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(A) Introdução – O processo de revisão das diretrizes da IBA relativas a conflitos de interesses em arbitragem internacional
1. No dia 23 de outubro de 2014, em Tóquio, o Conselho da IBA (International Bar Association) aprovou a mais recente versão das Diretrizes da IBA relativas a Conflitos de Interesses em Arbitragem Internacional (“Diretrizes da IBA” ou “Diretrizes”), ainda não traduzida oficialmente para o português.
2. Como se sabe, as Diretrizes da IBA são regras de caráter não cogente (referidas, em direito internacional, como soft law), mas que, ao longo dos dez anos de sua existência, ganharam destaque e aceitação entre muitos que utilizam a arbitragem como método de resolução de disputas nacionais e internacionais, tais como árbitros, partes, advogados, instituições arbitrais e também tribunais judiciais.
3. As Diretrizes buscam assegurar a imparcialidade e a independência de árbitros e dos demais sujeitos atuantes em arbitragens comerciais e de investimento, sejam eles advogados ou não. Indicação, revelação e impugnação de árbitros são alguns dos intrincados temas tratados pelas Diretrizes da IBA com o propósito de incentivar e fortalecer a segurança jurídica buscada pela arbitragem.
4. Nesse passo, as novidades trazidas pelas Diretrizes da IBA de 2014 refletem as experiências vividas em várias partes do mundo e a evolução dos assuntos relacionados à sua aplicação, que foram objeto de estudo pelo Comitê de Arbitragem da IBA desde 2012. Embora os propósitos e as abordagens das Diretrizes de 2004 não tenham sido modificados em sua essência (“If it ain’t broken, don’t fix it” foi um dos motes do processo de revisão), as novidades trazem diretivas inéditas e esclarecimentos acerca de dúvidas textuais e problemas de interpretação que têm sido discutidos no passado recente. Algumas das mais relevantes modificações serão brevemente comentadas a seguir.
(B) O período de extensão dos deveres de imparcialidade, independência e revelação dos árbitros – GS (1)
5. A Parte I das Diretrizes estabelece sete princípios gerais relativos à imparcialidade, à independência e à revelação dos árbitros e, em cada um deles, a sua fundamentação em uma breve nota explicativa. O General Standard (1) é o primeiro princípio geral que, naturalmente servindo de base para os demais, prevê que os deveres de imparcialidade, independência e revelação do árbitro se mantêm até o final do procedimento arbitral.
6. As modificações de 2014 esclarecem que esses deveres perduram até o prazo final de correções e/ou interpretações da sentença final pelos árbitros, mas não se estendem ao período em que a sentença pode ser impugnada perante os tribunais judiciais competentes. A exceção a essa regra consiste na hipótese em que a sentença arbitral retorne, por qualquer motivo, para nova decisão a ser proferida pelo tribunal arbitral. Nesse caso excepcional, a versão 2014 das Diretrizes da IBA estabelece que novas verificações de potenciais conflitos de interesses deverão ser realizadas quando a arbitragem voltar a prosseguir.
(C) A validade e a eficácia de Advance Declarations ou Advance Waivers pelas partes – GS (3)
7. O General Standard (3) é o terceiro princípio geral, também alterado pela nova versão das Diretrizes, e trata do dever do árbitro de revelar às partes quaisquer fatos ou circunstâncias que possam suscitar dúvidas quanto à sua imparcialidade ou à sua independência. Trata-se de dever contínuo durante todo o procedimento, conforme se introduziu acima, e como as Diretrizes expressamente estabelecem.
8. A nova versão das Diretrizes da IBA permanece silente quanto à validade e à eficácia de declarações antecipadas ou renúncia ao dever de revelação (os chamados advance declarations ou advance waivers) – questão que deve ser avaliada sob o prisma da lei aplicável. No entanto, as Diretrizes enfatizam expressamente que tais declarações e/ou renúncia não tornam o árbitro isento do dever contínuo de revelação. A revelação pelo árbitro deveria ocorrer, portanto, independentemente de haver uma advance declaration ou um advance waiver pelas partes.
(D) Escopo de aplicação ampliado: a independência e a imparcialidade dos secretários administrativos, secretários do tribunal e assistentes – GS (5)
9. A nova versão das Diretrizes também torna o escopo de sua aplicação mais abrangente, porquanto o General Standard (5) passou a determinar que os deveres de imparcialidade, independência e revelação não se aplicam apenas ao tribunal arbitral, mas igualmente aos secretários administrativos, aos secretários do tribunal e a eventuais assistentes dos árbitros. Cabe ao próprio tribunal arbitral, aliás, assegurar que esses deveres sejam respeitados por todos os sujeitos envolvidos no curso do procedimento.
(E) Sócios e associados de escritórios de escritórios de advocacia atuando como árbitros – GS (6)
10. As modificações incorporadas ao sexto princípio, o General Standard (6), são de especial relevância para os escritórios cujos advogados atuam como árbitros ou representantes de partes. Em que pese o tom mais restritivo ao afirmar que os árbitros devem assumir a identidade do escritório em que atuam, as Diretrizes recomendam que, na análise de existência de conflito de interesses, sejam levados em consideração diversos fatores nesse tocante, como a real relação do árbitro com o escritório, e a natureza e o escopo de suas atividades no âmbito da sociedade de advogados.
11. Desta feita, conflitos de interesses envolvendo a sociedade de advogados da qual o árbitro ou o advogado façam parte devem ser analisados conforme suas especificidades; a mera existência de relação com o escritório de advocacia não necessariamente fará nascer o conflito. Essa alteração tem como propósito conciliar, de um lado, a intenção das partes de que sócios de escritórios sejam indicados como árbitros e, de outro, a inafastável observância dos deveres de independência, imparcialidade e revelação pelos árbitros.
(F) Third-party funders e seguradoras – GS (6)
12. As pessoas físicas e jurídicas com interesse econômico direto no resultado da arbitragem são, ainda, colocadas no mesmo nível das partes para os fins de checagem de conflitos, conforme o General Standard 6(b). Trata-se do caso dos third-party funders e das seguradoras, por exemplo, cujos nomes e relações também deveriam, nos termos das Diretrizes, ser revelados para fins de análise de conflitos de interesses.
(G) Dever adicional das partes de revelar situações de potencial conflito de interesses – GS (7)
13. A nova versão das Diretrizes ainda estabelece uma atribuição adicional às partes em seu sétimo e último princípio. O General Standard (7) confere às partes – e não apenas aos árbitros – o dever de informar todos os sujeitos da arbitragem acerca de quaisquer relações relevantes entre partes, árbitros, patronos e entidades terceiras interessadas. Caberia primeiramente às partes, com efeito, alertar os demais sujeitos a respeito de um sabido e potencial conflito de interesses com relação a um ou mais árbitros.
