Os procedimentos de recuperação judicial e extrajudicial foram criados para contribuir na manutenção e reestruturação de empresários que tenham passado por adversidades e enfrentam uma crise financeira. Dessa forma, busca-se trazer incentivos para a renegociação da dívida entre o empresário recuperando e os seus credores.
Especificamente sobre a modalidade extrajudicial, esta é regulada pelos artigos 161 a 167 da Lei 11.101/2005, sendo que as suas principais diretrizes, para o escopo do presente artigo, são a vinculação dos créditos até o momento do pedido da homologação do plano — com exceção dos trabalhistas e tributários —, vedação ao tratamento desfavorável ou antecipação de pagamento e a possibilidade de homologação judicial com a vinculação de credores.
Assim sendo, partindo de um impulso do empresário recuperando e seus credores, é necessária uma composição entre as partes para que a situação crítica da empresa possa ser superada. Esse movimento irá culminar na confecção do plano de recuperação extrajudicial, o qual expressará as condições das negociações realizadas entre as partes.
Portanto, com a natureza contratual do instrumento, indaga-se se a prerrogativa legalmente prevista comportaria o estabelecimento de cláusula compromissória de arbitragem para a eventual resolução de conflitos relacionados ao conteúdo do plano.
Com efeito, é necessário pontuar que a arbitragem é um dos meios alternativos — ou adequados — de resolução de conflitos, cujo objetivo é transferir a competência a um árbitro ou tribunal arbitral para a resolução de um litígio instaurado entre as partes contratantes. A adoção desse meio poderá ocorrer por convenção arbitral, seja posterior ao conflito, a partir do compromisso arbitral, ou seja anterior, por meio da cláusula compromissória.
A arbitragem mostra-se como uma interessante alternativa para a resolução de um conflito, uma vez que traz a possibilidade de as partes indicarem um julgador que tenha o conhecimento técnico aprofundado sobre uma determinada área, bem como poderá prever a confidencialidade do procedimento, ao contrário da regra que se impõe na jurisdição estatal.
No plano de recuperação extrajudicial, infere-se que a arbitragem figura como uma importante ferramenta para a celebração de um acordo, vez que as soluções encontradas pelas partes, frequentemente, versam sobre matérias complexas que envolvem o nicho específico que o empresário atua.
Dessa forma, para que se possa verificar a possibilidade da adoção da arbitragem a partir do consentimento das partes no plano de recuperação extrajudicial, é necessário observar, primeiramente, se os requisitos da arbitrabilidade objetiva e subjetiva estariam cumpridos.
O requisito objetivo vincula-se à matéria que será submetida à arbitragem. De acordo com a parte final do caput do artigo 1º da Lei nº 9.307/1996, o litígio que poderá ser submetido ao método de resolução de conflitos é aquele que versa sobre direitos patrimoniais disponíveis. No caso dos planos de recuperação, é certo que o requisito está preenchido, uma vez que os créditos objeto do documento serão somente aqueles que podem ser dispostos por seus detentores, dada a natureza contratual do plano.
Por sua vez, a arbitrabilidade subjetiva volta-se à pessoa que está vinculada à arbitragem. De acordo com o início do caput do artigo 1º da Lei de Arbitragem, somente as pessoas capazes de contratar poderão submeter o litígio a esse método. No âmbito do plano, o requisito se constata prima facie, em virtude de que os débitos do empresário somente poderão advir de partes que eram capazes de contratá-lo à época de sua constituição.
Partindo-se, assim, somente das normas atinentes à regulação da arbitragem, infere-se a possibilidade de se submeter os litígios decorrentes do plano de recuperação extrajudicial a um tribunal arbitral, já que, a partir da autonomia da vontade do empresário recuperando e dos seus credores, as partes capazes de contratar expressaram o seu consentimento para o direcionamento à jurisdição privada.
Portanto, é certo que as partes e o objeto do eventual do litígio são arbitráveis e o empresário recuperando e os seus credores poderão prever no plano de recuperação a cláusula compromissória. O grande questionamento surge a partir da aplicação do disposto no artigo 163 da Lei nº 11.101/2005 para a vinculação dos credores ao plano.
A norma destacada disciplina que o empresário recuperando poderá realizar pedido em juízo de homologação do plano de recuperação extrajudicial vinculante a todos os credores, desde que metade destes de cada classe tenham concordado com o conteúdo do instrumento. Diante disso, questiona-se: o consentimento de 50% dos credores seria suficiente para vincular todos os demais à arbitragem?
Por um lado, é possível entender que a ausência de consentimento por todos os credores afetaria o elemento essencial do negócio jurídico que submete o litígio à arbitragem, qual seja o consentimento a partir da convenção arbitral. Logo, uma parte considerável dos credores não poderia analisar a viabilidade e demonstrar o seu interesse pelo juízo arbitral, o que tornaria nula a convenção.
Contudo, por outro lado, com a alteração da Lei de Recuperação Judicial, Extrajudicial e Falências em 2020 (Lei nº 14.112/2020), o legislador trouxe expressamente no artigo 189, §2º, por intermédio do qual as partes poderão realizar negócios jurídicos processuais, sendo que nesses casos a deliberação e decisão pelos credores acerca dos assuntos aplicáveis à questão se daria pelo voto favorável da maioria de cada classe.
