Averbação pré-executória serve de espaço para diálogo entre PGFN e contribuinte

Averbação pré-executória serve de espaço para diálogo entre PGFN e contribuinte




Na atual conjuntura em que termos como pacificação dos conflitos, difusão da cultura da mediação, busca pela solução autocompositiva, do diálogo entre as partes, mais explicitamente do princípio da cooperação, textualizado no artigo 6º do Código de Processo Civil, solidificando o dever de cooperação na busca por solução, independentemente do interesse (no desfecho a favor da parte), a Lei 13.606, de 2018, expõe as vísceras da desconfiança e reatividade que pautam a relação entre contribuinte e administração tributária.
Efetivamente, nada obstante a necessidade de regulamentação das alterações promovias pela Lei 13.606, publicada no Diário Oficial da União de 10 de janeiro deste ano, no que diz respeito aos artigos 20-B e 20-C da Lei 10.522/02, a teor do artigo 20-E, uma avalanche de críticas e pechas foram lançadas, de forma passional, em detrimento de um ponto isolado destacado de um conjunto harmonioso e orgânico que objetiva romper com o paradigma de litigiosidade.
De forma paradoxal, nada obstante o artigo 25 da Lei 13.606, de 2018, tenha trazido inovações à Lei 10.522, de 2002, inserindo-as logo após os artigos 18 e 19, reputados as cláusulas fundamentais da política institucional de redução de litigiosidade, atuação racional, eficiente e efetiva, de respeito aos precedentes e aos direitos reconhecidos judicial ou administrativamente aos contribuintes, nas primeiras horas foi objeto de cruzada judicial precipitada: ação popular em patente desvio de finalidade, já extinta, mandado de segurança coletivo e outros tantos individuais, todos contra lei em tese e afrontando Súmula 266 do STF e, até o momento, duas ADIs.
Ou seja, mesmo sendo inegável o espectro de regulamentação do artigo 20-E da Lei 10.522, de 2002, muito mais amplo do que se poderia intuir de uma primeira leitura apressada, porquanto ele sinaliza no sentido da existência de um microssistema de cobrança da Dívida Ativa, atribuindo organicidade a um conjunto de dispositivos e leis esparsas, limitou-se a celeuma a uma parcela de inciso de parágrafo de artigo de lei isolado.
A rigor, na concepção desse microssistema, a regulamentação de que trata o artigo 25-E deve levar em consideração não apenas o regramento desde o nascimento da Dívida Ativa enquanto crédito devidamente inscrito após rigoroso controle de legalidade até às ultimas providências da cobrança judicial que, invariavelmente, resultará na extinção do crédito, seja pela satisfação, seja pela prescrição, mas a moldura e limite legal desse instituto duramente questionado, segundo os limites atribuídos por esse mesmo conjunto normativo.
Mesmo nesse cenário, inegavelmente decorrente da relação conflituosa, fruto da cultura do litígio que se pretende superar, críticas manifestamente infundadas são lançadas, nada obstante pudessem ser evitadas pela singela reflexão de parte a parte.
Por exemplo, insinuações de “contrabando legislativo”, são sintomas desse estado de coisas: administração tributária supostamente tachando todo devedor de sonegador, contribuinte vislumbrando a sanha arrecadatória, quase expropriatória, em cada ato da administração.
Afora a visão turvada por esse estado de coisas, é de se reconhecer a ausência de seriedade dessa suposta mácula, pois a alteração legislativa é fruto de Projeto de Lei autônomo, discutido de forma legítima pelo Congresso Nacional. O fato de ter existido uma Medida Provisória, cujo teor contemplava parcela de texto do PL 9.206/2017 (CD) e PLC 165/2017 (SF), tendo perdido a vigência em momento anterior ao início do processo legislativo ordinário, não conduz à conclusão de que houve tráfico legislativo. A bem da verdade, o que se tem é desconhecimento histórico do processo legislativo que culminou na aprovação da Lei 13.606/2018.