14. Mais que isso, as notas explicativas do sétimo princípio esclarecem que tanto as partes quanto os árbitros possuem o dever contínuo de investigar e buscar informações relevantes que estejam razoavelmente acessíveis com o propósito de identificar conflitos de interesse. Trata-se de deveres paralelos e cooperativos entre partes e árbitros, portanto, e não um ônus atribuível apenas às primeiras, como poderiam acreditar alguns.
(H) As listas vermelha, laranja e verde
15. A Parte II das Diretrizes passa a abordar a aplicação prática dos princípios gerais, trazendo listas descritivas que visam ao enquadramento dos deveres dos árbitros a situações concretas. São quatro listas descritivas: a Lista Vermelha de Eventos Irrenunciáveis, a Lista Vermelha dos Eventos Renunciáveis, a Lista Laranja e a Lista Verde, que trazem, gradativamente, hipóteses e exemplos de situações que podem ou não (i) ocasionar dúvida justificável, e/ou (ii) exigir a sua revelação.
16. Apesar de não esgotarem as possibilidades que potencialmente levariam à desqualificação de um árbitro ou demais sujeitos envolvidos no procedimento, as listas descritivas harmonizam as particularidades do caso concreto com os princípios gerais, e buscam evitar que árbitros sejam impugnados ou afastados por motivos fúteis ou frívolos. Por meio de hipóteses exemplificativas – que, evidentemente, não excluem a análise particular das situações de cada caso –, as Diretrizes buscam trazer alguma concretude a um tema que é, por sua natureza, abstrato, e que pode dar margem a iniquidades no procedimento.
17. Nesse passo, a partir de evoluções verificadas nos últimos 10 (dez) anos, as adições de hipóteses às Listas estão em plena consonância com os observados (a) crescimento de escritórios de advocacia e (b) desenvolvimento do interesse econômico de grupos empresariais na arbitragem internacional.
18. A titulo exemplificativo, as hipóteses adicionadas à Lista Vermelha de Eventos Irrenunciáveis contaram com a adição de situações em que o árbitro (a) é empregado de uma das partes (item 1.1), e (b) o escritório de advocacia em que atua o árbitro aconselha regularmente uma das partes ou subsidiárias (item 1.4). Já as adições à Lista Laranja trazem a atenção, como exemplo, para situações em que o escritório de advocacia em que atua o árbitro tenha representado a parte contrária a alguma das partes do procedimento nos últimos três anos anteriores (item 3.1.4).
(I) Comentários finais: contribuições das diretrizes da IBA
19. Como se pode observar, as principais circunstâncias consideradas na elaboração versão 2014 das Diretrizes da IBA trazem em sua atualização, em especial, o visível crescimento de escritórios de advocacia e de grupos empresariais internacionais – fenômenos que têm tornado as hipóteses de conflitos de interesses e do dever de revelação ainda mais abrangentes e frequentes. Buscou o Comitê de Arbitragem, em poucas palavras, ajustar o texto das Diretrizes às mudanças dos últimos dez anos, com atenção especial à ascendente ocorrência de impugnações a árbitros nos últimos anos.
20. Na linha do que diversos colaboradores enfatizaram durante todo o trabalho de revisão, o propósito maior das Diretrizes deve ser sempre (i) proteger as sentenças arbitrais contra impugnações frívolas baseadas em violações inexistentes aos deveres de imparcialidade, independência e revelação (sem prejudicar o legítimo direito à impugnação, quando ela se mostrar devida), e (ii) promover condições equânimes para a atuação de advogados e partes em arbitragens internacionais.
21. As Diretrizes de 2014, nesse sentido, contribuem para que sejam atingidos três importantes objetivos no âmbito da arbitragem nacional e internacional de hoje: (a) que se reprimam as impugnações fúteis e frívolas; (b) que se uniformizem os padrões e critérios para revelações, objeções e impugnações mundo afora; e (c) que se evite que profissionais não capazes de cumprir deveres inerentes à função de árbitro ou secretário assumam tamanho encargo.
*Ricardo Dalmaso Marques é advogado associado da área Contenciosa do escritório Pinheiro Neto Advogados.
*Marília Muchiuti é estagiária da área Contenciosa do escritório Pinheiro Neto Advogados.
* Este artigo foi redigido meramente para fins de informação e debate, não devendo ser considerado uma opinião legal para qualquer operação ou negócio específico.
© 2015. Direitos Autorais reservados a PINHEIRO NETO ADVOGADOS
Fonte: Migalhas 02 de Janeiro de 2015.
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Em 2014, a Lei de Arbitragem de 1996, tendo chegado à sua maturidade, atingiu também sua maioridade, com sucesso reconhecido nacional e internacionalmente. Tivemos um crescente aumento da arbitragem interna. Assistimos à sua internacionalização e aumento de seu uso pelas empresas multinacionais, que, muitas vezes, passaram a escolher o Brasil como um dos lugares mais adequados para a sua realização. As instituições brasileiras estão se equipando para essa fase, enquanto surge uma nova geração de árbitros e de advogados especializados na matéria.
De um ano para o outro, as estatísticas revelam a adoção progressiva da solução dos litígios pela arbitragem e pela mediação, que entrou nos usos e costumes comerciais nos últimos anos. Passamos a ter o reconhecimento da eficiência da arbitragem brasileira, no plano internacional, pelos magistrados, advogados e juristas dos outros países.
As estatísticas obtidas em 2014 evidenciam que tivemos e teremos boas safras. De acordo com dados fornecidos pelas principais instituições arbitrais em casos brasileiros, foram iniciados mais de 310 novos casos em 2014, em contraposição aos cerca de 170 iniciados em 2008 — o que corresponde a um aumento que supera 80{090ae30b5a2de34e6896ba6ffc156d967cd5360bfbe023e73084a754d61d15a5} no número de arbitragens nesse período. O Brasil também teve desempenho expressivo na CCI, nos últimos anos, ficando em 4° lugar em 2012 e 2013, no ranking dos países com maior número de partes em arbitragens administradas por aquela instituição. Essa tendência certamente é contínua.
Cada vez mais, a arbitragem passa a ser não só um meio de solução de disputas, mas também uma ferramenta comercial para alcançar acordo entre as partes. Houve também uma maior democratização do instituto da arbitragem, que passou a abranger numerosas questões médias e até de valor relativamente reduzido, que estão sendo submetidas aos árbitros.
