribunais, confirmando mais uma vez que a arbitragem ocupa um importante papel na solução de litígios.
A arbitrabilidade é a “condição essencial para que um determinado conflito seja submetido à arbitragem”, e a “possibilidade de um litígio ser submetido a arbitragem voluntária (…) tendo em conta não só a natureza do objecto do litígio, como também a qualidade das partes”.
Nesse ponto, destaca-se a doutrina de Carmen Tibúrcio, a seguir transcrita: Denomina-se arbitrabilidade a viabilidade jurídica de submeter determinada controvérsia à arbitragem. O tema é relevante porque nem todas as partes podem se vincular à arbitragem e, além disso, não são todas as questões que podem ser apreciadas em juízos arbitrais. Dizer que o litígio não é arbitrável significa que não pode ser solucionado por tribunal arbitral, de modo que a arbitrabilidade é uma condição de validade da convenção de arbitragem e, consequentemente, da competência dos árbitros.
O artigo 1.º, da Lei n.º 9.307/96, prevê, que “as pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis”.
Salienta-se que os requisitos são legais, e não ajustados pelas partes entre si. Logo, a arbitrabilidade não se confunde com a convenção arbitral, pois esta resulta da vontade das partes, enquanto aquela deriva de norma legal.
A Lei n.º 9.307/96 define os limites da esfera de liberdade das partes para que possam adequar o procedimento arbitral aos seus interesses[5].
A arbitrabilidade subjetiva refere-se à capacidade das partes, isto é, à aptidão de serem titulares de direitos e deveres, a teor do art. 1.º, do Código Civil. Assinala-se, no entanto, a diferença entre titularidade e exercício do direito.
O Código Civil brasileiro estabelece algumas restrições ao exercício em razão da idade, da falta de discernimento por problemas mentais ou vícios e da prodigalidade, consoante arts. 3.º e 4.º, do referido Código. Nos casos de incapacidade relativa ou absoluta, o exercício dos direitos está condicionado à assistência ou representação, respectivamente.
Na lição de Cesar A. Guimarães Pereira, “discute-se se o incapaz pode ser representado ou assistido na celebração da convenção de arbitragem e na condução da arbitragem em si, tal como ocorre perante o Poder Judiciário”.
A doutrina diverge nesse ponto, razão pela qual “não se pode afirmar com segurança que será reconhecida como válida uma arbitragem envolvendo incapaz, ainda que representado ou assistido”.
A arbitrabilidade subjetiva (ratione personae) verifica a possibilidade de as partes submeterem-se ao juízo arbitral e está intrinsicamente relacionada à autonomia da vontade das partes, o que restringe o uso da arbitragem a um determinado grupo de pessoas. Pelo art. 1.º, da Lei n.º 9.307/96, somente pessoas capazes de contratar poderão submeter-se à arbitragem.
Conforme a doutrina de Carmen Tibúrcio, “a ratio da norma é autoevidente: a opção pelo juízo arbitral não se presume, nem pode ser imposta, devendo decorrer da vontade expressa das partes, formalizada por escrito”.
Desse modo, podem submeter-se à arbitragem pessoas naturais ou jurídicas, de direito privado ou de direito público. As entidades integrantes da Administração Pública direta ou indireta, por terem capacidade de contratar, atendem à exigência da Lei n.º 9.307/96 para submeter litígios à arbitragem.
A arbitrabilidade objetiva (ratione materiae), prevista na parte final do art. 1.º, da Lei n.º 9.307/96, diz respeito à matéria objeto do litígio a ser submetido à arbitragem. A lei apenas admite a arbitragem “para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis”. Portanto, em cada caso, deve-se realizar uma análise do direito em discussão quanto à sua patrimonialidade e disponibilidade.
Cumpre esclarecer que os direitos patrimoniais são aqueles que têm expressão pecuniária, em contraposição aos direitos não patrimoniais, que se referem aos direitos da personalidade e ao estado da pessoa. Entretanto, é bom ressaltar a possibilidade de apreciação em juízo arbitral de aspectos patrimoniais de direitos da personalidade ou outros que tenham um núcleo não patrimonial.