Também não se revela coerente a aplicação do precedente qualificado firmado pelo STF na ADI 5.127/DF no que toca à pertinência temática dos dispositivos. Naquela oportunidade, o Supremo Tribunal Federal rechaçou a prática odiosa de inserção de matéria absolutamente estranha ao objeto da Medida Provisória por meio de emenda parlamentar em projeto de conversão.
A averbação pré-executória, diferentemente do quanto dito, não foi medida “sorrateiramente” inserida em projeto de lei de conversão de medida provisória, desprovido de pertinência temática, mas fruto de debate legítimo no seio de ambas as casas legislativas, estando integralmente amparada pela Constituição e pelos Regimentos Internos da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, alinhada, ainda, com a política externa brasileira, sendo demanda do início do processo de aceitação do Brasil na qualidade de membro da OCDE.
Não fosse absolutamente inaplicável à espécie o quanto decidido na ADI 5.127/DF, mesmo quanto ao mérito, não se pode negar que há, inegável e invariavelmente, pertinência temática entre os dispositivos inseridos na Lei 10.522, de 2002, pela Lei 13.606, de 2018, com as previsões inerentes ao parcelamento de dívidas rurais.
Parcelamentos excepcionais, como o concebido pela Lei 13.606, de 2018, são reflexo da falência do modelo atual de cobrança da Dívida Ativa, sintomas da grave crise de efetividade da prestação da tutela jurisdicional nesse particular, conjugado com a ineficiência dos meios de cobrança, alta carga tributária e morosidade na obtenção dos recursos, o que, em cenários econômicos negativos, importam em passivo tributário não raro impagável. A previsão do mecanismo, em lei que traz consigo renúncia fiscal e novo parcelamento, atende a recomendação do Tribunal de Contas da União (Acórdão TCU 1320/2017).
De outro giro, diversamente de poderes desarrazoados atribuídos ao Estado, que poderia regulamentar a averbação pré-executória ao seu alvedrio, a regulamentação para além dos artigos 20-B e 20-C da Lei nº 10.522, de 2002, deve se pautar na adequada contextualização dessas previsões, alinhando-as a normativos outros que constituem o microssistema de cobrança, que impactam diretamente nesse conjunto, atribuindo organicidade e coerência e, como dito, aquela providencial inserção nas normas que sinalizam a redução de litigiosidade como valor institucional da PGFN.
Nesse diapasão, para além da averbação apenas materializar a garantia do crédito tributário insculpida no artigo 185 do Código Tributário Nacional, ou seja, estar ali definido os limites do instituto, todas as demais previsões desse microssistema (em especial aquelas voltadas à redução da litigiosidade) deverão ser prestigiadas.
Portanto, invariavelmente, a regulamentação evoluirá o conceito de atuação racional e eficiente, com o objetivo de reduzir a litigiosidade, internalizando à esfera administrativa questões em relação às quais, em juízo, não se sustentaria a atuação. No contexto normativo-sistemático, avança-se para além de redução de litigiosidade, mas para impedir o surgimento do litígio. Nesse particular, avanços inegáveis aos contribuintes.
Exemplificadamente, inserida no microssistema que se defende, a medida contribuirá para o ideal de redução da litigiosidade, implicando na desjudicialização da questão relativa ao manejo de medidas cautelares (tal qual concebidas no revogado Código de Processo civil – CPC/73) de antecipação de garantia, importando na internalização, por meio da regulamentação, de que trata o artigo 20-E da Lei 10.522, de 2002, do quanto decidido pelo Superior Tribunal de Justiça no bojo do REsp 1.123.669/RS, submetido ao rito dos recursos repetitivos.
Isso porque, se de fato estamos diante de um conjunto harmonioso e orgânico, bem como se defende a leitura não isolada de parcela de inciso de parágrafo de artigo, e é real a pretensão de mudança do paradigma de relacionamento entre PGFN e contribuinte, outra não pode ser a consequência da regulamentação da averbação pré-executória, atribuindo aos contribuintes que pretendam discutir e garantir o débito meios para fazê-lo, sem se submeter a medida, com finalidade específica. Assim, para além de evitar a averbação, obter-se-á Certidão Positiva com efeitos de Negativa, nos termos do artigo 206 do CTN por imposição do precedente do STJ.