Uma nova geração de jovens árbitros está ingressando no mercado e assistimos a uma lenta, mas progressiva especialização na matéria e à gradual profissionalização da arbitragem. Assim, escritórios que se dedicavam exclusivamente à advocacia dos negócios comerciais e que, no passado, não cuidavam do contencioso, passaram a desenvolver departamentos especializados na conciliação, mediação e arbitragem, que deixou de ser uma atividade pontual.
No pronunciamento que fez em 14 de agosto de 2014, no evento promovido pela Associação dos Magistrados Brasileiros, um dia depois de ser eleito presidente do Supremo Tribunal Federal, o ministro Ricardo Lewandowski reconheceu a necessidade de recorrer à arbitragem, à mediação e à conciliação para resolver os litígios menores, que não devem, necessariamente, serem levados ao Judiciário, podendo ser resolvidos pela própria sociedade. O site do CNJ publicou, na ocasião, notícia com o seguinte título: “O século XXI marca a era dos direitos e do Poder Judiciário, afirma Ricardo Lewandowski”. O ministro reiterou o posicionamento em almoço que lhe foi oferecido pelo Instituto dos Advogados de São Paulo.
Do lado da advocacia, o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil de São Paulo, Marcos da Costa, afirmou, em artigo publicado em 14 de agosto de 2014, na Folha de S.Paulo, que urge reduzir o tempo da tramitação processual e buscar novas formas alternativas para reduzir a litigância pela via da conciliação, utilizando inclusive programas nos quais o advogado pode funcionar como catalisador dos acordos.
Por sua vez, o projeto de lei de reforma da arbitragem foi aprovado pela Câmara dos Deputados e já remetido ao Senado (Projeto de Lei do Senado 406/2013), com uma única emenda cuja utilidade e oportunidade estão sendo contestadas pelo presidente da comissão de juristas que o elaborou e pela doutrina em geral1.
A emenda proposta pelo relator da Comissão Especial propõe a exigência de previsão da arbitragem em edital ou ainda em contratos da administração, desde que nos termos de regulamento a ser implementado. Todavia, a referida emenda é inoportuna porque é mais restritiva do que a jurisprudência consolidada do Superior Tribunal de Justiça.
No caso Compagás versus Passarelli, o STJ reafirmou a arbitrabilidade subjetiva de entes da Administração Pública indireta, a exemplo das sociedades de economia mista, que, assim como a Compagás, podem estar sujeitas à arbitragem. Em especial, afirmou não ser necessário que a convenção de arbitragem conste de edital, podendo as partes, a posteriori, celebrar compromisso arbitral, uma vez que, na sua visão, a convenção arbitral não constitui cláusula essencial. O REsp 904.813-PR, analisado pela 3ª Turma do STJ, foi relatado pela ministra Nancy Andrighi em 20 de outubro de 2011.
A posição pró-arbitragem em relação a disputas envolvendo a Administração Pública é ilustrada em recente arbitragem, que teria sido instituída pela Petrobras contra a Agência Nacional do Petróleo (ANP), conforme noticiou o Valor Econômico, com o título “Petrobras e ANP vão à arbitragem”, em 28 de abril de 2014. No passado, fui árbitro nomeado pela ANP2, numa arbitragem CCI que ensejou um dos primeiros pronunciamentos da AGU em favor da legalidade da cláusula compromissória nos contratos administrativos. Agora, o fato de ser requerida a arbitragem, pela Petrobras, contra a Agência, revela uma nova mentalidade da Administração Pública, que muito deve ao esforço feito neste sentido sucessivamente pelos ministros José Antonio Dias Toffoli e Luís Inácio Adams, para mitigar os efeitos do que o primeiro chamou “a cultura do litígio”.
Além de dispositivo reconhecendo a arbitrabilidade de disputas envolvendo a Administração Pública direta e indireta, o Projeto de Lei do Senado 406/2013 trata também da competência dos árbitros para decidir sobre medidas cautelares, faz a distinção entre contratos de adesão e consumo, regula a arbitragem societária, dentre outros assuntos relevantes. Pode-se esperar que o projeto se transforme em lei ainda no primeiro semestre de 2015.
Quanto à evolução da jurisprudência, houve várias decisões do STJ e dos demais tribunais, examinando os conceitos de ordem pública, o pedido de homologação de sentença não fundamentada, a independência dos árbitros e outras questões. O número de impugnações de árbitros e de ações anulatórias de sentença também aumenta, mas a maioria das decisões arbitrais está sendo confirmada pelo Poder Judiciário.
No STJ, dentre as 61 decisões sobre pedidos de homologação de sentenças arbitrais estrangeiras entre 2005 e 2014, 45 sentenças arbitrais foram homologadas, 3 foram parcialmente homologadas, 7 não foram homologadas e em 6 casos houve extinção do processo por acordo ou em virtude de ilegitimidade da parte.
Em 2014, o STJ discutiu o conceito de ordem pública, como causa de não homologação de sentenças arbitrais estrangeiras. No caso Ferrocarriles versus. Supervia3, a corte homologou parcialmente sentença arbitral da CCI, no sentido de excluir condenações em dólar sujeitas à conversão em reais na data do envio, cumuladas com correção monetária. A matéria mereceu comentários do professor Roberto Rosas na Revista de Arbitragem e Mediação4.
Por um lado, a decisão em Ferrocarriles poderia parecer um tanto prejudicial à parte, que teria de iniciar uma nova arbitragem para se valer das condenações em dólar em relação às quais se aplicasse correção. Por outro, a decisão do STJ parece alinhar-se à decisão anterior no caso Thales Geosolutions versus Farco5, em que, ao homologar sentença arbitral, salientou que questões envolvendo direito constitucional, administrativo, processual, criminal, tributário, família, recuperação judicial, polícia, condições de forma de certos atos, salário, moeda e fraude poderiam suscitar indeferimento, com fulcro no conceito de ordem pública.
Uma decisão importante do STJ em 2014 foi proferida em medida cautelar relacionada ao processo de homologação de sentença arbitral estrangeira (SEC 5692/EX) no caso Newedge versus Garcia. Nesse caso, a autora6 buscou garantir, mediante pedido de tutela de urgência, a execução de sentença arbitral estrangeira proferida em seu favor, com condenação solidária dos requeridos Garcia e a empresa Fluxo-Cane. A arbitragem teve por fundamento um contrato de financiamento relativo à compra e venda de commodities, em que a Newedge atuou como corretora da Fluxo-Cane.