“É o que ocorre com a ação civil derivada de ilícitos penais ou a reparação por uso indevido da imagem, que podem ser resolvidas por arbitragem se houver convenção das partes nesse sentido”.
Além de ser patrimonial, exige-se do direito a ser submetido ao procedimento arbitral que seja também disponível, “a disponibilidade do direito se refere à possibilidade de seu titular ceder, de forma gratuita ou onerosa, (…) sem qualquer restrição”. Trata-se de direitos sujeitos ao poder de autorregulamentação das partes e, por isso, passíveis de negociação.
Existe uma dissonância entre doutrina e jurisprudência no que tange ao conceito do que seriam direitos disponíveis causando, por óbvio, um impacto jurisprudencial acerca das arbitrabilidades objetiva e subjetiva.
Não obstante a doutrina se manifestar de modo uníssono em muitas situações em que se discute se é possível ou não determinada matéria ser objeto do procedimento arbitral ou se determinado sujeito pode ser parte dele, a jurisprudência se mostra ainda variável em diversas decisões emanadas pelos Tribunais do país.
Como exemplos de decisões polêmicas versando sobre a arbitrabilidade objetiva, o TCU em 2008, no Acórdão n.º 391, decidiu que: inexistindo autorização legislativa para que determinada autarquia federal realizasse a opção de escolher a via arbitral para dirimir seu conflito estaria dispondo de interesse público, que é, por si só, indisponível e, que por isso, não poderia ter como objeto de arbitragem tal direito.
Não obstante ao julgado do TCU, o STJ no Mandado de Segurança n.º 11308/DF, decidiu de modo contrário, isto é, permitindo que sem autorização legislativa a Administração Pública pudesse optar pelo procedimento arbitral justamente porque a natureza disponível da relação contratual em discussão assim permitia a utilização da arbitragem.
Nota-se que as decisões supra comentadas versam sobre a arbitrabilidade objetiva, perfeitamente aclarada pelos direitos disponíveis ou indisponíveis envolvidos no litígio, contudo, dependendo da teoria adotada em torno do que seria direito disponível, há um reflexo direto e imediato na capacidade das partes envolvidas na arbitragem e, portanto, tema da arbitrabilidade subjetiva, impedindo que determinado sujeito seja parte no procedimento arbitral.
No dia 27/05/2015, foi publicada no Diário Oficial da União a Lei n°. 13.129/2015, a qual dispõe sobre o procedimento da Arbitragem, alterando e revogando dispositivos da Lei n°. 9.307/1996 (Lei de Arbitragem).
A Lei n°. 13.129/2015 entrou em vigor no dia 26/07/2015 e tem como objetivo: ampliar o âmbito de aplicação da arbitragem; dispor sobre a escolha dos árbitros; dispor sobre a interrupção da prescrição, pela instituição da arbitragem; dispor sobre a concessão de tutelas cautelares e de urgência nos casos de arbitragem; dispor sobre carta e sentença arbitral.
Cumpre ressaltar, que muitas das mudanças, trazidas pela nova Lei de Arbitragem, já estavam sendo adotadas na prática, seja pelo fato de se tratar de posicionamentos já seguidos pela maioria das Câmaras Arbitrais, seja por se referirem às regras já previstas, e que vieram, através da nova Lei, a ser mais bem definidas. Ou seja, a alteração da lei, positivou algumas questões, que na prática da arbitragem, já estavam sedimentadas e outras que ainda eram objeto de divergência; porém as inovações foram poucas.
Cabe destacar, a menção expressa trazida pela nova lei, sobre a possibilidade de a Administração Pública valer-se da arbitragem, nas hipóteses em que a lide envolver conflitos relativos a direitos patrimoniais disponíveis.