Se é real a finalidade da averbação, portanto servindo ao papel dúplice, evitando a fraude e instrumentalizando a garantia do crédito (artigo 185 CTN) no regime de ajuizamento seletivo (art. 20-C da Lei 10.522/02), certamente admitir-se-á não apenas a comprovação da “reserva de patrimônio suficiente para garantir a Dívida” (parágrafo único do artigo 185 CTN), como a vigência exclusivamente no período entre sua prática e o ajuizamento, que deve ter prazo certo.
Assim, solidificar-se-ia a real finalidade e abrangência da averbação pré-executória: mera prática de ato notarial em registro imobiliário, de condição que interessa a terceiro, com finalidade precípua de tutelar o direito de outrem, a segurança jurídica, a indisponibilidade do interesse público, a eficiência, racionalidade, proporcionalidade, devidamente precedido de procedimento administrativo garantista. Resta evidente, sob essa ótica, que a averbação pré-executória é mero instrumento de materialização da garantia do crédito tributário consubstanciada no artigo 185 do CTN.
Avançando-se, inegável que dever-se-ia aceitar a comprovação da aquisição em momento anterior à inscrição, mesmo que desprovido o ato de registro ou averbação na matrícula do bem, alinhando-se, na esfera administrativa, o regulamento à Súmula da AGU 52, de 3 de setembro de 2010, de eficácia vinculante, que dispõe: “É cabível a utilização de embargos de terceiros fundados na posse decorrente do compromisso de compra e venda, mesmo que desprovido de registros”.
Nada disso funcionará ou se materializará ausente a abertura da instituição ao atendimento aos advogados, pleito legítimo e histórico da Ordem dos Advogados do Brasil à PGFN, contribuintes e terceiros.
Nessa breve inserção, sob a ótica não da cultura do litígio, do perde-perde, mas buscando a adequação das disposições da Lei 13.606, de 2018, com a cultura da pacificação, da redução da litigiosidade, da presunção de boa-fé objetiva e do respeito ao princípio da cooperação, vê-se que a pecha de draconiano ou desproporcional, atribuída à averbação pré-executória sucumbem de imediato.
A bem da verdade, o que se espera, de parte a parte, nesse relacionamento historicamente conturbado, de conflito e pouca convergência, é que não se perca a chance histórica de alteração desse estado de coisas, que as pré-concepções impeçam os indispensáveis e urgentes avanços e mudanças de postura no relacionamento entre contribuintes, devedores e PGFN.
Aguarda-se, como se disse, que sejam abstraídas as críticas infundadas que poderiam degradar ainda mais a relação conflituosa e, de maneira revolucionária, contribuintes e PGFN convirjam na busca de uma atuação racional e eficiente, com o objetivo de reduzir a litigiosidade, avança-se para além da mera redução, impedindo o surgimento do litígio, para, sedimentada a relação de confiança mútua, possa se caminhar sentido a ganhos ainda maiores, com a inserção das partes na seara da autocomposição, seja pela mediação, conciliação ou transação.
Fato é que, sem a sedimentação dessa nova postura e superação da cultura do litígio, da desconfiança, que é exposta no case da averbação pré-executória, fatalmente estaremos nos distanciando dessa fronteira hoje aparentemente distante: diálogo entre contribuintes e PGFN. É evidente o ganha-ganha, o ciclo virtuoso, decorrente dessa alteração de posturas.
Por Rogério Campos, procurador da Fazenda Nacional, Coordenador-Geral da Representação Judicial da Fazenda Nacional (2016/17), com atuação no escritório avançado de consultoria e estratégia da representação judicial da PGFN na 3ª Região – SP/MS. E Daniel de Sabóia Xavier, Procurador da Fazenda Nacional, coordenador-geral de grandes devedores da PGFN e idealizador do projeto de lei que prevê a averbação pré-executória.
Fonte: Revista Consultor Jurídico, 9 de fevereiro de 2018, 7h45
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