Paralelamente ao pedido de homologação, a Newedge requereu medida de urgência, alegando a existência de processo de liquidação da empresa Fluxo-Cane, em cortes estatais caribenhas, como também a dissipação de bens por Garcia, cidadão brasileiro, mediante a alienação de imóveis de propriedade da empresa S/A Fluxo em que participava como sócio majoritário no Brasil. Nesse sentido, requereu o arresto das ações da referida empresa de propriedade de Garcia, dos imóveis transferidos pela S/A Fluxo a uma segunda empresa cujos acionistas eram seus filhos, e o de imóveis transferidos por Garcia a seus filhos. Além do arresto, a Newedge requereu a expedição de edital de protesto judicial, a ser publicado nas praças de Recife e São Paulo, a fim de dar ciência a terceiros quanto à litigiosidade dos bens que integravam o patrimônio dos devedores.
A cautelar foi concedida pelo ministro Ari Pargendler, relator do caso. No agravo regimental contra a mesma, a Corte manteve a decisão monocrática, concedendo a tutela de urgência. Entendeu que a alienação de bens colocava em risco a solvência do devedor, a qual, associada ao processo de liquidação judicial da Fluxo-Cane no exterior, comprovava periculum in mora. Outrossim, justificava-se no caso a desconsideração da personalidade jurídica da S/A Fluxo, identificando-a com seu sócio Garcia, constatada fraude à execução. O fumus boni iuris restava comprovado mediante a sentença arbitral, que se buscava homologar e que é equiparada a título executivo judicial. Já no processo de homologação da sentença arbitral estrangeira no mesmo caso, o STJ salientou que a concisão da fundamentação da sentença arbitral não era impeditiva da sua homologação.
A decisão vem na linha do voto vencido do ministro Massami Uyeda, no caso Kanematsu, segundo o qual a ausência de motivação era autorizada expressamente pelas regras de arbitragem AAA, o que não obstava, no caso, a homologação. Em seu voto, o ministro acrescentou que o contrato do qual constava cláusula compromissória havia sido assinado pela ATS, e que a requerida ATS havia participado ativamente da arbitragem AAA. Saliente-se, todavia, que, no caso Kanematsu, o STJ não precisou decidir sobre o tema de sentenças arbitrais não fundamentadas, pois justificou o indeferimento da homologação sob a alegada ausência de assinatura da ATS no contrato que dispunha sobre arbitragem. O caso Kanematsu versus ATC, analisado na Corte Especial, foi relatado pelo ministro Francisco Falcão em 18 de abril de 2012. (STJ, SEC 885/EX)
De qualquer forma, nos dois casos citados, Newedge e Kanematsu, há uma sinalização de que, se as partes aderirem a regras de arbitragem que expressamente prevejam a não fundamentação, ou ainda dispensarem a fundamentação de forma explícita no termo de arbitragem, o deferimento da homologação se justificaria. Essa posição seria ainda mais defensável quando houver concisão da decisão, o que se distingue da ausência de fundamentação.
Ainda, no caso Newedge, a Corte ressaltou que processo instituído no exterior não induz litispendência, não tendo o condão de impedir a homologação. Nesse caso, a Newedge, requerente vitoriosa na arbitragem contra Fluxo-Cane Overseas Ltd (Ilhas Virgens Britânicas) e Garcia (cidadão brasileiro), teria desistido do feito em relação à Fluxo-Cane nos autos da liquidação judicial dessa empresa perante a Suprema Corte do Caribe Oriental.
Tal posição se alinha com outros precedentes nos quais o STJ não reconheceu a litispendência. O caso mais emblemático já decidido pela Corte é GE Medical versus Paramedics7, em que o STJ não hesitou em homologar decisões estrangeiras norte-americanas afirmando a validade da cláusula compromissória8, a despeito da existência de feito pendente perante a justiça brasileira atinente à alegação de nulidade da convenção arbitral.
Por fim, podemos também citar a decisão no caso First Brand versus Petroplus, na Apelação 0014578-23.2004.8.26.0100. O caso, analisado na 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do TJ paulista, foi relatado pelo desembargador Francisco Loureiro em 3 de abril de 2014. O TJ-SP reiterou jurisprudência do STJ, conforme o REsp 1.231.554/RJ. O caso Nuovo Pignone versus Petromec foi relatado pela ministra Nancy Andrighi em 24 de maio de 2011.
Segundo o TJ-SP, a ação anulatória não poderia ser proposta perante cortes brasileiras, por não se tratar de uma sentença doméstica, devendo-se recorrer às cortes norte-americanas, nos termos do artigo 38, VI, da Lei de Arbitragem e da Convenção de Nova Iorque sobre o Reconhecimento e Execução de Sentenças Arbitrais Estrangeiras. Essa decisão reiterou a jurisprudência do caso Renault versus CAOA, também do TJ-SP, que publicamos9.
Paralelamente, as instituições arbitrais se reorganizam e multiplicam os eventos destinados à discussão e divulgação da matéria. Em 2014, tivemos debates acerca da arbitragem em diversos eventos realizados nas principais capitais brasileiras. Também os livros e artigos nacionais sobre arbitragem se multiplicam, versando alguns sobre a teoria geral como o tratado do professor Dinamarco, e outros sobre assuntos específicos, como as recentes obras dos professores Pedro Batista Martins e Raquel Stein. Publiquei, pela Revista dos Tribunais, em 2014, uma antologia de artigos sobre arbitragem em sete volumes, abrangendo cerca de 500 artigos, que é a obra mais extensa existente no direito brasileiro sobre a matéria. Finalmente, o livro do professor Gaillard10 sobre aspectos filosóficos da arbitragem, que foi, inicialmente, escrito em francês e, depois, traduzido para o espanhol, acaba de merecer uma tradução brasileira, o que demonstra que também há o interesse dos meios universitários e profissionais pela visão teórica da matéria.
Sem dúvida, a tendência é a valorização da arbitragem, como também de outros métodos a exemplo dos dispute boards em grandes contratos de infraestrutura, da mediação e conciliação, tanto em virtude do trabalho dos tribunais liderados pelo Conselho Nacional de Justiça, como pelos meios empresariais. Cada vez mais, hoje e no futuro próximo, os advogados e os árbitros desempenharão papel crucial na aproximação das partes, atuando como catalisadores de acordos.
1 Luis Felipe Salomão, “A atualização da lei de arbitragem”, Migalhas, 19.11.2014, disponível em http://www.adambrasil.com/arquivos/4950/
Projeto de Lei do Senado nº 406/2013:
”Art. 1º …………………………………………………………….. §
1º A Administração Pública direta e indireta poderá utilizar-se da arbitragem para dirimir conflitos relativos a direitos patrimoniais disponíveis decorrentes de contratos por ela celebrados desde que previsto no edital ou nos contratos da administração, nos termos do regulamento.”