Há alguns anos, se tem introduzido a possibilidade de arbitragem em contratos administrativos. Como exemplos, podemos citar a Lei n.º 11.079/2004, que previu expressamente que a possibilidade de instituição de arbitragem nos contratos de parceria público-privada (art. 11, III); a Lei nº 9.472/97 (Lei Geral de Telecomunicações), a Lei 9.478/97 (Lei de Petróleo e Gás), a Lei nº 10.233/ 2001 (Lei de Transportes Aquaviários e Terrestres), a Lei nº 10.438/2002 (Lei do Setor Elétrico), a Lei nº 11.196/2005 (Lei de Incentivos Fiscais à Pesquisa e Desenvolvimento da Inovação Tecnológica), Lei nº 11.909/2009 (Lei de Transporte de Gás Natural), entre outras. Mesmo assim, estas eram previsões específicas e que encontravam ainda resistência por parte dos administrativistas mais conservadores.
Assim, a Lei n.º 13.129/2015, em comento, ao prever, de forma genérica, a possibilidade de a Administração Pública valer-se da arbitragem quando a lide versar sobre direitos disponíveis, acabou com a dúvida a respeito.
Além disso, destaca-se a alteração promovida na Lei n°. 6.404/76 (Lei das Sociedades Anônimas), permitindo que o procedimento arbitral seja previsto no próprio estatuto social, para dirimir conflitos societários, ressalvando apenas, que deverá ser observado o quórum de metade dos acionistas com direito a voto, para inserção da convenção de arbitragem no estatuto, salvo disposição em contrário prevista no próprio estatuto.
Questionamos, quais as principais vantagens da arbitragem em comparação ao processo judicial.?
 – Celeridade e Informalidade: O procedimento arbitral é mais rápido e menos formal, diminuindo o desgaste e a ansiedade gerados pela morosidade judiciária.
– Flexibilidade: As audiências podem ser marcadas em horários e locais que melhor convier às partes.
– Segurança: O procedimento arbitral obedece aos mesmos princípios de neutralidade, confiabilidade e imparcialidade do procedimento judicial.
– Especialização: Melhor qualidade da decisão, já que se pode nomear um especialista na matéria objeto do litígio como árbitro, o que evita, muitas vezes, gastos extras com perícias.
– Autonomia de vontade das partes: As partes têm maior autonomia, pois podem escolher as regras de direito material e processual a serem aplicadas no procedimento, ou a entidade especializada que ficará encarregada da administração da arbitragem.
– Sigilo: Não há, na arbitragem, a publicidade típica dos procedimentos instaurados perante o Poder Judiciário, resguardando as partes de exposição perante o público e a mídia.
– Melhor relação custo-benefício: Em virtude da rapidez na resolução do conflito, os custos indiretos decorrentes da demora e da insegurança são minimizados.
– Preservação do relacionamento entre as partes: Por ser a arbitragem uma opção feita pelas próprias partes, de comum acordo, cria-se uma atmosfera favorável à mútua cooperação.
– Menor resistência ao cumprimento da decisão: Existe maior adesão das partes à sentença arbitral, já que proferida por um árbitro de sua confiança e de acordo com um procedimento por elas escolhido.
– Pronta e fácil exequibilidade: Por ser considerada título executivo judicial, a sentença arbitral tem natureza jurídica idêntica à da decisão judicial, podendo ser imediatamente executada em caso de descumprimento, não estando sujeita a recursos ou a homologação pelo Poder Judiciário.
As principais inovações trazidas à Lei da Arbitragem em razão do CPC de 2015 foram:
  – Desnecessidade de homologação judicial da decisão arbitral, transformando o pronunciamento arbitral em verdadeira sentença (Título Executivo Judicial).
– Reconhecimento da força da cláusula compromissória para obrigar as partes à arbitragem, o que impede a frustração da instauração do procedimento arbitral em virtude da resistência unilateral de um dos contratantes.
 – Autonomia da cláusula compromissória em relação ao contrato em que estiver inserida, possibilitando a arbitragem mesmo que o contrato seja considerado nulo.
