Iniciando Mediação e Conciliação

Art. 1º. – Serão apresentadas noções Básicas de Mediação e Conciliação, ministrado pela CONCILIAREM CERTUS CENTRO DE ENSINO E MEDIACÕES LTDA, e será ministrado conforme normas vigentes.

Art. 2° – 0 ouvinte deverá efetuar a inscrição no prazo previamente estabelecido para a turma, mediante orientações deste link e organizações do ENBRACI.

Art. 3° – A Exposição será ministrada por instrutor devidamente habilitado pelo CNJ.

Art. 4º. – Local de acordo com a divulgação, podendo ser alterado o local mediante aviso prévio.

Mediação e Direito Fraterno

O presente artigo tem como objetivo o estudo da Mediação e Direito Fraterno como o elemento que possibilita a realização adequada aos conflitos. Desta forma, o Direito Fraterno visto como aquele que abandona o conflito dotado de características negativas, resguardando os Direitos Humanos, perante uma sociedade como a brasileira respaldada por ser decisivamente pautada no embate, “no querer combater”. O tema apresenta uma nova alternativa, como a Lei de Mediação para a solução e negociação dos litígios, salientando as consequências positivas dessa nova alternativa a resolução quanto ao tratamento de conflitos sociais, bem como os aspectos positivos aos benefícios gerados com a solução pacífica e harmônica das lides.
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Inicialmente, ao se debruçar sobre o capítulo, deve-se compreender que a proposta fraterna é o alicerce teórico da mediação e das demais formas alternativas de resolução de conflitos sociais, pois
[…] insere uma cota de complexidade no primado do justo sobre o bom, procurando “alimentar de paixões quentes o clima rígido das relações”. Sem esquecer que a ela está necessariamente atrelada a ideia de amizade, na medida em que prevê a “comunhão de destinos derivada do nascimento e independente das diferenças”. (GHISlENI; SPENGLER, 2011, p.24)
Ab initio, o tema que se propõe procura compreender as divergências de um tempo efêmero, caracterizado pela necessidade de se apresentar uma nova opção para a solução dos conflitos a partir de uma ótica não beligerante. De tal modo, percorre-se a necessidade de um direito inserido na complexidade da modernidade. (HORITA, 2015, p.346). Fonseca e Rangel (2017) afirmam que o sistema processual brasileiro, culturalmente, fundamenta-se na cultura adversarial,
[…] na necessidade de promoção da ideologia ganhador-perdedor. Assim, os limites do processo são delineados, na prática, como um campo de enfrentamento entre os envolvidos, buscando-se, a todo momento, a descaracterização do outro. Neste passo, o processo tradicional se torna um instrumento de desgaste, sobretudo no que toca à seara emocional, quando há relações continuadas entre os envolvidos. Denota-se, em um primeiro momento, que o processo, da forma como adotado no ordenamento jurídico, é mecanismo de insatisfação, porquanto o pronunciamento emanado pelo terceiro imparcial, Estado-juiz, é incapaz de abarcar a realidade peculiar de cada situação posta à apreciação. Diante de tal cenário, impõe-se uma nova perspectiva processual, qual seja: a adoção do diálogo e da mediação como instrumentos capazes de conduzir, de maneira amadurecida e empoderada, os envolvidos no conflito. (FONSECA; RANGEL, 2017, s.p.)
Destaca-se, aqui, que a função da mediação baseia na construção de um ambiente harmônico e de resgate de uma relação que se apresenta frágil na atual sociedade, pelo motivo de na maioria dos casos possuir inexistência do diálogo, da escuta e do olhar atento para o outro, ou para aquele que está no outro pólo da relação conflituosa. Assim, a escuta atenta e o diálogo deve ser tida como efetiva para a manutenção do vínculo entre os sujeitos, de modo a desempenhar a autonomia das relações (SOUZA; HERINGER, 2015, p.4). Logo,
[…] somente as pessoas que se sentem verdadeiramente escutadas estarão dispostas a escutar. “Escute” a comunicação não verbal. Observe o movimento corporal do outro. Quem não compreende um olhar também não compreenderá uma longa explicação. Tenha claro que escutar ativamente não é apenas ouvir. É identificar-se, compassivamente, sem julgamentos. É ter em conta o drama do ser humano que está ali com você, e suas legítimas contradições. Escutar, portanto, é, antes de tudo, atitude de reconhecimento; essa necessidade básica de todos nós nas relações interpessoais. Precisamos estar conscientes que é a partir da escuta que se estabelece uma circularidade coevolucionária na comunicação humana (VASCONCELOS, 2008, p. 66).
A capacidade de transformar o diálogo possível é uma das qualidades próprias do mediador, ou seja, no exercício de sua função de condutor entre os sujeitos das relações numa situação de conflito. Contudo, conforme Souza e Heringer (2015, p. 5) resgatar uma cultura do diálogo, uma cultura de humanização do cuidado com o outro, e não somente “com o meu eu, é, também, uma das percepções necessárias para que se reatem as comunicações e que se crie uma nova relação entre os sujeitos, norteada pela fraternidade”.
Sibele Cárdias (s.d., p.1) profere que levando em consideração que o ser humano distingue-se das outras espécies, enquanto um ser racional, pela capacidade de pensamento e pela capacidade de comunicar-se por meio da linguagem e elevando sua ação a níveis mais conscientes que lhe permite estruturar-se simbolicamente e conferir significação a suas ações, pode-se afirmar que o homem se constitui na linguagem e, de certo modo, a linguagem constitui-se então na morada do ser, não obstante,
[…] o homem faz-se pela linguagem, edifica-se enquanto se comunica e fala. Para compreender o mundo, interagir com os demais seres, o ser humano coloca-se em atitude linguística, ou seja, aquela atitude que o conduz a um entendimento, a uma reflexão, mediado pelos atos da fala. Tudo o que se conhece no mundo são significados produzidos pela cultura, que nos é repassada nas interações linguísticas, sejam elas escritas ou faladas. (CÁRDIAS, s.d., p.1-2)
Dessa maneira, a linguagem só existe no diálogo, no intercâmbio vivo daqueles que falam uns como os outros, na abertura e no encontro com o outro. O diálogo, segundo a autora, permite a experiência de aproximação com o outro. Quando se entra em situação de diálogo cria-se uma comunhão, criam-se novos encontros humanos onde prevalece a espontaneidade das perguntas e respostas e o ser humano deixa-se ser e dizer para o outro, enfim revela-se, permitindo a mediação através da linguagem, do diálogo. Em contrapartida, quando há ausência de diálogo, revela-se o autoritarismo nas relações, o que implica em relações verticais seja no âmbito jurídico ou no âmbito relacional. (CÁRDIAS, s.d., p.2)
Feitas as apreciações acerca do diálogo, pontua-se que este perfaz componente efetivo de toda a sociedade que tenha por objetivo levar as pessoas a praticas mais reflexivas e de modo libertador. Pois, segundo Sibele Cárdias (s.d., p.7), a sociedade tem aumentado sua capacidade de manejo e criação instrumental e tecnológica, mas o homem, em contrapartida, vem perdendo a disponibilidade de relacionar-se com os outros e de conviver de forma solidária, predominando o egoísmo nas relações humanas. Resumindo, estas relações baseadas no diálogo parecem ser uma saída, um caminho para a sociedade efetivar vínculos mais fraternos entre os seres humanos, que os possibilitem perpetrar ações mais conscientes e voltadas para o bem coletivo. Afinal,
[…] é urgente se recuperar o sentido humano do diálogo, como práxis social, como condição para que o sujeito se revele, colocando-se no lugar do outro desencadeando todos os laços que o dignificam como capacidade de escuta, de doação, de crítica e de conflito no respeito e reconhecimento das potencialidades dos outros. (CÁRDIAS, s.d., p.7)
Evidencia-se que o mediador não atua diretamente no conflito, mas sim alcançando o consenso entre as partes e de forma plenamente consciente de seus direitos, devendo, para tanto, preponderar pela cultura do diálogo, mecanismo que permite que as partes envolvidas no conflito exponham as causas determinantes de seu surgimento, e a partir do empoderamento dos envolvidos, sobretudo na condição de influenciadores do agravamento do conflito, possam, como dito alhures, alcançar o consenso. (ANTUNES NETO; RANGEL, 2016, s.p.)
Antunes Neto e Rangel (2016, s.p.) defendem que o conflito é entendido como algo dotado de aspecto negativo, desagregador e, para o Direito, o conflito é capaz de desestabilizar a ordem e a paz social. Neste sentido, de acordo com a tradição, o modelo processual brasileiro se baseou na cultura adversarial e na ideologia ganhador-perdedor, conferindo protagonismo e destaque para o Poder Judiciário e a figura do juiz, na condição de monopolizador de dizer o Direito, interpretar as leis e explicitar aquele que possui, ou não, o direito reivindicado.
Ao considerar o sistema adversarial processual, há uma ideologia consolidada em que os limites das páginas do caderno processual são transformados em verdadeiros campos de batalha, importando apenas o triunfo de uma parte em relação à outra, ou seja, a cultura ganhador-perdedor. Já a mediação, em outro aspecto, se apresenta como prática emancipadora, empoderadora e de corresponsabilização dos envolvidos nos conflitos, ofertando protagonismo aos mediandos, sobretudo na capacidade de gerir os conflitos em que estão inseridos, logo, o consenso, a partir da cultura do diálogo, seria fruto dos interesses dos envolvidos. (ANTUNES NETO; RANGEL, 2016, s.p.)
Sabe-se que em 2016, entrou em vigor o Novo Código de Processo Civil, sendo exaltado por trazer um novo paradigma processual, ultrapassando, conforme os mais entusiastas, a cultura adversarial e fixando o marco colaborativo da cultura do diálogo como “pedra de sustentação”. Neste seguimento,
[…] a codificação processual civil vai, de maneira robusta, instituir a mediação como um prática a ser valorizada no interior forense, sob o argumento, dentre outras ponderações, que tal mecanismo de administração de conflito será capaz de proporcionar uma redução drástica nos processos em tramitação, transformando a cultura da sentença em cultura de pacificação na sociedade, no qual obtém soluções rápidas das disputas, economia de tempo, redução de custos diretos e indiretos na resolução dos conflitos, no desgaste de relacionamentos e diminuição de incertezas quanto aos resultados. (ANTUNES NETO; RANGEL, 2016, s.p.)
Nesse contexto, ao se inclinar sobre a temática, almeja-se cooperar com as discussões acadêmicas sobre o assunto, tendo como ponto inicial os fatores da atual sociedade que clama por um direito mais fraterno e solidário, para que, assim, seja percebido o cumprimento dos direitos fundamentais entabulados na Constituição Federal de 1988, assim como, restaurar as relações para que não sejam rompidas e garantir uma vida digna ao cidadão.
1. DA DELIMITAÇÃO DO DIREITO FRATERNO: UMA PERSPECIVA DE ELÍGIO RESTA
Cumpre observar, que a fraternidade é o princípio com maior dificuldade de ser concretizado, pois diversas vezes ganha uma conotação religiosa e assistencialista e, dificilmente é observada como categoria jurídica. Logo, percebe-se uma natural complexidade para análise do tema numa perspectiva jurídica. (LOPES, 2011, p. 102 apud HORITA, 2015, p. 353). Para Maia (2014), o Direito Fraterno surge com a urgente necessidade dos indivíduos serem amigos, irmãos, fraternos, ou pelo menos, no mínimo de exercício de humanidade conferidas as relações interpessoais, que, provavelmente culminará com um direito mais justo, conformado em um cenário ético, colocando-se no lugar do outro, ou seja, trabalhando com a empatia antes de julgar e sentenciar. Por fim, cumprir o que está posto nas Constituições e confirmado nas Convenções Internacionais. Não obstante,
[…] a verdade é que se faz necessária uma reavaliação sobre o conceito de soberania do Estado, onde não se possa permitir nem inserir o abuso do Poder Estatal em detrimento dos princípios da dignidade, liberdade e igualdade do ser humano global, presentes, no Brasil, não só na Constituição Federal, mas também na legislação pátria dos outros Países, bem como nos pactos e convenções internacionais. (MAIA, 2014, s.p.)
Costa (2015) diz que o jurista italiano Eligio Resta defende a proposta do Direito Fraterno, não autoritário e com base em uma ideia de amizade. Para ele, a fraternidade não ocupa a mesma posição conferida aos outros ideais da Revolução Francesa, mas se apresenta de forma anacrônica, uma vez que os ideais de igualdade e de liberdade acabaram por ofuscá-la, deixando-a inédita e não resolvida até os dias atuais. Em tempos passados, a fraternidade estaria restrita a um “dispositivo de vaga solidariedade entre as nações”. (COSTA, 2015, p.29)
Entretanto, o Direito Fraterno apontaria para uma necessidade universalista de respeito aos direitos humanos. Tal necessidade poderia configurar uma oportunidade de dar novos tipos de tratamento aos conflitos, partindo-se de propostas diferentes daquelas anteriormente estabelecidas pelo sistema estatal das “pertenças fechadas, governadas por um mecanismo ambíguo que inclui os cidadãos, excluindo todos os outros”. Assim sendo, o Direito Fraterno defendido por Eligio Resta é visto como uma “proposta frágil, que aposta sem impor, que arrisca cada desilusão”. Todavia, não se pode olvidar que se trata de uma mudança de paradigmas no ramo do direito. (COSTA, 2015, p. 29). Segundo Ghisleni e Spengler (2011), ao citar Elígio Resta dizem que o autor defende que
[…] o direito fraterno se sustenta através dos direitos humanos, que se estabeleceram ao longo de toda a história da humanidade e possuem caráter de universalidade, já que são aplicados a todos os cidadãos. Os direitos humanos resultaram, por conseguinte, de vários processos históricos e que ainda hoje sofrem alterações em razão da globalização mundial. Resta assevera que o Direito Fraterno “coincide com o espaço de reflexão ligado ao tema dos Direitos Humanos, com uma consciência a mais: a de que a humanidade é apenas um lugar ‘comum’, somente em cujo interior pode-se pensar o reconhecimento e a tutela”. (GHISLENI; SPENGLER, 2011, p.25)
Ainda para as autoras supramencionadas, ao discutir sobre os direitos humanos, Elígio Resta assegura que
[…] ao mesmo tempo em que eles somente podem ser ameaçados pela própria humanidade, é graças a esta que entram em vigor; e o direito fraterno pode ser a forma mediante a qual pode crescer um processo de auto responsabilização, desde que o reconhecimento do compartilhamento se libere da rivalidade destrutiva típica do modelo dos irmãos inimigos. (GHISLENI; SPENGLER, 2011, p.25)
Os direitos humanos podem ser marcados como o direito intrínseco a todo e qualquer indivíduo, visando à proteção e o resguardo da integridade dos cidadãos. O curioso é que os direitos humanos vêm adquirindo cada vez mais solidez com o crescimento da humanidade, possuindo caráter internacional diante da criação de normas de proteção da pessoa humana (GHISLENI; SPENGLER, 2011, p.25-26).  A proposta fraterna imposta por Eligio Resta encontra amparo na amizade, que, por outro lado, é contrariada pelas guerras, violência, inimizade e inveja. (GHISLENI; SPENGLER, 2011, p.26). De acordo com o mesmo autor:
[…] a guerra é um fenômeno da existência que em sua tragicidade envolve as consciências e representa um sinal visível do desconforto da civilização, que deve ser tornado explícito para que se obtenha algum resultado concreto; e a concretude estimula a liberar o campo dos ordenamentos inúteis e a formular questões precisas sobre os sentimentos humanos. Aduz que a guerra “se autoalimenta e se auto-justifica em um processo circular que não quebra. E basta desviar o olhar para as guerras em ato, para percebê-lo”. (GHISLENI; SPENGLER, 2011, p.30)
Conforme alude Ferreira (1986), Sandra Vial (2006, p.122) ao mencionar o autor, considera importante falar sobre a semiologia da palavra fraternidade, para que se possa compreender melhor sobre o assunto. Pois, a palavra se origina do vocábulo latino “frater”, que significa irmão. Igualmente a palavra é considerada substantiva feminina, que exibe três significados: I- parentesco de irmãos; irmandade; II- amor ao próximo, fraternização; e, III- união ou convivência de irmãos, harmonia, paz, concórdia, fraternização. Já para a mesma autora o verbo fraternizar, por outro lado, vem da união entre fraterno + izar, e exibe quatro significados: I- unir com amizade íntima, estreita, fraterna; II- unir-se estreitamente, como entre irmãos; III- aliar-se, unir-se; e, IV- fazer causa comum, compartilhar nas mesmas ideias. O direito fraterno, para Sandra Vial (2006) é um pressuposto que pode ser apresentado como:
[…] um direito jurado conjuntamente entre irmãos, no sentido da palavra latina frater, ou seja, é um direito que não parte da decisão de um soberano (de qualquer espécie), mas é giurato insieme. Ë fundamentalmente um acordo estabelecido entre partes iguais, é um pacto acordado a partir de regras mínimas de convivência. É o oposto do direito paterno, imposto por algum tipo de soberano; porém, adverte Eligio Resta, “La coniunratio dei fratelli non è contro il padre, o un sovrano, un tirano, un nemico, ma è per una convivenza condivisa, libera dalla sovranità e dall’inimicizia. Esso è giurato insieme, ma non è prodotto di una congiura”[1]. (RESTA, 2004, p.148 apud VIAL, 2006, p.122-123)
Outro pressuposto importante que se pode apresentar é que o direito fraterno:
[…] coloca em questionamento a ideia de cidadania, já que esta, muitas vezes, se apresenta como excludente; por isso, o direito fraterno centra suas observações nos direitos humanos, na humanidade como um lugar comum. É um direito não violento, destitui o binômio amigo/inimigo. […] a minimização da violência leva também a uma jurisdição mínima, a um conciliar conjunto, a um mediar com pressupostos de igualdade na diferença, é um direito que pretende incluir e busca uma inclusão sem limitações. Ou seja, o direito fraterno é a aposta na diferença, com relação aos outros códigos já superados pela sua ineficácia, pois estes dizem sempre respeito ao binômio amigo-inimigo, enquanto o direito fraterno propõe sua ruptura. (VIAL, 2006, p.123-124)
Sandra Vial (2006, p.230) defende que nessas pressuposições funda-se o Direito Fraterno, pois, para Resta, ele não é violento; ultrapassa os limites do Estado-nação; é cosmopolita[2]; não pode ser imposto, mas pactuado entre iguais; é um direito que inclui e que não aceita a possibilidade da exclusão.
Para Sandra Vial (2006), diferentemente das demais proposições da Revolução Francesa, a fraternidade foi deixada de lado, foi esquecida e este esquecimento não é sem motivação, já que, falar em fraternidade sugere compartilhar e romper poderes. São esses motivos que fizeram com que o conceito ficasse à margem, como afirma Elígio Resta, que seja “a prima pobre que vem do interior”, ou seja, a prima pobre tem uma riqueza fundada na não violência, no amor, no diálogo, no cosmopolitismo, na amizade, no diálogo entre os diferentes dos mais diferentes lugares do mundo. Ela é, então, “a promessa que faltou na Revolução Iluminista e aparece hoje como uma nova possibilidade, como uma aposta” (VIAL, 2006, p. 132). Desta feita,
O poder jurisdicional do Estado, por sua vez, passa por várias crises em razão da complexidade das relações sociais e seus litígios, que resultam na insuficiência e ineficiência de instrumentos para solucioná-los. Esta forma de solução das lides baseada na função estatal, através do juiz, não é considerada democrática, tendo em vista que é apenas a aplicação das leis positivadas sem a ocorrência da transformação social necessária entre as partes. Os conflitos remetidos ao Judiciário possuem mecanismos complexos e dependem de muitos fatores que não estão regulamentados (SPENGLER, 2011, p.3).
Nesse seguimento, Orsini, Maillart e Santos esclarecem que a fraternidade é uma oportunidade e, quem sabe, a oportunidade de dar respostas às necessidades atuais, uma vez que toda a história se conforma a partir de uma vinculação entre o passado e o futuro, entre o horizonte de expectativas e as experiências que compõem o tempo de permanência do homem na sociedade. (ORSINI; MAILLART; SANTOS, 2015, p.7). Assim sendo, a possibilidade do Direito Fraterno, enquanto nova proposta está justamente na aposta apresentada por Elígio Resta onde proporciona uma nova visão frente às demandas que surgem, pois, o direito tradicionalmente estabelecido não consegue dar respostas adequadas para os desafios postos na sociedade contemporânea. À vista disso,
[…] é preciso repensar o atual modelo de jurisdição objetivando garantir novas formas de solucionar as contendas e procurando sua resolução de forma consensual, solidária, fraterna. A partir de novas alternativas que visam à aproximação das partes, como a mediação, com a confrontação de vontades e interesses entre ambas, facilitando sua comunicação, sem procedimentos adstritos às regras estatais, será possível chegar a uma decisão de forma pacífica, satisfatória e democrática (SPENGLER, 2011, p. 7).
Por fim, segundo Spengler (2011, p.3), as formas alternativas de resolução de conflitos fundamentadas no Direito Fraterno, de maneira especial a mediação, pressupõem
[…] uma convivência baseada na cidadania, direitos humanos, jurisdição mínima, consenso e direito compartilhado. Trata-se de um modelo democrático e não violento que aposta no bem comum. O aumento na utilização de tais métodos se justifica pela necessidade cada vez maior de decisões mais céleres e eficientes, ao contrário do processo judicial, que é lento e custoso (SPENGLER, 2011, p. 3).
Nesse sentido, os fundamentos principais de uma sociedade fraterna, como a amizade e a solidariedade, auxiliam as partes a decidirem em consenso as próprias lides. Abandona-se, em tal contexto, a ideia de vencedor ou perdedor, a qual é substituída por uma decisão conjunta e harmoniosa entre elas, através da abertura de novos caminhos e da reinvenção diária. É oportuno mencionar que não se trata de negação da figura do Estado, até mesmo porque não se exclui a opção da via jurisdicional. (SPENGLER, 2011, p.3). Logo, deve ser observado que a fraternidade não pode ser limitada ao conceito de solidariedade, haja vista que esta somente trilha o caminho para que se possa alcançar a fraternidade. A utilização do conceito de solidariedade, no entanto, competiria a uma pessoa que tem a mesma obrigação legal que a outra e assim ficaria intimamente ligada a ajuda mútua (SALEH, 2014 apud ORSINI; MAILLART; SANTOS, 2015, p.18).
2. FRATERNIDADE, SUPERAÇÃO DA CULTURA ADVERSARIAL E FORTALECIMENTO DA ALTERIDADE PROCESSUAL
É indubitável que nesse tópico pretende-se demonstrar que o individualismo e o assistencialismo característicos da atual sociedade devem ceder lugar a uma nova concepção, ou seja, a fraternidade, esta imbuída de uma preocupação emancipatória, na qual a alteridade insere-se como conteúdo axiológico capaz de proporcionar um sentido de responsabilização pelo outro e de superação da cultura adversarial tradicionalmente empregada nos conflitos. Assim, propõe-se, pois, uma transformação de paradigma, gerido por outro modelo relacional, no qual a alteridade processual se faz presente enquanto elemento qualificador através da mediação e do direito fraterno. (MEDEIROS, s.d., p.1)
Teixeira e Saleh (2016, p.7) ao mencionar Frei Betto (2014) diz que o autor defende que ter alteridade é ser capaz de entender o outro na plenitude da sua dignidade, dos seus direitos e, sobretudo, da sua diferença, porque, quanto menos alteridade existe nas relações pessoais e sociais, mais conflitos ocorrem. Aqui, compreende-se que o conceito de fraternidade, identidade e alteridade apresentam uma estreita ligação, ou seja,
[…] existe uma relação de reciprocidade. Assim, do mesmo modo que a noção da alteridade constitui-se só a partir de um marcado “eu”, a mera presença do outro diferente de mim possibilita o pensar sobre as condições desta minha identidade. […] o conceito de uma alteridade interior quebra com a visão de grupo homogêneo “nós” e levanta o assunto sobre a construção da identidade por meio da fraternidade. Identidade e diferença andam juntas, uma necessitando da outra para se constituírem. (TEIXEIRA; SALEH, 2016, p.7)
Aquino (2010, p.106) em sua obra defende que os direitos humanos no século XXI passa por dois critérios necessários: a alteridade e a fraternidade. A primeira categoria evidencia o reconhecimento do outro enquanto complemento de compreensão sobre o significado de ser humano. A segunda manifesta fora de si esse pensamento e percebe cada pessoa como irmão. A fraternidade enuncia o “novo” critério político a fim de se integrar a humanidade e suas culturas.
Segundo Carla Gomes (2008), Emmanuel Lévinas tem por objetivo superar a subjetividade centrada na totalidade do ser em si mesmo e apontar uma direção para o fim do fechamento do homem contemporâneo, vencendo o egoísmo do homem individualista,
[…] direcionado para o consumismo e para o modelo competitivo da sociedade atual. Uma vez que as mudanças e as transformações operadas pela ciência e pela técnica não foram capazes de vencer as limitações do homem na contemporaneidade, o que surgiu foi um ser humano que se anuncia absoluto, centro e medida de todas as coisas, alguém sem limites e, naturalmente, individualista, materialista, imediatista e consumista. Esse individualismo desencadeou uma ruptura do homem para com Deus, com a natureza, com o outro, e até mesmo consigo próprio na medida em que se sente desobrigado de rever seus pensamentos, valores e atos. (GOMES, 2008, p.49)
Logo, a proposta de Lévinas é de que o homem moderno saia da totalidade do ser em si mesmo, do fechamento, e se abra à exterioridade, ao outro, rumo ao infinito e à transcendência do outro. Esse ideal de procurar uma saída para o encerramento do ser humano em si mesmo está presente desde os primeiros escritos de Lévinas e perdura durante todo o desenvolvimento de seu pensamento (GOMES, 2008, p.49). Resumindo,
[…] pode-se dizer que a consolidação do pensamento de Emmanuel Lévinas se dá na crítica ao pensamento ocidental, organizado, segundo ele, como uma “egologia”, um retorno no Ser, no próprio Ser em-si-mesmo e que traz em si, o germe da guerra. Tomando o outro por premissa, ele busca fundar no acolhimento desse outro uma fonte da alteridade. (GOMES, 2008, p.47)
Enquanto o ocidente cuidou de tentar compreender as relações do sujeito a partir do ser, Lévinas argumenta que é na própria relação humana, especificamente no outro ser humano com o qual se relaciona, é que a filosofia encontrará a origem da busca de sentido para todas as coisas. (GOMES, 2008, p. 48). Spengler e Spengler Neto (2010) articula que a mediação, como ética da alteridade, reivindica a recuperação do respeito e do reconhecimento da integridade e da totalidade de todos os espaços de privacidade do outro. Melhor dizendo,
[…] um respeito absoluto pelo espaço do outro, e uma ética que repudia o mínimo de movimento invasor. É radicalmente não invasora, não dominadora, não aceitando dominação sequer nos mínimos gestos. As pessoas estão tão impregnadas do espírito e da lógica da dominação que terminam, até sem saber, sendo absolutamente invasoras do espaço alheio. (SPENGLER; SPENGLER NETO, 2010, p.37)
Nota-se, aqui, que, de acordo com as palavras de Miguel Reale (1999), assim como a relação entre o sujeito e o objetivo é o alicerce da Ontognoseologia, a relação de “um eu” com “outro eu” (alteridade) é o alicerce da Ética. “Poder-se-ia dizer que a pessoa é a medida da individualidade, pois quando um indivíduo se coloca perante outro, respeitando-se reciprocamente, ambos se põem como pessoas” (REALE, 1999, p. 279). A partir desse entendimento verifica-se que o agir ético está fundamentalmente impregnado pela noção de alteridade, entendida como: atenção e a preocupação com o outro (alter).
Ainda de acordo com Spengler e Spengler Neto (2010, p.162), sob esse olhar ético, a mudança de lentes ao olhar para os conflitos traz uma nova concepção. A alteridade exige que se encare o outro livremente, fora de lugares pré-determinados. Assim, a barreira a ser rompida incide no fato de sempre tentar reconhecer o outro o situando em relação a “nós”, atribuindo-lhe um conceito a partir daquilo que se julga ser, pois
[…] os sentimentos provocados em nós a partir da imagem do outro são capazes de transformar os pontos de choque que muitas vezes impedem na condução do tratamento da relação conflituosa, representando assim uma forma de reencontro entre as partes e restabelecimento dos vínculos pré-existentes. Nesse sentido, participar de um processo de mediação exige muita sensibilidade das partes para que possam revalorizar o outro no conflito através da alteridade, “sem que exista a preocupação de fazer justiça ou de ajustar o acordo às disposições do direito positivo”. Outrossim, revela-se uma alternativa aos ultrapassados conceitos jurisdicionais extremamente formalistas e no qual os magistrados decidem os conflitos sem sentir as partes, encaixando o conflito num padrão normativo. (SPENGLER; SPENGLER NETO, 2010, p.162)
Todavia, para Spengler e Spengler Neto (2010, p.162), a necessidade de adequação das vias de pacificação à realidade da sociedade, cada vez mais complexa e multifacetária, como forma de contribuir para a consolidação e o fortalecimento da democracia, converge com a proposta da mediação, que possibilita romper o paradigma da cultura adversarial e implementar uma nova cultura que empece a explosão de litigiosidade, quer dizer, uma cultura de paz.
Marlova Jovchelovitch Noleto (2010, p. 10-11) defende que a cultura de paz está particularmente relacionada à prevenção e à resolução não violenta dos conflitos. É uma cultura baseada em tolerância e solidariedade, uma cultura que respeita todos os direitos individuais, que afirma e ampara a liberdade de opinião e que se empenha em prevenir conflitos A cultura de paz busca resolver os problemas através do diálogo, da negociação e da mediação, de forma a tornar a guerra e a violência inviáveis. E discutir sobre cultura de paz é discutir sobre os valores essenciais à vida democrática, valores como: igualdade, respeito aos direitos humanos, respeito à diversidade cultural, justiça, liberdade, fraternidade, tolerância, diálogo, reconciliação, solidariedade, desenvolvimento e justiça social.
A fraternidade e a mediação tornam possível a análise do conflito por meio da ótica valorativa do outro, ou seja, através da valorização dos anseios individuais dos supostos combatentes, de modo que as próprias partes envolvidas encontrem soluções adequadas para seus problemas, tornando o conflito uma situação construtiva a ser controlada. Nesse sentido, o instituto da mediação se apresenta como um importante instrumento de solução de conflitos, capaz de promover o diálogo entre as partes, superação da cultura adversarial e a consequente resolução consensual, sendo seu principal objetivo a pacificação social. (CACHAPUZ; SANOMYA, 2012, p. 93). Ainda de acordo com Cachapuz e Sanomya, conforme os ensinamentos de Eliane Aparecida Stahl, a mediação pode ser definida como:
[…] um sistema de negociação assistida mediante o qual as partes envolvidas em um conflito tentam resolvê-lo por si mesma, com a ajuda de um terceiro imparcial, o mediador, que atua como um condutor da sessão, ajudando as pessoas que participam da mediação a encontrar uma solução que seja satisfatória para ambas as partes (STAHL, 2000, p. 19 apud CACHAPUZ; SANOMYA, 2012, p. 93).
Assim sendo, de acordo com as autoras acima, compete ao mediador conduzir as partes em conflito, por meio de um viés dialógico, à busca da melhor solução, sem que nenhum dos envolvidos se considere perdedor, fortalecendo a alteridade processual, pois que
[…] a qualidade direcional do processo depende da aptidão técnica do mediador para diminuir as resistências entre os mediandos, promovendo uma comunicação cooperativa e, via de consequência, aumentando as possibilidades de cumprimento dos compromissos assumidos ao longo do processo da mediação. (CACHAPUZ; SANOMYA, 2012, p.94)
Neste viés, a mediação representa um meio alternativo de solução de conflitos já que se insere em um modelo consensual onde não existe a característica de conflituosidade do modelo tradicional de jurisdição, permitindo a preservação e o aperfeiçoamento das relações sociais. Em meio às demais vantagens decorrentes do uso da mediação, merecem destaque: a resolução de disputas de forma construtiva, o fortalecimento das relações sociais, a promoção de relacionamentos cooperativos, a exploração de estratégias que possam prevenir ou resolver futuras controvérsias, a humanização das disputas, entre outras. (AZEVEDO, 2009, p. 20 apud CACHAPUZ; SANOMYA, 2012, p.94)
Além do mais, cabe lembrar que esse mecanismo não pode ser visto como uma “solução milagrosa” para enfrentar os problemas do Poder Judiciário, mas, como um esforço capaz de complementar os mecanismos judiciais já existentes, tendo como finalidade a busca pelo bem comum e a concretização do acesso à justiça. (CACHAPUZ; SANOMYA, 2012, p. 94). Nesse sentido, Cachapuz e Sanomya, ao citar os ensinamentos de Fernanda Tartuce, destacam:
[…] a mediação enquanto método que concebe o mediando como protagonista de suas próprias decisões e responsável por seu próprio destino, está fundamentada na dignidade humana em seu sentido mais amplo. Afinal, permite que o indivíduo decida os rumos da controvérsia, resgate sua responsabilidade e protagonize uma saída consensual para o conflito, o que o inclui como importante ator na configuração da solução da lide, valorizando sua percepção e considerando seu senso de justiça (TARTUCE, 2008, p. 211 apud CACHAPUZ; SANOMYA, 2012).