§ 2º A autoridade ou o órgão competente da Administração Pública direta para a celebração de convenção de arbitragem é a mesma para a realização de acordos ou transações”.
“Art. 2º ……………………………………………………………..
§ 3º As arbitragens que envolvem a Administração Pública serão sempre de direito e respeitarão o princípio da publicidade”.
2 O Professor Arnoldo Wald atuou como co-árbitro na disputa Newfield vs. ANP. A sentença arbitral nesse caso foi publicada na Revista de Arbitragem e Mediação, nº 39, out.-dez./2013, p. 311 e sgts.
3 STJ, SEC 2410/EX, Construcciones y Auxiliar de Ferrocarriles S.A. vs. Supervia Concessionária de Transporte Ferroviário S.A., Rel. para acórdão Min. Nancy Andrighi, DJe 19.02.2014.
4 Vide Roberto Rosas, “Sentença arbitral estrangeira. Homologação no STJ. Ofensa à ordem pública. Limites EDcl na SEC 2410”, Revista de Arbitragem e Mediação, nº 43, out.-dez./2014 [no prelo].
5 STJ, SEC 802/US, Thales Geosolutions Inc vs. Fonseca Almeida Representações e Comércio (“Farco”), Corte Especial, Rel. Min. José Delgado, j. 17.08.2005, DJ 19.09.2005. Nesse caso, a Corte entendeu que o princípio exceptio non adimpleti contractus não estava contido no conceito de ordem pública.
6 STJ, AgRg MC 17.411 S/A Fluxo Comércio e Assessoria Internacional vs. Newedge USA LLC, Rel. Min. Ari Pargendler, j. 20.08.2014.
7 STJ, SEC 854/EX, GE Medical Systems Information Technologies Inc vs. Paramedics Electromedicina Comercial Ltda., Corte Especial, Rel. Min. Uyeda (Rel. para acórdão Min. Sidnei Beneti), j. 16.10.2013. Vide também a decisão em AgRg SEC 853, GE Medical Systems Information Technologies Inc vs. Paramedics Electromedicina Comercial Ltda., Decisão monocrática Min. Castro Meira, j. 30.06.2011, em que se decidiu não suspender a homologação da sentença arbitral, a despeito de tramitar processo perante justiça brasileira discutindo validade da convenção de arbitragem.
8 Note-se que a homologação na SEC 854 foi parcial, não se aplicando à parte das sentenças judiciais norte-americanas que impunham pena criminal e imposição multa mediante anti-suit injunction pelas cortes estrangeiras.
9 Vide comentários da Professora Selma Ferreira Lemes, na Revista de Arbitragem e Mediação, nº 11, out.-dez./2006, p. 222 e sgts..
10 Emmanuel Gaillard. Teoria jurídica da arbitragem internacional. Tradução de Natália Mizrahi Lamas. São Paulo: Atlas, 2014.
Arnoldo Wald é advogado e professor catedrático de Direito Civil da Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e sócio de Wald e Associados Advogados.
Ana Gerdau de Borja é advogada associada (Wald, São Paulo), PhD e LLM pela University of Cambridge, Reino Unido.
Fonte: Revista Consultor Jurídico, 1 de janeiro de 2015, 7h09
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A partir do momento em que as partes celebram cláusula compromissória, o Poder Judiciário fica impedido de processar e julgar o mérito da questão, exceto se houver renúncia bilateral à jurisdição privada. Com esse entendimento, a 22ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul extinguiu ação que tentava considerar nulo um contrato de permissão onerosa envolvendo o uso de faixa de domínio numa rodovia gaúcha, selado entre duas concessionárias sob as regras da arbitragem.
Uma delas, prestadora de serviços de telecomunicações em cidades gaúchas, tem cabos passando às margens da rodovia BR-290. A companhia firmou contrato com a Concepa, concessionária da via, para remunerar seu uso, mas foi à Justiça alegando vício contratual.
O pedido foi aceito em primeira instância, fazendo com que o documento fosse declarado nulo e a autora pudesse usar as faixas sem pagar qualquer valor. Para a juíza Elisabete Maria Kirschke, o caso versa sobre bem de uso comum do povo — serviços de telecomunicações — e, portanto, de interesse difuso, não se restringindo a duas partes com interesses privados. Além disso, avaliou que o árbitro só poderia solucionar eventual litígio nos termos do contrato entre particulares.
A sentença diz ainda que o Supremo Tribunal Federal já assentou entendimento, em repercussão geral (Recurso Extraordinário 581.947), de que é proibida a cobrança de taxa ou qualquer contrapartida, pelo uso e ocupação do solo e do espaço aéreo em faixas de domínio de vias públicas, de equipamentos necessários à prestação de serviço público.
A Concepa recorreu ao TJ-RS, mas teve o pedido negado pelo relator do processo, desembargador Carlos Eduardo Zietlow Duro em decisão monocrática. Ele avaliou que, para a instalação de equipamentos no subsolo, o pagamento de indenização a particular só seria admitido em caso de efetivo prejuízo ao seu proprietário — o que não ocorreu no caso concreto, a seu ver.
Reviravolta
A 22ª Câmara Cível seguiu entendimento diferente, por maioria de votos. A desembargadora Marilene Bonzanini, que puxou a tese vencedora, disse que a discussão baseava-se em obrigação unicamente contratual, firmada entre duas concessionárias de serviço público, que assinaram a cláusula compromissória de livre vontade. Assim, entender de forma diversa anularia completamente a eficácia do contrato e do próprio instituto da arbitragem, que já foi declarado constitucional pelo STF.
‘‘Não bastasse isso, registro que não se está diante de cláusula compromissória ‘vazia’ ou ‘em branco’ — assim entendida aquela que se limita a afirmar que qualquer desavença decorrente do negócio jurídico será solucionada por meio de arbitragem, sem especificar o tribunal arbitral —, mas sim cláusula compromissória completa ou cheia; ou seja, aquela que contém, como elemento mínimo indispensável, a eleição do órgão convencional de solução de conflitos, no caso, a Câmara de Mediação e Arbitragem de São Paulo’’, escreveu a desembargadora.
Jomar Martins é correspondente da revista Consultor Jurídico no Rio Grande do Sul.
Fonte: Revista Consultor Jurídico, 31 de dezembro de 2014, 9h14
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O Projeto de Lei 7.108/2014 que altera a Lei de Arbitragem e a Lei das Sociedades por Ações, atualmente em fase avançada de tramitação, oferece um grande potencial para que mais controvérsias de direito do consumidor sejam solucionadas por meio de arbitragem.