 – Maior celeridade do procedimento arbitral e maior eficácia dos resultados práticos.
Historicamente, o ordenamento jurídico pátrio deu relevante passo em direção ao acesso à justiça em 1950, com sanção da Lei 1.060, ainda hoje vigente, que estabelece as normas de concessão de assistência judiciária aos necessitados.
Com o advento da CFRB de 1988, s importantes anos subsequentes se destinaram a conferir a concretude ao novo pensamento jurídico não apenas em face do direito positivo, codificação, mas também na jurisprudência onde se privilegia a dignidade da pessoa humana.
Com a consolidação da redemocratização do Estado de Direito, novos movimentos se expressaram clamando por uma Justiça mais acessível, célere, efetiva e capaz de atender as necessidades de todos os segmentos sociais, com isso obtivemos o fortalecimento da cidadania e ampliação do acesso à justiça para auxiliar os cidadãos na concretização de seus direitos e na promoção da pacificação social.
Ainda com o objetivo de promover a pacificação social veio a arbitragem como forma especial de resolução de conflitos, sendo a técnica judicial mais utilizada fora da esfera do Judiciário e, sua tônica está em deixar o extremo formalismo da justiça comum, que na maioria das vezes, é muito complexo e exagerado.
Não é novidade a necessidade de reestruturação do sistema de administração e de gestão da justiça, para além do Judiciário, de forma a fomentar maior efetividade dos direitos, reconhecida como fator de desenvolvimento econômico e social, pois, além da celeridade, custos dos procedimentos fora da esfera judicial, geralmente, é mais reduzido.
Confirma, assim, a arbitragem a tendência  contemporânea de desjudicialziação especialmente na execução civil, como temos em França, Portugal e Espanha.
No relatório “Justiça em Números”, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) indica essa situação. No relatório de 2020, tendo por base os números de 2019, isso não se alterou: dos 77 milhões de processos pendentes, mais da metade (exatos 55,8%) refere-se à fase de execução. Ou seja, são aproximados 42 milhões de processos de natureza executiva (fundadas em título judicial – isto é, em fase de cumprimento de sentença –, ou calcadas em título executivo extrajudicial).
Além do número impressionante de processos dessa natureza, chama a atenção também o longo trâmite das execuções. Urge, portanto, minimizar o problema da crise da adequada prestação da tutela jurisdicional estatal, afinal, além de cláusula pétrea (art. 5º, LXXVIII, CF (LGL\1988\3)),a obtenção da resolução de conflitos em tempo razoável – incluindo o resultado prático da satisfatividade – é também norma fundamental do direito processual civil (conforme dispõe o art. 4º do CPC/2015 (LGL\2015\1656)).
Referências
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Notas:
[1] A cláusula compromissória é a convenção escrita através da qual as partes comprometem-se a submeter à arbitragem os litígios que possam vir a surgir, relativamente a uma relação jurídica específica. Com a estipulação da cláusula compromissória, as partes contratantes elegem a arbitragem para resolver possível litígio proveniente da relação jurídica especificada, antes do surgimento da controvérsia, afastando, desde logo, a competência do Poder Judiciário. É essencial que a cláusula compromissória determine a forma de nomeação dos árbitros. Desta forma, garante-se que a vontade das partes manifestada no contrato será observada.
[2] O compromisso arbitral é a convenção através da qual as partes submetem um litígio à arbitragem de uma ou mais pessoas, podendo ser judicial ou extrajudicial. Com o compromisso arbitral, as partes, de comum acordo, optam pelo uso da arbitragem para resolução da controvérsia após o seu surgimento, mesmo que não exista cláusula compromissória no contrato, ou que o litígio não possua relação com o mesmo. O principal objetivo do compromisso é estabelecer as condições do procedimento arbitral e dar as diretrizes para o seu desenvolvimento, até a decisão final.