Por fim, para que a sociedade possa utilizar e se beneficiar dos meios extrajudiciais de resolução de conflitos é forçoso “o desenvolvimento de uma nova cultura social que possibilite a compreensão e avaliação desses métodos, de forma a obter soluções mais rápidas, menos onerosas e efetivas” (CACHAPUZ; SANOMYA, 2012, p. 95). Compreende-se, assim, a necessidade de superação desses obstáculos que impedem a pacificação social e o acesso efetivo à ordem jurídica através da utilização adequada do instituto, inspirado por um direito humanizado e que se aproxime das necessidades cotidianas, da alteridade, e da superação da cultura adversarial, ou seja, o Direito Fraterno.
3. MEDIAÇÃO E DIREITO FRATERNO EM PROL DA CONCRETIZAÇÃO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA: DIREITO À PRESERVAÇÃO DOS MEDIANDOS NA RESOLUÇÃO DOS CONFLITOS
A discussão sobre o direito fraterno é recente. Elígio Resta, seu principal teórico, inicia esta reflexão a partir dos anos 80. O Direito Fraterno propõe uma nova e velha análise dos rumos, dos limites e das possibilidades do sistema do direito na sociedade atual. Todo o pensamento apresentado por Resta tem um grande valor científico, o qual se configura em uma abordagem científica do e para o direito atual. (VIAL, 2006, p. 121)
O tema pretende pensar o Direito sob a luz da fraternidade e desmistificar a visão distorcida a respeito do Direito Fraterno e ressaltar sua importância dentro do contexto jurídico. Pois, sabe-se que o Princípio da Fraternidade e Direito não se excluem, pelo contrário, se completam com objetivo de reconhecer a igualdade entre todos os seres humanos objetivando a dignidade da pessoa humana. Importa consignar que o “Direito e a Fraternidade possuem um caráter de complementaridade que atravessa séculos e que possivelmente, se perpetuará no tempo, como forma de realização da vida em comunidade e da harmonização social”.  (BASTIANI; PELLENZ, 2015, p. 97-98)
Dessa maneira, discute-se a relação entre o Direito e a fraternidade, assim como a visão reducionista de que a natureza do direito é sempre conflituosa e que a fraternidade é sempre harmônica. Apresenta-se, assim, uma grande proposta tanto na esfera política quanto jurídica, qual seja, a afirmação de uma articulação dialética dos três princípios integrantes da tríade da Revolução Francesa, superando a lógica meramente igualitária e liberal para se caminhar em busca de um reconhecimento efetivo e eficaz da alteridade, da diversidade e da reciprocidade por meio da mediação e da fraternidade. (BRUNET, s.d., p.14)
Ressalta-se ainda que, atualmente é importante questionar sobre a necessidade de se falar em fraternidade. Entretanto, a capacidade de relacionar fraternidade à teoria e a prática da política se perdeu. Pois, estudar as relações entre fraternidade e política nunca foi considerado um tema atrativo. A liberdade e a igualdade aparecem com frequência em debates, mas a fraternidade sempre resta esquecida. Compreende-se que a Fraternidade é considerada um Princípio Revolucionário por ter sido um dos ideais das Revoluções Francesa que passou a existir com o objetivo de combater as desigualdades sociais, proteger os direitos da pessoa humana para que tenham condições de alcançar o bem-estar social. (SALMEIRÃO, 2013, s.p.) Bastini e Pellenz (2015) ao citar Aquini (2008, p.138-139), diz que este autor defende que a Fraternidade é um valor jurídico fundamental, pois
[…] a fraternidade compromete o homem a agir de forma que não haja cisão entre os seus direitos e os seus deveres, capacitando-o a promover soluções de efetivação de Direitos Fundamentais de forma que, não, necessariamente, dependam, todas, da ação da autoridade pública, seja ela local, nacional ou internacional. (BASTIANI; PELLENZ, 2015, p.99)
Bastiani e Pellenz (2015, p.100) em seu texto diz que malgrado o fato de a fraternidade estar sedimentada como categoria jurídica, amplamente aceita na sociedade atual, é necessário que práticas fraternas sejam socializadas, sob pena de se tornar, novamente, um princípio esquecido. É imprescindível retomar as condições de fraternidade, que há muito tempo está inserida no corpo social, a fim de viabilizar a cooperação mútua entre as pessoas, em momento de crise onde o individualismo e o egoísmo estão cada vez mais presentes. Nessa ótica, não é excesso dizer que a forma como se vive hoje é insustentável e que a fraternidade pode ser uma alternativa para estas questões. Portanto, de acordo com autoras acima, ao citar Britto (2007, p.98), este defende que:
[…] a fraternidade é o ponto de unidade a que se chega pela conciliação possível entre os extremos da Liberdade, de um lado, e, de outro, da Igualdade. A comprovação de que, também nos domínios do Direito e da Política, a virtude está sempre no meio (medius in virtus). Com a plena compreensão, todavia, de que não se chega à unidade sem antes passar pelas dualidades. (BASTIANI; PELLENZ, 2015, p.100)
Nesse ínterim, Salmeirão (2013) diz que a ideia de fraternidade estabelece que o homem, enquanto animal político, faz uma escolha consciente pela vida em sociedade e para tal estabelece com seus semelhantes uma relação de igualdade, visto que em essência, em sua natureza, não há nada que hierarquicamente os diferencie, pois são considerados como irmãos, ou seja, fraternos.
A Revolução Francesa e seus partícipes, que produziram a tríade “liberdade, igualdade e fraternidade” (princípios universais de caráter político), aos poucos expurgaram a fraternidade de seu contexto voltando os olhos somente para as duas primeiras. É nesse sentido que a fraternidade passou a ser encarada como “a parente pobre, a prima do interior” conforme define Resta, assumindo aos poucos, outras conotações: religiosa, consanguínea, ou então na forma de “ligações sectárias, no âmbito de organizações secretas […]” (GHISLENE; SPENGLER, 2011, p. 8). Não obstante, no tripé da revolução, em que pese o caso da fraternidade aparecer em primeiro plano, juntamente e ao lado da igualdade e da liberdade, a fraternidade não ocupou papel importante na cultura política do Ocidente. (BASTIANI; PELLENZ, 2015, p.97)
Então, o enfoque dado à Fraternidade era no sentido da educação, do assistencialismo e também outros elementos, e não adquiriu status jurídico nem político, permanecendo como uma ideologia erguida na bandeira da Revolução Francesa como motivação religiosa, apenas. Porém,
[…] não se pode deixar de mencionar que a Fraternidade é considerado um Princípio Revolucionário por ter sido um ideal norteador das Revoluções que marcaram a história da Humanidade, tanto na Europa quanto na América, possibilitando a proteção e o respeito aos direitos fundamentais e ao combate, em definitivo, aos abusos e aos excessos cometidos pelo Estado. (BASTANI; PELLENZ, 2015, p.97-98)
O termo fraternidade, sabe-se, não é contemporâneo. Destinou-se, contudo, maior atenção a ela a partir da Revolução Francesa, como mencionado anteriormente. O Direito Fraterno, Segundo Sandra Vial (2016), prioriza pela análise transdisciplinar dos fenômenos sociais. A transdisciplinaridade significa, antes de tudo, transgredir e, ao mesmo tempo, integrar […]. Desse modo, a partir do entendimento de Pozzoli e Hurtado, entende-se que o Direito Fraterno seria:
Uma modalidade do direito que ainda não está consolidado como paradigma e/ou teoria, mas como abordagem. Abordagem esta que propõe uma nova forma de análise do direito atual, mas do que isto, propõe uma reestruturação de todas as políticas públicas que pretendam uma inclusão universal. (POZZOLI; HURTADO, 2011, p.287)
A partir da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, em sua redação no artigo 1º, destaca a fraternidade com o sentido de responsabilidade, pois menciona: “Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão e consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade”. Em 1948, a Fraternidade passou a ser elemento chave com a universalização do princípio e mais adiante, com o fenômeno da constitucionalização, o princípio da Fraternidade passou a ser observado na ordem jurídica interna dos países. Segundo Bastani e Pellenz (2015, p.98), é muito importante a referida data a nível internacional, porque a fraternidade adquiriu um novo status em um novo momento histórico, pós-guerra. Logo,
[…] a presença da Fraternidade, em 1948, na Declaração Universal dos Direitos do Homem, é bastante relevante, quando refere-se à obrigação que todas as pessoas têm de “agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade” e no tocante às Constituições, como no caso da brasileira, que invoca já no seu preâmbulo ações neste sentido. (BASTANI; PELLENZ, 2015, p.98)
A fraternidade é um dos pilares do Estado Democrático de Direito, bem como a dignidade da pessoa humana. A fraternidade possui um papel determinante na sociedade, e seu caráter de fundamentalidade pode ser observado na Constituição Cidadã. Por estar logo no início do texto constitucional, a Fraternidade já desvela sua importância em âmbito jurídico e social. É possível dizer que a fraternidade e a dignidade da pessoa humana são princípios que se complementam, no sentido de efetivar os direitos dos cidadãos. A fraternidade implica uma relação de igualdade e liberdade, do homem para com seu semelhante e do homem com o Estado. (BASTIANI; PELLENZ, 2015, p.97-98)
Dessarte, não se localiza a fraternidade somente na redação da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, este princípio pode ser observado também na redação do Preâmbulo da Constituição Federal brasileira, de 5 de outubro de 1988, que expressa:
Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte Constituição da República Federativa do Brasil. (BRASIL, 1988).
Aqui, mostra o texto integral, materializado em persuasiva invocação, mesmo que a fraternidade não se localiza na forma tradicional de um Direito posto no ordenamento jurídico, ela se encontra no Preâmbulo da Carta Constitucional, configurando a proposta de se construir uma sociedade fraterna.
O direito fraterno é desvinculado da obsessão da identidade e de espaços territoriais, que determinam quem é cidadão e quem não o é. Ele não se fundamenta em um “ethnos” que inclui e exclui, mas em uma comunidade, na qual as pessoas compartilham sem diferenças, porque respeitam todas as diferenças. Por isso, é um direito inclusivo, razão pela qual faz sentido estudar o paradoxo da inclusão/exclusão, fundamentado no compartilhar, no cosmopolitismo. Por não se basear em etnocentrismos, o Direito Fraterno é cosmopolita. Ele tutela e vale para todos não porque pertencem a um grupo, a um território ou a uma classificação, mas porque são seres humanos. Nesse ponto, estabelece-se a grande diferença entre “ser humano e ter humanidade”. Ter humanidade é respeitar o outro e ser humano é partilhar da mesma natureza: a humanidade. Esta é uma atitude que requer responsabilidade e comprometimento. (STURZA; ROCHA, s.d, p.7)
O Direito Fraterno não é violento, não crê em uma violência legítima, a qual confere ao Estado o poder de ser violento; destitui o código do amigo-inimigo, pelo qual o inimigo deve ser afastado, coercitivamente; acredita em uma jurisdição mínima, apostando em formas menos violentas de solução de conflitos, como por exemplo: a mediação. O Direito Fraterno busca resgatar um certo iluminismo, centrado na fraternidade. Esta nova proposta, na verdade, aponta para um novo rumo, uma nova possibilidade de integração entre povos e nações, integração esta fundamentada no cosmopolitismo, onde as necessidades vitais são suprimidas pelo pacto jurado conjuntamente. (STURZA; ROCHA, s.d, p.8)
Salmeirão (2013) alude que o Direito Fraterno causa muita confusão entre os membros da sociedade, onde alguns consideram uma escolha de como se deve viver em sociedade: uns com um preceito religioso, e outros, em sua minoria como um princípio jurídico que além de servir como base para a criação das regras constitucionais deve estar presente obrigatoriamente em todos os atos do operador do Direito, da vida em comunidade e do Administrador Público. Ressaltou ainda, em seu texto, que a Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada na Assembleia Geral da ONU, em 10 de dezembro de 1948, que a Fraternidade alcançou a universalidade necessária passando a ser entendida como uma regra em face da necessidade de efetivar os Direitos Humanos e não apenas como um referencial de boa conduta e doutrina religiosa.
Por fim, o Direito Fraterno indica novos horizontes, novas perspectivas e colabora para a elaboração de propostas conjuntas para a solução de problemas referentes ao binômio inclusão/exclusão. Mais do que isso, o Direito Fraterno propõe mediação e pactuação constantes para a sociedade atual. Como se pode compreender a fraternidade é uma nova possibilidade de integração entre os povos e nações, fundamentada no cosmopolitismo, em que as necessidades vitais serão suprimidas pela amizade / afetividade. Destaca-se ainda que, o direito fraterno é direcionado para a proteção e segurança da dignidade da pessoa humana, onde contribui para construção de uma cidadania responsável na busca de uma sociedade sem exclusão de qualquer classe social.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Observa-se que, com a análise da Revolução Francesa como alicerce a fraternidade, na busca da paz social referente a solução de conflito, a partir das mudanças nos relacionamentos nos moldes consensuais de realização das lides, o que predispõe a estabilidade nas relações, emergindo como uma opção a mediação aliada ao direito fraterno. Portanto, o estudo buscar o aprofundamento da mediação e o direito fraterno para superação do conflito, numa evolução, dando a sociedade brasileira, hoje pautada numa cultura de contra-ataque, suporte e desenvolvimento na valoração dos direitos humanos entre os envolvidos na lide, na construção de relações de confiança. Na caracterização de um fundamento onde há o acordo baseado no direito fraterno, e não em políticas com sanções jurisdicionais e sociais coercitivas. Assim, a concepção de mediação visa gerar uma alternativa em que as partes envolvidas possam buscar uma forma de crescimento a comunicação dentro das vertentes democráticas, para a configuração das práticas consensuais na sociedade.
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Notas:
[1] Tradução: A conjuntura dos irmãos não é contra o pai, ou um soberano, uma atração, um inimigo, mas é para uma convivência compartilhada, livre de soberania e inimizade. É jurado, mas não é uma conspiração.
[2] Cosmopolita é a pessoa que se julga cidadão do mundo inteiro, ou que considera sua pátria o mundo. É uma palavra com origem no termo grego kosmopolítes, em que kosmós significa “mundo” e polites significa “cidadão”. Disponível em: . Acesso em 16 set. 2017.
Autores:
Natalia Dutra Mendes é bacharela em Direito pela Faculdade Metropolitana São Carlos – FAMESC.
Sangella Furtado Teixeira é Bacharela em Direito pela Faculdade Metropolitana São Carlos – FAMESC; Especialista Lato Sensu em Direito Tributário pela Universidade Cândido Mendes UCAM (2018); Pós-Graduanda em Direito Penal e Processo Penal pela Universidade Estácio de Sá. E-mail: sangellafurtado@hotmail.com.
Tauã Lima Verdan Rangel é Doutor (2015-2018) e Mestre (2013-2015) em Ciências Jurídica e Sociais pela Universidade Federal Fluminense; Especialista Lato Sensu em Gestão Educacional e Práticas Pedagógicas pela Faculdade Metropolitana São Carlos (FAMESC) (2017-2018); Especialista Lato Sensu em Direito Administrativo pela Faculdade de Venda Nova do Imigrante (FAVENI)/Instituto Alfa (2016-2018); Especialista Lato Sensu em Direito Ambiental pela Faculdade de Venda Nova do Imigrante (FAVENI)/Instituto Alfa (2016-2018); Especialista Lato Sensu em Direito de Família pela Faculdade de Venda Nova do Imigrante (FAVENI)/Instituto Alfa (2016-2018); Especialista Lato Sensu em Práticas Processuais Civil, Penal e Trabalhista pelo Centro Universitário São Camilo-ES (2014-2015); Coordenador do Grupo de Pesquisa “Direito e Direitos Revisitados: Fundamentalidade e Interdisciplinaridade dos Direitos em Pauta” – vinculado ao Instituto de Ensino Superior do Espírito Santo (MULTIVIX) – Unidade de Cachoeiro de Itapemirim-ES; Coordenador do Grupo de Pesquisa “Faces e Interfaces do Direito, Sociedade, Cultura e Interdisciplinaridade no Direito” – vinculado à Faculdade Metropolitana São Carlos (FAMESC) – Bom Jesus do Itabapoana-RJ; Professor Universitário, Pesquisador e Autor de diversos artigos e ensaios na área do Direito.
Fonte: Jornal Jurid – 06 de Fevereiro de 2019
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O que promove a cultura da mediação nas empresas