As alterações propostas para a Lei de Arbitragem na área consumerista, com a nova redação do parágrafo 2º do artigo 4º e o acréscimo de um parágrafo 3º neste artigo, mantêm o enfoque sobre contratos de adesão. Além disso, certamente reconhecem a premissa de que a vulnerabilidade é uma qualidade intrínseca da figura do consumidor.
Se, quando a Lei de Arbitragem foi inicialmente promulgada, era improvável conceber a utilização deste método de solução de controvérsias no âmbito do direito do consumidor, este não é mais o caso hoje em dia. Com o passar dos anos, a arbitragem se consolidou e se popularizou no Brasil, tornando-se acessível não só para as grandes transações, mas também para negócios que envolvem valores bem mais modestos. Multiplicaram-se as câmaras arbitrais focadas na solução de controvérsias de menor valor e já vemos o surgimento de uma câmara de mediação e arbitragem pioneira que oferece arbitragem online, realizada em ambiente virtual.
Com custos fixos e mais acessíveis, procedimentos efetivamente rápidos e decisões proferidas por especialistas, a solução de controvérsias de natureza consumerista por meio de arbitragem traz consideráveis vantagens, tanto para o consumidor, quanto para o país. Exemplificativamente, permite desafogar o Poder Judiciário, atualmente sobrecarregado em todas as instâncias, inclusive no próprio Supremo Tribunal Federal, com ações que versam sobre direito do consumidor.
É importante notar que, no caso da solução de controvérsias de natureza consumerista por arbitragem, as vantagens não se limitam àquelas tipicamente vislumbradas nas grandes transações internacionais, traduzidas resumidamente na expectativa de celeridade, sigilo, expertise e neutralidade do foro. Pelo contrário, os méritos da utilização da arbitragem no âmbito do direito do consumidor vão muito além. Para elucida-los, algumas considerações devem ser feitas.
Primeiramente, cumpre lembrar que o fornecedor de produtos ou serviços possui mais informações sobre os seus produtos ou serviços e aqueles do seu concorrente do que o consumidor. De fato, o fornecedor conhece os pontos fortes e os pontos fracos dos produtos e serviços que ele e a concorrência oferecem.
Em segundo lugar, é necessário ter em mente que a decisão de prever a solução de controvérsias por arbitragem é essencialmente estratégica e de certa forma intuitiva, uma vez que, quando as partes inserem uma cláusula compromissória no seu contrato, elas ainda não conhecem detalhadamente a natureza específica do eventual conflito que poderá surgir futuramente.
Em terceiro lugar, não se pode esquecer que, em princípio, a parte que sofre qualquer espécie de lesão realiza um cálculo da relação custo-benefício antes de propor uma ação. Sendo assim, a parte lesada somente processa a outra parte se a possibilidade e a probabilidade de vitória forem superiores aos custos envolvidos, incluindo honorários advocatícios, custas processuais e tempo.
Por fim, há que se ter em mente que, ao optar por fornecer um serviço ou um produto defeituoso ou de má qualidade, o fornecedor leva em conta o custo jurídico deste modo de agir. Em razão da morosidade do Poder Judiciário, é possível diluir este custo no tempo, diminuindo o seu impacto. Basta ver os rankings de reclamações de consumidores para se notar que, entra ano e sai ano, a lista e o perfil de maus fornecedores renitentes não mudam substancialmente. Isto, porque quem paga à vista a conta do descaso do mau fornecedor é, em última análise, o consumidor prejudicado.
Feitas estas considerações, é possível concluir que a utilização da arbitragem para solucionar controvérsias consumeristas fomentará vantagens adicionais.
Como o procedimento arbitral é muito mais célere do que a justiça comum e não está sujeito a uma infinidade de recursos, a condenação do mau fornecedor ocorrerá muito mais rapidamente. O mau fornecedor que optar pela arbitragem não poderá operar com a mentalidade de atuar de forma defeituosa hoje e somente pagar o preço da sua má atuação daqui a muitos anos. Por conseguinte, a escolha da arbitragem promoverá, a título de precaução e prevenção, um verdadeiro incentivo para o aprimoramento dos fornecedores de serviços e produtos e para o aperfeiçoamento das boas práticas comerciais.
Com este aprimoramento, naturalmente haverá uma segunda vantagem: diminuirão as controvérsias entre consumidores insatisfeitos e fornecedores.
Some-se também mais um benefício que parece ter passado despercebido, embora constitua uma efetiva vantagem a ser usufruída tanto pelo consumidor, quanto pelo fornecedor: a inclusão de uma cláusula compromissória adequada para a solução de controvérsias por arbitragem funcionará como um diferencial do produto ou serviço oferecido, representando um verdadeiro indicador de empreendedorismo virtuoso.
Com efeito, tanto na arbitragem, quanto na justiça estatal, o fornecedor pode ser compelido a indenizar o consumidor, pagar multas e cumprir a obrigação contratada por força de tutela específica ou de outra providência que assegure o resultado prático equivalente ao do adimplemento. Porém, a cláusula compromissória indica de antemão um inequívoco desejo do fornecedor de cumprir as suas obrigações e mesmo de indenizar o consumidor na hipótese de defeito.
Em outras palavras, ao adotar a arbitragem para a solução de controvérsias, o fornecedor de boa qualidade demonstra para o consumidor que está vendendo um produto ou serviço de qualidade superior ao do seu concorrente que opta pela justiça estatal. Afinal, a condenação célere em um processo arbitral seria mais custosa se fosse um mau fornecedor, já que teria de desembolsar no presente o preço de uma atuação temerária. Por este motivo, o mau fornecedor de produtos ou serviços terá diante de si uma efetiva penalidade. A alternativa para a sua subsistência no livre mercado será necessariamente aperfeiçoar-se, abraçando uma cultura de virtude mercantil e empreendedorismo saudável.
Desta forma, o consumidor que se deparar com dois produtos ou serviços aparentemente similares terá um elemento a mais para compará-los e tomar uma decisão informada. A inclusão de uma cláusula compromissória apropriada no contrato entre o fornecedor e o consumidor terá o efeito prático de funcionar, por assim dizer, como um termo de garantia adicional, um atestado de boa fé para o consumidor, que se verá sujeito a menos contratempos em caso de defeito no produto ou serviço.
Evidentemente, a possibilidade de escolher os termos da arbitragem constitui uma das vantagens fundamentais da cláusula compromissória. É precisamente esta capacidade que diferencia a arbitragem do contencioso estatal, em que as partes ficam adstritas às normas de processo civil e a um sistema judiciário que, pelo menos neste momento, não dispõe de meios para simplificar e agilizar a resolução de conflitos.
