Dilemas da arbitragem no Direito Societário brasileiro no tocante ao sigilo
Por muito tempo, os conflitos societários eram levados diretamente ao Poder Judiciário, mas já há vários anos temos acompanhado o aumento dos casos que são dirimidos por arbitragem, inclusive no mercado de capitais brasileiro.
Logicamente, advogados bem preparados e experimentados sempre recomendam aos seus clientes que avaliem com muito cuidado e atenção a melhor forma para a solução de controvérsias, que precisa ser adequadamente estabelecida nos contratos e acordos (inclusive nos societários), uma vez que essa questão é muito séria e complexa, e precisa ser avaliada caso a caso. São vários aspectos a considerar.
Costumamos dizer aos clientes que tanto o Poder Judiciário quanto as Câmaras de Arbitragem podem avaliar as controvérsias, havendo prós e contras que precisam ser efetivamente estudados e negociados.
Propomos aqui, uma rápida reflexão sobre alguns aspectos do tema, em especial o sigilo e a judicialização, inclusive à luz de “novidades” legislativas e regulatórias.
Em alguns casos, o investidor não tem muita opção ou alternativa para escolher a forma de decidir potenciais conflitos futuros, pois a forma de solução de controvérsia já está previamente determinada, seja no estatuto social da empresa em questão, seja pelo próprio sistema previsto em determinados segmentos de listagem no nosso mercado de capitais; mas nos casos em que exista a opção de escolha é importante avaliar e escolher com cuidado.
A opção pela arbitragem, nos casos em que as partes efetivamente escolhem esse caminho, tem várias razões que englobam, por exemplo, a maior experiência específica dos árbitros no tocante aos temas em disputa, bem como a pretendida maior celeridade, mas a possibilidade de manterem o caso em sigilo, evitando a publicidade, também se coloca como um grande atrativo.
Com o aumento desse movimento, que ganhou muita força com a nova lei da arbitragem, verifica-se também o maior conhecimento do sistema por parte de investidores e empresários, bem como o fortalecimento de várias das câmaras de arbitragem, além de uma certa redução da quantidade de casos levados ao Judiciário (sempre sobrecarregado).
A pretendida maior rapidez com a arbitragem é fator muito importante, pois uma decisão rápida pode evitar o “travamento” da empresa, que muitas vezes nem sequer consegue sobreviver a uma grande e longa disputa societária.
O cenário, porém, não é apenas de vitórias, conquistas e celebrações para os defensores e fomentadores da arbitragem, pois a frequência com que as decisões arbitrais são judicializadas é preocupante, e caso essa prática cresça, pode vir a desprestigiar tanto a arbitragem perante o empresariado, que talvez se passe a repensar a sua utilização.
Essa prática de levar a decisão arbitral ao Poder Judiciário amplia, também, os custos e o prazo para a conclusão do caso, uma vez que “há uma certa duplicidade” de esforço, energia, e dos custos (além do tempo).
Recentemente, porém, surgiram mais dois aspectos importantes a acompanhar no tocante à arbitragem societária, que envolvem um certo dilema entre as melhores práticas de governança corporativa e o sigilo.
A Comissão de Valores Mobiliários já tinha determinado que nos casos de disputas societárias envolvendo companhias abertas, o sigilo da arbitragem passaria a ser (na prática) relativo, pois as empresas atualmente são obrigadas a divulgar a existência dessas disputas (ao menos em alguns aspectos), em nome da transparência, da necessidade de informação ao mercado, e até mesmo como prática de boa governança corporativa.
Essa nova regulamentação já tinha colocado o tema e o mercado em um grande dilema, pois, se de um lado, a boa governança de fato pressupõe transparência e informações amplas e abertas a todos os “stakeholders”, do outro, o sigilo deixa de ser possível na arbitragem — o que em muitos casos seria importante para as partes. De fato, há um grande dilema nessa questão.
Temos acompanhado a evolução e a acomodação do tema junto aos mercados, mas, recentemente, surgiu mais um ponto para “esquentar” esse debate, pois, em meados de 2023, chegou ao congresso um projeto de lei, de iniciativa do Poder Executivo, que pretende alterar temas importantes da Lei das S.A.
São várias as alterações pretendidas, e várias delas bem polêmicas e delicadas, passando pela ampliação da responsabilidade dos administradores, pela facilitação das disputas societárias em geral e em face dos controladores, aumento do possível retorno financeiro por parte de investidores que litigarem, e criando, também, a ação coletiva específica para temas societários — além de outras mudanças.
E, dentre esses pontos propostos, está, também, um reforço à publicidade das disputas societárias, reduzindo ainda mais a possibilidade de sigilo nas arbitragens.
O referido projeto está no Congresso Nacional e sem data para apreciação, mas tem gerado muitíssima movimentação no mercado, tanto por parte de empresários, investidores e administradores, quanto por parte de advogados da área societária e professores dedicados ao tema.
Uma das grandes vantagens da Lei das S.A. é, justamente, a sua estabilidade, uma vez que as alterações não têm sido muito frequentes e nem muito amplas, mantendo uma boa segurança jurídica, que tanto pedimos no Brasil. E, dessa forma, qualquer projeto de mudança na legislação agita o mercado, provocando estudos, debates, eventos, seminários e análises por parte de todos os envolvidos.
Voltando ao dilema do sigilo, registramos que a transparência, que é uma das bases da boa governança corporativa é importante, bem como o estímulo à defesa dos interesses dos investidores é positivo, mas questiona-se se a retirada do sigilo, e mesmo da atratividade da arbitragem serão benéficos aos mercados como um todo.
Maiores estudos e debates ainda ocorrerão e esperamos que o Congresso Nacional, ao avaliar a matéria, consiga decidir pelo que seja efetivamente melhor para as empresas e os mercados brasileiros. Acompanhemos!
Por Leonardo Barém Leite, sócio sênior do escritório Almeida Advogados especialista em Direito Societário e Contratos fusões e aquisições governança corporativa sustentabilidade ESG e compliance e presidente da Comissão de Direito Societário Governança Corporativa e ESG da OAB-SP/Pinheiros.
Fonte: Conjur, 5 de novembro de 2023, 11h17
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