Sabemos que é importante um certo grau de competitividade entre os colaboradores de uma empresa, mas partimos do pressuposto que a competitividade tem um certo limite, pois passando deste ela se torna nociva ao atingimento de resultados. A competitividade às vezes agride, afasta e desconecta o colaborador dos seus objetivos e por sua vez dos objetivos da empresa que trabalha.
A competitividade pode se tornar um processo destrutivo de solução de conflitos em que as pessoas se enxergam e se comportam como inimigas, como oponentes, não conseguem entender as razões e os interesses do outro como parte integrante e necessária para a obtenção de um objetivo.
Por sua vez, a colaboração é um processo construtivo que explora estratégias que venham a prevenir ou resolver futuras controvérsias e ensina uma melhor compreensão recíproca. A mediação no ambiente de trabalho, que é um processo colaborativo, conscientiza sobre direitos e deveres, sobre a responsabilidade de cada membro da equipe, transforma uma visão negativa para uma visão positiva dos conflitos e incentiva ao diálogo, possibilitando uma comunicação pacífica.
A mediação no ambiente de trabalho gera participação pois cada um será protagonista das soluções, haja vista que, os membros de uma equipe estão mais dispostos a cooperar para juntos chegarem a uma solução. A mediação promove um relacionamento cooperativo por que as pessoas se sentem compreendidas, validadas e valorizadas.
Implantando a cultura da mediação na empresa construímos e reconstruímos, restabelecemos e fortalecemos as relações, em regra, corrobora o conhecimento mútuo e a empatia, proporciona uma mudança e transformação, de forma a gerar novas ideias e alternativas, antes não encontradas, a equipe passa a ter foco em soluções.
Por Danyelle Bandeira de Melo, mediadora judicial e extrajudicial e educadora parental de disciplina positiva pela positive discipline association.
Fonte: Mulheres Empreendedoras-PI – 21 de janeiro de 2019.
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Mediação imobiliária – um instrumento de preservação de negócios