Por este motivo, para que o consumidor e o bom fornecedor possam usufruir o benefício decorrente do uso da arbitragem, é imprescindível que a cláusula compromissória reflita este caráter de termo de garantia adicional. Ao invés de meramente reciclar alguma cláusula antiga, o redator do contrato de adesão deverá dedicar especial atenção à cláusula compromissória.
Alguns elementos que indicariam na cláusula compromissória que a escolha da arbitragem representa um benefício para o consumidor são bastante simples. Por exemplo, a previsão de que o não cumprimento voluntário da sentença arbitral acarreta uma penalidade para a parte condenada. Também, a possibilidade de, em determinadas hipóteses, os custos de instauração do processo arbitral serem inicialmente adiantados pelo fornecedor. Ainda, um ato de efetiva demonstração de autoconfiança do bom fornecedor seria permitir, em casos extraordinários ou de patente má fé, a condenação em danos punitivos ou exemplares que levem em conta a necessidade de produzir o efeito pedagógico de evitar reincidência e sejam razoáveis para tanto, o que pode ser estruturado de várias maneiras, inclusive prevendo que a arbitragem seja de direito, evidentemente com a aplicação do Código de Defesa do Consumidor, mas que os árbitros possam julgar por equidade determinados aspectos da conduta do fornecedor. Por fim, a cláusula compromissória não deve prever a obrigatoriedade de condução do processo em sigilo, a menos que assim seja escolhido pelo consumidor na solicitação de início do processo arbitral para se proteger de exposição indevida.
Em resumo, a arbitragem de casos de direito do consumidor, se bem utilizada, representa uma oportunidade adicional de empreendedorismo e lucratividade para os bons fornecedores. Estes poderão agregar aos seus produtos e serviços maior credibilidade e um diferencial de peso com relação aos seus concorrentes, promovendo o aperfeiçoamento do mercado e um aprimoramento significativo da qualidade do que é ofertado aos consumidores e dos meios para que estes possam fazer valer os seus direitos com um mínimo de transtornos.
Por Geraldo Luiz dos Santos Lima Filho – advogado e arbitro, formado pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, mestre em direito comercial e societário pela London School of Economics.
Fonte: Revista Consultor Jurídico, 12 de dezembro de 2014, 7h08
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A Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público aprovou, na última quarta-feira (12), o Projeto de Lei (PL 5935/05), do ex-deputado Carlos Souza (PP-AM), que fixa a arbitragem como o único meio privado admitido na resolução de disputas.
O texto altera a Lei 11079/04, que regulamenta a licitação e contratação de parceria público-privada.
A proposta ainda obriga a adoção dos procedimentos de arbitragem prescritos por instituição arbitral ou entidade especializada, com o objetivo de facilitar a participação de empresas estrangeiras nas parcerias público privadas (PPP).
Arbitragem
A arbitragem, regulada pela Lei 9307/96, consiste em modalidade extrajudicial de resolução de conflito, na qual um árbitro é escolhido pelas partes. A decisão do árbitro tem a mesma força de sentença judicial.
O relator, deputado André Figueiredo (PDT-CE), foi favorável à aprovação e apresentou alterações no texto com objetivo de aperfeiçoar a técnica legislativa.
O deputado acredita que, mesmo mantendo a legislação atual sobre o tema, o projeto incentiva a prática segura da arbitragem. “Ao adotar os procedimentos de instituições arbitrais reconhecidas, as pessoas passam a ter maior segurança jurídica na negociação de uma controvérsia, evitando manipulações ou má-fé.”
Tramitação
O projeto tramita em caráter conclusivo e será analisado ainda pelas comissões de Finanças e Tributação; e de Constituição e Justiça e de Cidadania.
Fonte: Âmbito Jurídico
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A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) parabenizou a corregedora nacional de Justiça ministra Nancy Andrighi pelo estabelecimento da meta que visa implementar varas de mediação e arbitragem em todas as capitais brasileiras ao longo de 2015. Em documento entregue na manhã de hoje, após sessão do Conselho Nacional de Justiça, os advogados ofereceram auxílio para ajudarem a concretizar a iniciativa, que consideraram “visionária, corajosa e vanguardista”. Os advogados acreditam que a meta será lembrada como um dos mais relevantes catalizadores da interiorização das práticas de resolução extrajudicial de conflitos para o Brasil.
A iniciativa de homenagear a corregedora foi capitaneada pela Comissão Especial de Mediação, Conciliação e Arbitragem do Conselho Federal (CEMCA) e pelo Colégio de Presidentes das Comissões de Mediação e Arbitragem das Seccionais da OAB e Entidades Nacionais (COPREMA). Para os advogados que integram os dois órgãos, a criação de varas de mediação e arbitragem vai assegurar maior especialização dos magistrados e servidores e, ainda, fomentará a melhoria das práticas extrajudiciais de solução de conflitos.
“A meta é construtiva não apenas para o Judiciário e para a Sociedade, mas também para advocacia, que ganha com possibilidade de oferecer aos seus clientes, com segurança, meios de solucionar conflitos”, assinala o documento. O texto é assinado pelo presidente da CEMCA Aldemar de Miranda Motta Júnior, pelo vice-presidente Daniel Fábio Jacob Nogueira, o secretário Francisco Maia Neto. Também assinam os presidentes da comissão de Arbitragem da OAB nos estados: Joaquim Tavares de Paiva Muniz (RJ), João Paulo Moreschi (MT), Asdrúbal Júnior (DF), Carla Sahium Traboulsi (GO), Carlos Eduardo de Vasconcelos (PE), Rodrigo Magalhães Fonseca (BA), Sílvia Rodrigues (SP) e Ricardo Dornelles (RS), além dos advogados Eduardo Vieira, Rafael Machado e Samantha Pelajo.
Fonte: CNJ – 02/12/2014 – 17h28
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No dia 27 de novembro de 2014, foi apresentado o relatório do Senador Vital do Rêgo ao projeto do Novo Código de Processo Civil – NCPC, que será votado nos próximos dias. Com grande preocupação, verificamos que o relatório propõe o retorno da alegação da existência de convenção de arbitragem a uma simples preliminar de contestação, tal como já ocorre atualmente e era previsto na versão original do NCPC aprovada pelo Senado Federal.
O projeto do NCPC, na versão aprovada na Câmara dos Deputados, continha sensíveis avanços na disciplina da matéria.
Nesse sentido, em vez de alegar-se a existência de convenção de arbitragem em matéria preliminar de contestação, vendo-se a parte obrigada a adiantar, com isso, o próprio mérito de sua defesa (em atenção ao princípio da eventualidade), a versão aprovada na Câmara propunha disciplina diversa e moderna.