[3] Pode ser Árbitro qualquer pessoa capaz (maior de 18 anos, que não tenha sido interditado judicialmente de acordo com as regras do Código Civil de 2002) que seja escolhida pelas partes em conflito, desde que não tenha, por qualquer motivo, interesse no julgamento do litígio em favor de uma delas, observados os impedimentos legais aplicados aos juízes estatais. O árbitro será indicado pelas próprias partes, sendo que, em caso de divergência quanto à sua escolha, esta função poderá ser exercida por um terceiro. Em caso de escolha de mais de um árbitro, será constituído o Tribunal Arbitral, sempre em número ímpar.
[4] Segundo Klabin (2004) o Código de Hamurabi se preocupou mais com a prática do direito do que com a administração, porém, alguns artigos tratavam dos poderes do rei. O rei, chefe da cidade, deveria fazer nela reinar a justiça e a paz. Os romanos acreditavam que o rei, interpreta a vontade divina que lhe é inspirada por meio de oráculos, presságios e sonho, e por meio do rei Deus declara a sua vontade. Os conflitos eram resolvidos com base na sentença do juiz, os únicos competentes para receber declarações sob julgamento eram os sacerdotes. Mas a justiça, era a vontade dos deuses cujas razões escapam ao entendimento dos homens, e este não devem julgá-la.
Por Gisele Leite, professora Universitária. Pedagoga e advogada. Mestre em Direito. Mestre em Filosofia. Doutora em Direito. Conselheira do INPJ. Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas. Consultora Jurídica.
Fonte: Jornal Juri – 01 de Novembro de 2022.
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XIV Encontro CONIMA

O CONIMA – Conselho Nacional das Instituições de Arbitragem e Mediação, em comemoração aos seu Jubileu de Prata, realizará o seu XIV ENCONTRO CONIMA, nos dias 17 e 18 de novembro, no Hotel Atlante Plaza, em Recife/PE.
Após 2 anos de eventos totalmente virtuais, realizaremos o XIV ENCONTRO CONIMA na forma híbrida – presencial e virtual. Com isso poderemos oportunizar o contato pessoal, estabelecer novos Networking e resgatar aqueles que não pudemos encontrar nos últimos anos.
O tema do XIV ENCONTRO CONIMA será “Um sonho, muitos ideais e grandes conquistas” No dia 17 de novembro, das 14 às 17 hs, teremos o Workshop – “Constituição de Câmaras de Arbitragem e Mediação” , com abordagem de aspectos práticos. O Workshop será apenas para os participantes presenciais e haverá preço especial para inscrições do combo: Encontro + Workshop.
Informações e inscrições, clique aqui
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Arbitragem bate recorde na pandemia e Brasil ocupa segunda posição em ranking mundial

A crise sanitária suspendeu a prestação de serviços e a entrega de insumos, o que levou muitas empresas a terem dificuldades para cumprir suas obrigações contratuais. Este cenário levou ao aumento no número de disputas e fez subir a procura pela arbitragem para a solução dos conflitos no mundo inteiro. No Brasil, foi observada alta principalmente em demandas societárias e contratuais, mas também houve crescimento nas discussões trabalhistas e de esporte.
Dados da Pesquisa Arbitragem em Números, da professora e advogada Selma Lemes, mostram que o número de arbitragens em andamento atingiu a marca recorde de 1.047 casos no ano passado, alta de 5% na comparação com 2020, quando foram contabilizados 996 processos arbitrais. Em 2019, último ano antes da pandemia, foram 967 casos. Para se ter uma ideia, nos últimos dois anos entraram 655 novos processos arbitrais nas oito câmaras analisadas pelo estudo, que juntos totalizaram R$ 55,2 bilhões só no ano passado.
Essa expansão fez o Brasil passar de terceiro para segundo no ranking mundial do uso de arbitragem em 2020, ficando atrás apenas dos Estados Unidos. O Brasil é o país mais representado na região (38%) com 150 casos (contra 133 em 2019). Na América Latina, ele foi seguido pelo México com 78 processos arbitrais (contra 51 em 2019), que ficou em 10º lugar no ranking mundial de classificação de nacionalidade. Os dados são da Corte Internacional de Arbitragem (ICC, na sigla em inglês).