O sonho da casa própria norteia a vida de muitos brasileiros, assim como o desejo da aquisição de um imóvel para instalação de um negócio, bem como a necessidade de uma locação para fixação de residência, negócios imobiliários presentes no dia a dia da sociedade.
Negócios complexos ou simples, de igual modo requerem certos cuidados para que todo o processo se desenvolva da forma correta e atinja a conclusão almejada.
Nesse cenário, os personagens não só se deparam com uma série de contratos, variáveis na negociação, múltiplos interesses, que ora convergem, ora divergem, mas também se deparam com uma grande ansiedade e expectativas, que por vezes podem comprometer a conclusão do negócio.
Ultrapassada a fase das tratativas e concluído o negócio, as relações até então originadas do referido negócio imobiliário, se prolongam no tempo e no decorrer de sua execução, novos personagens podem surgir, novas relações podem nascer e consequentemente, novas situações podem ocasionar problemas com os quais os atores originários não contavam.
É nesse momento que se colocam à prova àquelas emoções antes mencionadas – ansiedade e expectativa – que podem dar lugar à divergência, desentendimentos e insegurança.
O quadro aqui desenhado pode parecer mais um folhetim, mas não. Em verdade, nos deparamos com essas situações – inicialmente, consolidadas num ambiente pacífico e de pleno acordo entre as partes e que após transcurso de tempo, ganha contornos de conflitos imensuráveis – no âmbito do mercado imobiliário.
Justamente por ser um ramo que envolve múltiplos personagens e variados fatores influentes, se revela inevitável à ocorrência de múltiplos conflitos, surgindo o questionamento: qual a melhor forma de resolução de conflito instaurado no âmbito do mercado imobiliário?
Num primeiro impulso, a parte interessada faz um contato, extremamente envolvida pessoalmente na relação e crente no resultado positivo do diálogo buscado, inicia uma tentativa de negociação direta e informal. A título de ilustração: o locatário que liga para o locador para fazer cobrança ou para reclamar sobre as condições do imóvel locado, o adquirente que tenta resolver junto à construtora uma infiltração no imóvel novo, um condômino que reclama do outro condômino junto ao síndico, o síndico que busca alertar pelo interfone ou através de abordagem na portaria aquele condômino que viola as disposições da convenção condominial e etc…
O conflito é natural do ser humano e por isso tão presente no ambiente imobiliário.
Contudo, o que se observa é uma inquietude emocional que compromete a negociação justamente em razão do envolvimento das partes, o que faz com que essa negociação direta e informal não alcance o objetivo e acaba por comprometer o resultado e agravar a situação, com o esgotamento dos ânimos e disposição das partes.
Até então, após essa negociação direta e informal – frustrada – tínhamos dois caminhos: aceitar e conviver com a frustração, administrando os ânimos e amargando verdadeiro desgaste emocional e até prejuízo financeiro ou judicializar a relação recorrendo ao Poder Judiciário.
Contudo, ainda que a passos lentos, é perceptível que essas não são as únicas alternativas. Para a resolução de conflitos imobiliários temos à nossa disposição a arbitragem e a mediação, que se apresentam no cenário atual como opções mais eficientes e menos custosas para as partes.
Considerando a existência de várias partes, o envolvimento emocional e os conflitos decorrentes dos negócios imobiliários, podemos afirmar que a mediação se mostra como instrumento adequado para estabilizar a relação e resolver a controvérsia instaurada.
Isto porque, o instituto ganhou tratamento especial no CPC – lei 13.105/15 – e também encontrou lugar em nossa legislação – lei 13.140/15 – revelando-se como método rápido, econômico e de resultados eficientes, já que as próprias partes podem escolher seu mediador e conduzir as negociações.
Enquanto, indiscutivelmente, se instaurada a controvérsia no âmbito judiciário a demanda se arrasta morosamente e se prorroga no tempo, com o resultado limitado e aplicado tão somente para declarar um vencido e vencedor – sem que, necessariamente, se resolva, de fato, o conflito – a mediação atende o objetivo primordial que é a pacificação.
O método se difere dos demais – conciliação e arbitragem – e se revela genuinamente como pacificador, na medida em que é uma negociação assistida, por pessoa capacitada, dissociada da disputa e das partes envolvidas, que desenvolve um procedimento hábil para identificar a origem do problema, com foco somente nas questões que interessam para as partes, sob a ótica de múltiplas possibilidades de soluções, com o intuito único de realizar um acordo igualmente satisfatório para todos os personagens envolvidos.
Por se tratar de um processo voluntário, caso as partes não alcancem a composição, o caminho do Poder Judiciário continuará a ser uma opção. Não obstante, se as partes transigirem, haverá um efeito vinculante.
As situações que se mostram adequadas a recorrer à mediação são aquelas que decorrem de relações que se prolongam no tempo, de trato sucessivo, com várias partes e com relevante envolvimento emocional, uma vez que o procedimento busca atender os reais interesses das partes envolvidas, enquanto nos procedimentos em que as partes se posicionam como verdadeiros adversários, apenas se decide o direito, o que, por vezes, não se revela suficiente para acalma os ânimos.
Como em toda relação, há de se guardar a boa-fé e as partes envolvidas devem ter vontade de negociar e alcançar um acordo que seja benéfico e mútuo. Para tanto, a mediação propicia inúmeros benefícios, de suma importância e utilidade, como agilidade, economia, soluções mais eficazes e inovadoras, controle do resultado, confidencialidade, informação e preservação do relacionamento.
É inegável que se trata de um procedimento célere que, além de traduzir em menor tempo a solução do problema, também repercute no seu custo, uma vez que normalmente se cobra por hora e o valor costuma a ser dividido entre as partes. Outro custo que, apesar de não ser pecuniário, se revela tão importante quanto, é o custo emocional. Com a celeridade, as partes envolvidas sofrem menos desgastes e tiram melhor proveito de um dos bens mais escassos atualmente, o tempo útil.
A atuação ativa das partes e por outro lado, a participação imparcial do mediador, permite que as soluções sejam feitas sob medida – sem a imposição de um terceiro -, acarretando a percepção de um procedimento justo e satisfatório. Aquele que melhor conhece o problema, propõe a solução, atraindo a eficácia almejada.
Apesar de ser um processo reconhecido e amplamente utilizado, com alto nível de sucesso, em vários países do mundo, como Estados Unidos, França, Inglaterra e a nossa vizinha Argentina, em nosso país, ainda que há pelo menos 2 décadas, a mediação já vinha sendo praticada através de iniciativas privadas e algumas iniciativas públicas, apenas recentemente, a mediação foi “institucionalizada” e ganhou contornos de política pública. Grande impulso propagado pelo nosso CPC.
Especificamente no mercado imobiliário, ganha espaço e se aceita com maior naturalidade a inclusão em contratos de cláusulas prevendo, prioritariamente, a mediação como método de resolução de conflito.
Para tanto, faz-se necessário a divulgação e desenvolvimento das mediações privadas e pré-processuais, revelando-se o mercado imobiliário um importante campo para disseminar o procedimento, considerando o contingente de pessoas envolvidas e as relações complexas presentes no cotidiano da sociedade, funcionando como verdadeiro instrumento para desafogar o Poder Judiciário.
Nesse sentido, importante a conscientização da sociedade de que a judicialização das questões não é a melhor saída e que o amparo de advogados, imobiliárias e administradoras de imóveis durante as etapas iniciais das transações diminuem a possibilidade de conflitos decorrentes do negócio e que, mesmo ocorrendo, a mediação se revela como um instrumento eficaz para dirimir conflitos e pacificar os ânimos, preservando o negócio.
Isso permitirá a estabilização do mercado imobiliário e a segurança que as partes almejam nos negócios, acarretando inevitavelmente a lucratividade que se espera de um mercado sólido e estável.
Por Francine Barreto, sócia do Vieira, Cruz Advogados, especialista em direito do consumidor e recuperação de créditos, com enfoque no setor imobiliário, pós-graduada em Direito Imobiliário pela Universidade Cândido Mendes.
Fonte: Migalhas – sexta-feira, 11 de janeiro de 2019
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STJ reforça a validade da cláusula arbitral em contrato de adesão