Com efeito, a versão da Câmara criava momento procedimental específico para a apreciação de existência de convenção de arbitragem. A existência de convenção de arbitragem deveria ser deduzida em petição autônoma, na audiência de conciliação, ou, caso essa não viesse a ocorrer, no momento em que o réu manifestasse desinteresse em sua realização, ou, ainda, no prazo da contestação, caso a audiência não tenha sido designada por outra razão.
Em todas essas hipóteses, essa petição teria o efeito de interromper o prazo para contestar (desde que instruída com a convenção de arbitragem), que voltaria a correr, por inteiro, somente após a intimação da decisão rejeitasse a alegação de convenção de arbitragem (evidentemente, pois, em caso de acolhimento, não haveria que se falar sequer em momento para contestar, com a extinção do processo sem resolução de mérito).2
Deste modo, evitar-se-ia que o réu fosse forçado a adiantar o mérito da matéria que pretendesse ver deduzida no juízo arbitral (meritum causae). O réu deveria apenas formular a petição autônoma, instruindo-a obrigatoriamente com o instrumento da convenção de arbitragem (sob pena de rejeição liminar, podendo, inclusive, vir a ser considerado revel, em caso de descumprimento dessa exigência), tecendo as razões que entendesse pertinentes, repita-se, apenas e tão somente com relação à competência do juízo arbitral, sem a necessidade de adentrar o mérito. O juiz, então, ouviria a parte contrária apenas quanto à alegação de convenção de arbitragem, decidindo a questão.3
Com todas as vênias, não convence a justificativa apresentada no relatório do Senador Vital do Rêgo para afastar a disciplina inovadora proposta pela Câmara, segundo a qual “[n]ão se justifica a apresentação de petição avulsa, com evidente atraso para o processo, quando tais questões cabem como preliminar de contestação”. É que – a fim de preservar a escolha das partes pela via arbitral na convenção – tal matéria deve ser apreciada com prioridade, evitando-se que o Poder Judiciário se imiscua em questões de competência dos árbitros. Além disso, estando a cognição, neste incidente próprio criado na versão da Câmara, limitada à existência da convenção de arbitragem, é de se esperar uma rápida decisão sobre o tema, sem prejudicar a razoável duração do processo.
Não por acaso, o próprio projeto do NCPC, mesmo na versão proposta no relatório do Senador Vital do Rêgo, continua a estabelecer, como uma das poucas hipóteses em que ainda será admitida a interposição imediata de agravo de instrumento, a rejeição da alegação de convenção de arbitragem (art. 1.012, III, na versão do relatório).4 Em outras palavras, o projeto continua a reconhecer que a existência de convenção de arbitragem deve ser apreciada – em 2ª instância – com prioridade sobre as demais matérias próprias de decisão interlocutória, sendo lógico que se assegure tal prioridade também em primeiro grau.
Enfim, embora seja elogiável a preocupação do relatório do Senador Vital do Rêgo em assegurar celeridade processual, com o que concordamos, a matéria atinente à existência de convenção de arbitragem é peculiar, por lidar com instituto que, pouco a pouco, vem se afirmando e se consolidando no Brasil, que é a própria arbitragem.
Trata-se de exceção que foge à regra e deve receber, como não poderia deixar de ser, tratamento de exceção.
______________
1 Sobre o tema, cfr. Francisco José CAHALI e Thiago RODOVALHO. A arbitragem no novo CPC – primeiras impressões, in Alexandre FREIRE et allii (orgs.). Novas tendências do processo civil – estudos sobre o projeto do novo código de processo civil, v. 2, Salvador: JusPodivm, 2014, pp. 583/604.
2 Nesse sentido, na versão do NCPC aprovada na Câmara dos Deputados:
“Art. 348. Acolhida a alegação de convenção de arbitragem, ou reconhecida pelo juízo arbitral a sua própria competência, o processo será extinto sem resolução de mérito.
[…]
Art. 495. O órgão jurisdicional não resolverá o mérito quando:
[…]
VII – acolher a alegação de existência de convenção de arbitragem”.
3 A esse respeito, cfr. o Capítulo VIII – Da Alegação de Convenção de Arbitragem na versão do NCPC aprovada na Câmara dos Deputados:
“Art. 345. A alegação de existência de convenção de arbitragem deverá ser formulada, em petição autônoma, na audiência de conciliação.
§ 1.º A alegação deve estar acompanhada do instrumento da convenção de arbitragem, sob pena de rejeição liminar.
§ 2.º O autor será intimado para manifestar-se imediatamente sobre a alegação. Se houver necessidade, a requerimento do autor, o juiz poderá conceder prazo de até quinze dias para essa manifestação.
§ 3.º A alegação de incompetência do juízo, se houver, deverá ser formulada na mesma petição a que se refere o caput deste artigo, que poderá ser apresentada no juízo de domicílio do réu, observado o disposto no art. 341.
§ 4.º Após a manifestação do autor, o juiz decidirá a alegação. Intimadas as partes da decisão que a rejeita, o prazo da contestação começará a fluir.
§ 5.º Se, antes da audiência de conciliação, o réu manifestar desinteresse na composição consensual, terá de, na mesma oportunidade, formular a alegação de convenção de arbitragem, nos termos deste artigo.
Art. 346. Não tendo sido designada audiência de conciliação, a alegação da existência de convenção de arbitragem deverá ser formulada, em petição autônoma, no prazo da contestação.
§ 1.º A alegação deve estar acompanhada do instrumento da convenção de arbitragem, sob pena de ser rejeitada liminarmente e o réu ser considerado revel.
§ 2.º A alegação de incompetência do juízo, se houver, deverá ser apresentada na mesma petição a que se refere o caput deste artigo, que poderá ser apresentada no juízo de domicílio do réu, observado o disposto art. 341.
§ 3.º Após a manifestação do autor, o juiz decidirá a alegação. Intimadas as partes da decisão que a rejeita, o prazo da contestação recomeçará por inteiro”.
4 Nesse sentido, na versão do NCPC proposta no relatório do Senador Vital do Rêgo:
“Art. 1.012. Cabe agravo de instrumento contra as decisões interlocutórias que versarem sobre:
[…]
III – rejeição da alegação de convenção de arbitragem;”.
______________
Por Andre Vasconcelos Roque e Thiago Rodovalho são membros do subgrupo de Arbitragem do CEAPRO – Centro de Estudos Avançados em Processo.
Fonte: Migalhas – Quarta-feira, 3 de dezembro de 2014
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