“Apesar de pequenas oscilações sobre a quantidade de entradas de arbitragem nos últimos anos, os dados da última pesquisa ‘Arbitragem em Números’ refletem o aumento do número absoluto de procedimentos em andamento”, afirma o advogado Caio Lins Azuirson, do escritório Serur Advogados. “Esse cenário declara a consolidação da prática no Brasil, que tem se beneficiado de inovações jurídicas em áreas diversas, cada vez mais receptivas à sua realização, tais como a estipulação de arbitragem nos contratos com a Administração Pública Direta e Indireta (Parceria Público-Privada, Concessão em geral e de Parceria Pública de Investimento – PPI) ou do futuro aproveitamento pelas ‘Sociedades Anônimas do Futebol’ (Lei 14.193/2021).”
Principais áreas
Parte do incremento nos processos arbitrais durante a pandemia resulta das dificuldades das partes executarem os serviços ou fornecimento de produtos, conforme estipulado nos respectivos contratos. “A crise sanitária foi um evento disruptivo que desbalanceou as relações comerciais e gerou uma série de atritos no âmbito dos negócios”, avalia o advogado Pedro Batista Martins, sócio do escritório Batista Martins Advogados e um dos colaboradores da Lei de Arbitragem.
As matérias societárias lideraram o ranking em número de casos e valores, seguida de questões referentes a contratos de engenharia e energia, passando por matéria trabalhista e desportiva. Com o isolamento social determinado pelos governos na tentativa de reduzir o número de casos de Covid-19, muitas empresas foram afetadas. Trabalhadores em casa e falta de insumos criaram um círculo vicioso e as companhias não puderam prestar o seu serviço. Com isso, o cliente parou de pagar e foram necessárias revisões contratuais, um dos motivos do aumento no número de arbitragens.
“As arbitragens societárias podem ser divididas em arbitragens contratuais, em contratos de compra e venda de participação societária, e arbitragem societárias propriamente ditas (relação entre acionistas, cumprimento de acordos de acionistas, etc)”, destaca Mauricio Fabbri, sócio na área de Contencioso e Arbitragem, do escritório Cescon Barrieu.
IGP-M questionado
Um ponto que ganhou bastante destaque na pandemia foram as arbitragens questionando a aplicação do Índice Geral de Preços – Mercado (IGP-M) durante o período do meio de 2020 até início de 2021, quando o indicador se descolou de outros índices de correção monetária. “Foram muitas questões relativas à aplicação ou não deste índice das obrigações contratadas e se devia aplicar na plenitude ou se deveria mitigar o impacto”, comenta Martins. As discussões foram desde aluguéis comerciais até a indústria, que tinha várias de suas obrigações contratadas com a aplicação deste índice de correção. “Havia prática disseminada de utilização do IGP-M, mas o problema do dólar e da valorização das commodities levaram ao aumento do indicador e este pulo assustou empresas. As que não conseguiram chegar a um acordo, recorreram à arbitragem”, complementa o advogado Martins.
É importante destacar que o aumento da arbitragem foi observado no mundo inteiro. “Aqui houve um fator de incremento que foi a questão do IGP-M, mas todos os países sentiram o aumento no número de casos devido às dificuldades comerciais criadas com a pandemia”, explica Martins.
O fenômeno mundial foi comprovado pela ICC, que bateu novos recordes em 2020. A Corte Internacional de Arbitragem registrou 929 procedimentos, levando ao mais alto número de casos administrados de acordo com as regras de arbitragem da CCI (1.833), número de partes envolvidas (2.507) e número de compromissos ou confirmações de árbitros (1.520). Outros registros incluem a diversidade geográfica de árbitros (92 nacionalidades) e locais de arbitragem (65 países).
Fonte: Jota – 17/10/2022 12:21.
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