A ministra Maria Isabel Gallotti, do Superior Tribunal de Justiça, reconheceu, em uma decisão monocrática, a validade de cláusula compromissória de arbitragem inserida em contrato de adesão, em relação de consumo de compra e venda de imóvel.
Na ação analisada, o condomínio, autor da ação, tentou anular em juízo a cláusula arbitral que havia imposto a obrigação de que qualquer divergência dos reparos realizados pela construtora no edifício deveria ser submetida a arbitragem. O TJ-MT improveu o apelo e o STJ manteve o acórdão, reforçando a jurisprudência já consolidada da Corte.Pela defesa da Construtora atuou o advogado William Khalil.
Na decisão, a ministra entendeu que o acórdão recorrido está em perfeita harmonia com a jurisprudência pelo STJ, no sentido de que a convenção de arbitragem, seja na modalidade arbitral ou de cláusula compromissária é bastante e suficiente a afastar a jurisdição estatal.
“Esta Corte vem entendendo como prematura a análise na Justiça comum acerca da invalidade de cláusula compromissória diante da existência de normatização específica, a qual confere competência ao Juízo arbitral para examinar alegações acerca da existência, validade e eficácia da convenção de arbitragem e do contrato”, disse.
A ministra afirmou ainda que “não existe violação ao princípio da inafastabilidade da jurisdição na escolha livre e consciente dos contraentes pela adoção da arbitragem, que é legítima e escorreita forma de solução de conflitos. A própria Lei de Arbitragem preserva a participação do Poder Judiciário para a anulação da sentença arbitral”.
Ausência de Interesse
O acórdão recorrido em análise fixou que a cláusula de compromisso arbitral inserida no contrato firmado entre as partes, afasta da apreciação do Poder Judiciário as divergências negociais decorrentes, configurando a ausência de interesse processual, ensejando a extinção sem resolução de mérito.
Entendimento Fixado
Em março de 2016, a 4ª turma do STJ julgou recurso acerca da validade de cláusula compromissória. O colegiado seguiu, à unanimidade, o voto do relator, ministro Luís Felipe Salomão.
“O CDC não é contrário ao uso da arbitragem nos conflitos de consumo, porém ressalva a forma de imposição da cláusula compromissória, que não poderá ocorrer de forma impositiva”, disse.
De acordo com o ministro, “só terá eficácia a cláusula compromissória já prevista em contrato de adesão se o consumidor vier a tomar a iniciativa do procedimento arbitral, ou se vier a ratificar posteriormente a sua instituição, no momento do litígio em concreto”.
“Não haverá nulidade da cláusula se o fornecedor demonstrar que não impôs a utilização compulsória da arbitragem, ou também pela ausência de vulnerabilidade que justifique a proteção do consumidor.”
Clique aqui para ler a decisão.
REsp 1.541.830
Por Gabriela Coelho, repórter da revista Consultor Jurídico
Fonte: Revista Consultor Jurídico, 31 de dezembro de 2018, 7h30

Judiciário não pode analisar arbitragem, diz STJ ao homologar sentença estrangeira

A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça homologou, nesta terça-feira (18), sentença arbitral estrangeira que condenou a empresa de roupas Ganaderia Brasil a pagar US$ 1,38 milhão à americana Levi’s. A empresa brasileira fabricava e comercializava roupas da marca.
Por maioria, os ministros acompanharam o voto da relatora, ministra Nancy Andrighi. Ao apresentar voto-vista na sessão desta terça-feira, o ministro Herman Benjamin não aceitou a homologação e ficou vencido.
A ministra votou em abril e defendeu a tese de que o Judiciário não pode rediscutir aspectos da decisão arbitral. Segundo ela, a sentença preencheu todos os requisitos formais para homologação. As reclamações da Granadeiro, sobre a participação de terceiros estranhos à relação arbitral, a higidez das provas e questionamentos sobre o árbitro envolveria reexame da sentença arbitral, o que não cabe ao Judiciário.
“Eventuais questões referentes a desistência, validade e eficácia de cláusula compulsória devem ser apreciadas pelos próprios árbitros”, disse a ministra.
A Levi’s chegou a pedir tutela de urgência antes do julgamento, alegando que a Ganaderia estava descumprindo a sentença arbitral — a decisão a proibia de revender produtos da marca americana. O pedido foi negado pela relatora em 2017.
O processo foi instaurado no Tribunal Arbitral de San Francisco, na Califórnia, nos Estados Unidos, por descumprimento de contrato de licença de uso de marca. A corte arbitral declarou rescindido o contrato e condenou a brasileira a pagar royalties, perdas e danos, honorários advocatícios e despesas processuais no valor aproximado de US$ 1,386 milhões e a proibiu de vender produtos da marca Levi’s.
A arbitragem trata de contrato rescindido em 2013. A empresa brasileira pediu perdas e danos por não renovação do acordo de licença e uso de marca. Porém, acabou condenada. O valor inclui royalties, perdas e danos, honorários advocatícios e despesas processuais. No processo analisado pelo STJ, a Ganaderia alegou, além da suspeição do árbitro, que a cláusula arbitral não poderia ser aplicada a terceiros, que integraram o processo.
HDE 120
Por Gabriela Coelho, repórter da revista Consultor Jurídico
Fonte: Revista Consultor Jurídico, 18 de dezembro de 2018, 17h21
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Vídeo – Projeto Mediação em Foco / CONIMA

Projeto Mediação em Foco, do CONIMA e de autoria da Dra. Tânia Almeida, Diretora de Mediação do CONIMA. Tem como objetivo elaborar manuais de práticas de mediação regionais. Com a colaboração de Mediadores, Instrutores de Mediação, Instituições de Capacitação, Judiciários, dentre outros colaboradores.
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A entrega de memoriais no processo de natureza arbitral

No âmbito da jurisdição estatal, pendente o processo em grau recursal, em determinadas ocasiões, cada vez mais frequentes, os advogados das partes, como é notório, procuram agendar com o desembargador relator e, ainda, com os demais integrantes da turma julgadora, a entrega em mãos de memoriais, que podem efetivamente trazer algum subsídio útil, em matéria de fato, à formação da convicção de quem irá julgar o respectivo recurso.
Esta praxe, mais rara no passado, tem sido reiterada na medida em que aumenta o número de recursos que são julgados nas sessões de julgamento. É dizer: a entrega de memoriais infunde a ideia, nos advogados, de que os componentes da câmara prestarão mais atenção, ao ensejo do julgamento, em certo detalhe considerado relevante.
Como a pletora de feitos a serem julgados é extraordinária, qualquer subsídio útil e consistente deve ser recebido com bons olhos!
De fato, a despeito de conhecidos entraves opostos por uma minoria de desembargadores para se conseguir marcar dia e hora, a audiência com eles, em algumas situações específicas, pode realmente trazer o benefício esperado, sobretudo se o advogado for bem objetivo e se restringir a expor o ponto fático fulcral que justifica o contato pessoal com o magistrado. A experiência revela que o causídico não deve procurar os desembargadores do recurso para explicar matéria de direito, em razão do velho e sábio aforismo iura novit curia, vale dizer, da presunção de que o tribunal conhece as regras de direito!
Assim, de uma forma ou de outra, com ou sem dificuldades, embora despido de qualquer previsão legal, esse hábito está efetivamente arraigado em nossa prática forense, seja perante os tribunais estaduais e regionais federais, seja nos domínios dos tribunais superiores.
A rigor, atualmente, enquadra-se ele na perspectiva da cooperação das partes para a efetividade do processo, em todos os sentidos, a teor da regra do artigo 6º do Código de Processo Civil. É de ter-se presente, neste particular, que, além de circunstância de natureza técnica, que impõe a cooperação, valores de deontologia forense, sobrelevados pelos operadores do Direito — juízes, promotores e advogados —, também se inserem na esperada conduta participativa, dentre elas, a disposição do magistrado em ouvir as partes, por intermédio de seus respectivos procuradores.
Pois bem, atuando como árbitro, na esfera do processo arbitral já me ocorreu, pelo menos em duas recentes ocasiões, ser procurado pelo advogado de uma das partes, após o encerramento da instrução da causa, para a entrega pessoal de memoriais. E isso tudo, mesmo já tendo sido apresentadas as razões finais que, a exemplo de todos os arrazoados, são encaminhadas aos árbitros integrantes do tribunal arbitral!
É certo que nada há na literatura nacional e estrangeira acerca desta delicada questão.
Não é ocioso recordar que, no âmbito da arbitragem, as coisas se passam de forma um tanto diferente do que se verifica na jurisdição estatal. Em primeiro lugar, os árbitros que compõem o tribunal arbitral submetem-se necessariamente ao escrutínio das partes. Os árbitros, em regra, não se debruçam sobre uma verdadeira avalanche de processos. Por mais ocupado que o árbitro seja, ele certamente se lembra dos pormenores do caso, das pretensões das partes, das provas colhidas em audiência, até porque os atos processuais no procedimento arbitral se realizam, de um modo geral, em interregnos de tempo bem mais exíguos, se comparados com as vicissitudes do processo estatal. Ademais, ao presidente do painel arbitral cabe esquadrinhar a demanda e compartilhar com os outros coárbitros, que também já examinaram os autos, as suas impressões sobre as vertentes e consequências que a futura sentença irá conter. Em suma: a causa é debatida a fundo entre os integrantes do tribunal arbitral, normalmente composto por profissionais capacitados; sendo exceção, em nossa experiência jurídica, a arbitragem com árbitro único.
Com muita probabilidade, estes aspectos, conjugados, demonstram a absoluta inocuidade de o árbitro se reunir com o advogado da parte para receber memoriais. Entendo, pois, desnecessário e dispensável este expediente no iter do procedimento arbitral.
Estes importantes argumentos, contudo, longe estão de significar que o árbitro não possa ouvir, em caráter excepcional, o advogado de uma das partes que lhe pretende entregar em mãos memoriais escritos.
Todavia, como o árbitro não possui gabinete em próprio público, terá ele de tomar algumas cautelas que reputo inafastáveis. Havendo mesmo insistência do advogado, que não se satisfaz com a oferta das alegações finais e, ainda, com o protocolo dos memoriais na câmara arbitral, o árbitro, antes de mais nada, agendando dia e horário, deverá comunicar o ocorrido aos demais coárbitros. Em seguida, orientará a respectiva secretaria da câmara a informar os advogados da outra parte de que o árbitro agendou dia e horário — exclusivamente para a entrega de memoriais, nas dependências da instituição perante a qual o processo arbitral se desenrola — com o procurador do litigante adversário.
Recebidos os memoriais das mãos do causídico e possivelmente eventual esclarecimento adicional, na presença ou não do outro advogado, o árbitro solicitará à secretaria que junte a peça nos autos, providenciando a sucessiva remessa de cópia aos coárbitros e aos advogados da parte contrária.
Não se pode olvidar, por fim, que, para evitar qualquer dúvida, parece-me correto afirmar que a garantia do contraditório, expressamente contemplada no artigo 21, § 2º, da Lei 9.307/96, não implica o dever de o árbitro, fora dos atos procedimentais ordinários, designar audiência para o advogado da parte, a requerimento deste, visando a receber, em mãos, memoriais escritos.
Por José Rogério Cruz e Tucci, advogado. Professor Titular da Faculdade de Direito da USP. Membro da Academia Brasileira de Letras Jurídicas.
Fonte: Revista Consultor Jurídico, 27 de novembro de 2018, 8h00
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Arbitragem nos contratos de gestão das organizações sociais

Antes matéria incipiente na Administração Pública brasileira, a existência de compromissos arbitrais já é realidade nos contratos administrativos, usual e não limitadamente, nos contratos de concessões e nas parcerias público-privadas (PPP´s) de infraestrutura, alavancados principalmente em razão de previsão expressa nas respectivas legislações de regência[1]. Mas o que dizer do uso da arbitragem em diversas outras modelagens de parcerias existentes entre entes privados e públicos?
Neste artigo nos restringiremos a tratar de uma parceria bastante comum na área da saúde e da educação: os contratos de gestão, firmados entre entes privados, sem fins lucrativos, qualificados como organizações sociais – título outorgado quando preenchidos os requisitos estabelecidos em lei – e o Poder Público, regidos no âmbito federal pela Lei nº 9.637/98.
Atualmente, somente o Governo do Estado de São Paulo destina mais de R$ 5 bilhões para atendimento ambulatorial e hospitalar de saúde por meio de Organizações Sociais[2], números que expressam a grandeza e o vulto econômico do modelo, assim como a extensão de sua utilização.
Esta modelagem de parceria, decerto, remonta à implantação do modelo da denominada “administração gerencial” no Brasil, delineado pelo Plano Diretor da Reforma do Estado, cujo ápice foi a promulgação da Emenda Constitucional nº 19/1998, com um nítido foco na obtenção de resultados, através da descentralização, capilaridade na execução e salutar primazia ao princípio da eficiência.
Não obstante sua aceitação tenha se dado de forma gradual e após incessantes e intensos debates, como igualmente ocorreu com o uso da arbitragem na Administração Pública, hoje já conta com uma aceitação mais clara e afirmativa dos órgãos de controle, principalmente após o julgamento da constitucionalidade do modelo de OS pelo STF em 2015[3].
Nesta oportunidade, a Suprema Corte firmou o entendimento de que a natureza jurídica do Contrato de Gestão é diversa dos contratos administrativos, pois a ausência de contraposição de interesses afastou o seu caráter comutativo e o seu intuito lucrativo, o que tornou inaplicável, inclusive, o dever constitucional de licitar (CF, art. 37, XXI).
Todavia, mesmo sendo parceiros e com objetivos mútuos e indissociáveis, com o compartilhamento da governança do contrato –v.g., obrigatoriedade de membro do Poder Público na composição no conselho superior da Organização Social – as relações negociais entre o parceiro público e o parceiro privado comportam frequentes litígios que, por vezes, colocam em risco a continuidade da prestação de serviços públicos assistenciais, especialmente quando judicializados.
E, embora o interesse público seja preservado independentemente da parte vencedora do litígio[4], a morosidade dos meios empregados para tal resolução tem repercutido negativamente na consecução dos objetivos comuns e deturpado a real finalidade do Contrato de Gestão. Nada mais controverso do que uma parceria, com interesses convergentes, consubstanciada precipuamente na eficiência, deixar de propor formas alternativas e céleres de resolução de conflitos[5], restando muitas vezes à cargo do Poder Judiciário o deslinde dos litígios.
A busca de objetivos comuns, a essencialidade e a tecnicidade dos serviços prestados militam favoravelmente à adoção de compromissos arbitrais nos Contratos de Gestão. A arbitragem, indutora da eficiência nas relações contratuais, poderá propiciar a especialização, confiabilidade e celeridade no cumprimento das obrigações contratuais, encorajando e justificando sua adesão mesmo com custos financeiros mais elevados.
Dada a consolidação da arbitragem nos dias atuais e tendo o princípio da eficiência como norteador primaz destas parcerias, não nos parece sensato que até hoje sua utilização nos Contratos de Gestão ainda seja modesta, quiçá inexistente, mormente quando considerados todos os seus benefícios.
A complexidade técnica e necessidades sazonais de modificações de seu escopo são diferenciadas de outras parcerias com o Poder Público. Mesmo com um procedimento de seleção bastante simplificado, sem os rigores formais da licitação, o Contrato de Gestão apresenta um escopo negocial bastante extenso, diversificado e mutante, que engloba em um mesmo instrumento a gestão administrativa, financeira e de pessoal (inclusive a gestão de servidores públicos cedidos!), compras de insumos, contratação de obras e serviços de engenharia, aquisição de equipamentos, contratação de pessoal especializado, entre outras atividades, com a remuneração do contrato baseada no cumprimento de metas e indicadores de desempenho.
E com toda esta complexidade e grande movimentação financeira de recursos, o que se observa ainda hoje, na prática, é a existência de conflitos patrimoniais de importância ímpar à saúde financeira do parceiro privado relegados a um segundo plano, procrastinados pela Administração Pública durante toda a vigência da parceria, eclodindo de forma danosa quando do seu término, criando vultosos passivos – financeiros e trabalhistas –  e intermináveis litígios judiciais, prejudicando os futuros contratos que serão firmados e, por vezes, condenando a Organização Social ao encerramento de suas atividades assistenciais.
Não por outra razão, entendemos imprescindível a previsão de métodos de resolução de conflitos no Contrato de Gestão e o uso da arbitragem, com cláusula compromissória elaborada de forma a prever expressamente todos direitos patrimoniais que serão passíveis de seu uso. O descuido ou despreparo técnico na elaboração da cláusula poderá impedir ou dificultar em demasia a sua utilização, deslocando a incumbência ao Poder Judiciário[6].
Dentre as matérias que deverão ser elencadas no compromisso arbitral dos Contratos de Gestão, valoradas com o impacto financeiro de sua adoção, não deixaríamos de destacar, por exemplo, os ressarcimentos decorrentes do desequilíbrio econômico-financeiro do contrato,  decorrentes de alterações contratuais, aumentos sazonais dos serviços assistenciais prestados, aumentos dos valores dos insumos e dissídios coletivos das categorias profissionais superiores aos índices contratuais (quando previstos) e as indenizações de ilícitos contratuais e extracontratuais, decorrentes da inexecução dos serviços, rescisão contratual, inadimplementos financeiros e dos inadimplementos normativos. Outras matérias contratualmente conflitantes, de igual vulto e de natureza patrimonial, também deverão ser consideradas de acordo com as especificações do escopo do contrato.
No tocante ao custo financeiro da arbitragem, esse poderá ser oriundo de reserva financeira específica, com percentual fixo decorrente das verbas mensais dispendidas em favor da Organização Social ou do saldo decorrente entre o valor efetivo do contrato e o valor orçamentariamente reservado, similar às reservas financeiras emergenciais previstas no artigo 17, inciso II, do Decreto Federal nº 9.190/17.
Poderão também servir da aludida reserva financeira os ressarcimentos e indenizações decorrentes das respectivas sentenças arbitrais, restituídas de modo espontâneo e voluntário pelo Poder Público que, em uma visão doutrinária mais contemporânea e mais atenta à realidade atual, estariam dispensadas da expedição de precatórios ou Requisição de Pequeno Valor -RPV (artigo 100 da CF) em razão da existência de previsão dos recursos na lei orçamentária anual (artigo 167, II, da CF), o que remediaria qualquer possibilidade de descontinuidade dos serviços assistenciais em decorrência do endividamento indevido da parceira privada.
Nada mais afinado ao princípio da eficiência – um dos elementos basilares do modelo da administração gerencial – que a adoção da arbitragem nos contratos de gestão, cuja agilidade na resolução dos conflitos trará a preservação da eficácia esperada nestas parcerias e um maior êxito no cumprimento de suas finalidades e na cooperação entre as partes, ampliando os resultados positivos hodiernamente registrados, principalmente na área da saúde em prol do fortalecimento do Sistema Único de Saúde (SUS).
Desse modo, em que pese sua adoção ser juridicamente possível e com aplicação imediata, restando ao gestor público e à advocacia pública os estudos prévios e desígnio em sua utilização, não restam dúvidas de que o momento é propício para que a arbitragem e outros métodos alternativos de resolução de conflitos sejam incorporados na legislação das Organizações Sociais.
Atualmente tramita na Câmara dos Deputados, depois de aprovado no Senado Federal, o Projeto de Lei nº 10720/2018[7] (origem PLS nº 427/2017) de autoria do Senador José Serra, que propõe alterações na Lei Federal nº 9.637/98, bem como projeto de lei[8] com a mesma finalidade na Assembleia Legislativa de São Paulo para alterações da lei estadual atualmente vigente, proposições que ainda poderiam albergar tais alternativas.
Finalmente e, sem o intuito de esgotar a matéria, o presente artigo tem, ao certo, o objetivo de indicar soluções para um modelo de parceria que, como já dito, é vastamente utilizado por diferentes entes da federação e que já proporciona resultados comprovadamente positivos, mas que, passados mais vinte anos de sua existência, padece de ajustes, notadamente justificados pelos avanços do direito administrativo brasileiro nestes últimos anos.
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[1] Neste sentido, hoje debate-se vividamente previsão, adequação e uso cada vez mais intenso da arbitragem nos contratos públicos. Mais do que isso, o Estado vem discutindo fortemente a ampliação do uso da arbitragem como método preferencial de resolução de litígios contratuais, o que denomino escolha estratégica pela arbitragem. E para determinados tipos de contratos públicos firmados em setores regulados específicos – a exemplo dos contratos de parceria oriundos de relicitação administrativa prevista na Lei Federal 13.448/17 – a arbitragem revela-se não somente uma possibilidade, mas tem caráter obrigatório. Cf. OLIVEIRA, Gustavo Justino de. A Agenda da Arbitragem com a Administração Pública: “Mais do mesmo” ou há espaço para inovação? In Contraponto Jurídico – Posicionamentos divergentes sobre grandes temas do DireitoRevista dos Tribunais Thomson Reuters, p. 30/31.
[2] Valores retirados da Lei Estadual nº 16.646, de 11 de janeiro de 2018 – Lei Orçamentária Anual 2018
[3] ADIN nº 1923/DF –  Íntegra do voto.
[4] Neste ponto entendemos não haver partes diametralmente opostas na lide. As exigências específicas para outorga do título de Organização Social, como a obrigatoriedade de investimento de seus excedentes financeiros no desenvolvimento das próprias atividades, incorporação do patrimônio do ente privado ao Poder Público no caso de extinção, a previsão de membro do Poder Público nos órgãos de deliberação superior do ente privado, entre outras elencadas no artigo 2º da Lei Federal nº 9.637/98, e replicados em outras legislações sobre Organizações Sociais, de certa forma preservam o interesse público, independentemente da parte vencedora do litigio.
[5] A Lei Federal nº 13.019/14, conhecida popularmente como “Marco Regulatório do Terceiro Setor”, determina a obrigatoriedade de prévia tentativa de solução administrativa antes da judicialização dos conflitos, nos termos do seu artigo 42, inciso XVII.
[6] Tratar uma arbitragem que envolva a Administração Pública como se fosse uma arbitragem comercial comum impõe riscos quase que inevitáveis de judicialização dos procedimentos. Assim, o procedimento arbitral deve se revestir de recursos que permitam acomodar o regime jurídico de direito público, em diferentes intensidades, a depender da natureza jurídica do ente estatal envolvido. (OLIVEIRA, Gustavo Justino de. Op. cit, pg. 39)
[7] http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2182926
[8] https://www.al.sp.gov.br/propositura/?id=1000232121
Por Gustavo Justino de Oliveira – Professor de Direito Administrativo na Faculdade de Direito da USP. Árbitro, advogado e consultor em Direito Público. E Daniel Bulha de Carvalho – Especialista em Direito Público pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Graduado em Ciências Jurídicas e Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Advogado e Consultor Jurídico na área de Direito Público, com ênfase no Terceiro Setor.
Fonte: Jota – 15/11/2018
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STJ confirma a extensão da convenção de arbitragem em contrato principal a contratos coligados

O STJ confirmou decisão do TJ/SP que admitira a aplicação da cláusula de arbitragem fixada em contrato principal aos contratos a ele acessórios, ainda que estes estabelecessem a via judicial para a solução dos litígios deles decorrentes.
No caso, tratou-se de um contrato de abertura de crédito, com convenção de arbitragem (contrato principal). Em cumprimento ao contrato principal, foram celebrados outros tantos contratos, estes sem a convenção de arbitragem.
Tais contratos foram considerados pelo STJ como coligados ao contrato principal, uma vez que as obrigações neles estabelecidas decorriam diretamente daquele, encerrando uma unidade de interesses, principalmente econômicos.
Nos contratos coligados ou conexos, há a agregação de vários negócios para a viabilização de uma única operação econômica. São dotados de autonomia, preservando suas características, peculiaridades e efeitos, muito embora, isoladamente, cada contrato não viabilize o interesse dos contratantes.
Agregados, porém, formam uma unidade econômica, num sistema de coligação contratual em que o contrato principal determina as regras que deverão ser seguidas pelos demais instrumentos que a este se ajustam, não se mostrando razoável, segundo o entendimento do STJ, que a convenção de arbitragem inserta no contrato principal não tenha seus efeitos estendidos aos demais.
(REsp. 1.639.035/SP, 3ª Turma, j. 18/9/18, negaram provimento, por maioria)
Por Anna Christina Jimenez Pereira, advogada e sócia do escritório Duarte Garcia, Serra Netto e Terra – Sociedade de Advogados.
Fonte: Migalhas, quarta-feira, 7 de novembro de 2018
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