Nesse sentido, em recente julgado, o Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, no julgamento da Apelação Cível nº 0016755-47.2019.8.16.0185, decidiu no sentido de reconhecer a validade da cláusula compromissória inserido no plano de recuperação extrajudicial homologado judicialmente e vinculado a todos os credores.
Em suas razões, o desembargador relator Marcelo Gobbo Dalla Déa argumentou que a competência do Poder Judiciário é somente em relação ao preenchimento dos requisitos legais do instrumento, sem poder adentrar nas questões negociais do plano.
Ademais, asseverou: “Considerando que a convenção de arbitragem é um negócio jurídico processual típico, sendo uma faculdade de partes livres para contratar a fixação de cláusula que preveja a jurisdição arbitral para eventuais litígios, cabível sua inclusão no plano de recuperação extrajudicial sem que isto represente uma violação à legislação, mesmo que sem a anuência individual de determinado credor quando a maioria dos credores o aprovar”.
Portanto, percebe-se que esse entendimento se volta ao aspecto da permissão que a norma traz, seja pela realização de um negócio jurídico processual ou pela previsão expressa que o legislador trouxe de afastar a necessidade de consentimento de todos os credores para a vinculação ao plano. A modificação legislativa da LRF trouxe requisitos enaltecedores da autonomia da vontade das partes, acolhendo uma das premissas mais relevantes da arbitragem, colmatando-o com a principiologia da recuperação judicial a respeito da vontade coletiva em detrimento da individual.
Assim, é possível concluir que a questão será objeto de discussão jurisprudencial, diante dos entendimentos diversos possíveis sobre a matéria, sendo necessário o acompanhamento do movimento dos tribunais para consolidar o entendimento sobre o tema.
Por Daniel Maffessoni Passinato Diniz, sócio do escritório Passinato & Graebin – Sociedade de Advogados e professor de Direito para Startups, M&A e Arbitragem na FAE Business School.
Fonte: Revista Consultor Jurídico, 19 de dezembro de 2021, 17h15
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Um dos piores efeitos decorrentes de um sistema tributário caótico e complexo é, sem dúvida, o desgaste da relação entre o Fisco e os contribuintes. Há anos isso é assim.
Em meio ao cenário de caos normativo, insegurança jurídica, morosas batalhas judiciais, absoluta incerteza quanto aos conceitos legais e de extrema complexidade para cumprimento das obrigações impostas, ambas as partes se acostumaram a enxergar na outra um adversário, um oponente e, até mesmo, um inimigo.
Sem a necessária confiança mínima que permita o tão importante diálogo entre as partes, se afigura cada vez mais distante a implementação de soluções salutares para os inúmeros conflitos que surgem, de modo a servir como alternativa aos custosos e, muitas vezes, ineficientes processos judiciais.
Por esse motivo, é de extrema valia a tentativa de introdução da arbitragem como método de solução (ou de prevenção) dos litígios na esfera tributária.
Além dos positivos aspectos inerentes a esse já consagrado método, representa a possibilidade de resgate de um diálogo mais amplo e menos beligerante entre as partes que compõem a obrigação tributária.
Contudo, para que alcance o nobre objetivo a que se propõe e para que seja eficaz na valiosa missão de solucionar conflitos com menor custo, tempo e desgaste, é fundamental que seja definido, com clareza, o rumo que a arbitragem tributária brasileira pretende percorrer, devendo ser assegurada a amplitude em seu objeto, escopo e meta.
Atualmente, há dois projetos de lei que visam à introdução desse método em nosso sistema. Apesar de tratarem, objetivamente, do mesmo tema, são propostas totalmente distintas desde o conceito até a forma e o procedimento.
O primeiro deles, o projeto de Lei 4.257/2019, de autoria do senador Antonio Anastasia, tem por foco a utilização da arbitragem para solução de litígios relativos a créditos tributários já constituídos e em fase de execução fiscal.
Isso porque, de acordo com o texto original do projeto, é permitido ao devedor em processo de execução fiscal (executado) optar pela adoção de juízo arbitral, desde que a execução esteja garantida por depósito em dinheiro, fiança bancária ou seguro-garantia.
O segundo projeto em tramitação, que recebeu o número 4.468/2020 e é de autoria da senadora Daniella Ribeiro, trata, por sua vez, dos créditos tributários ainda não formalmente constituídos (fase prévia ao lançamento), na medida em que permite a instauração de procedimento arbitral durante o curso de procedimento de fiscalização com vistas exclusivamente à solução de controvérsias sobre matérias de fato.
Sem adentrar nos diversos aspectos técnico-jurídicos que podem (e devem) ser objeto de análise e críticas mais aprofundadas em cada um dos projetos visando à sua melhoria, é nítida a distinção conceitual entre eles.
Enquanto o primeiro sugere a introdução da arbitragem como método de solução de um conflito pré-existente, o segundo intenciona adotar instrumento de prevenção do próprio conflito.
A diferença entre as propostas é tamanha que não permite sequer uma análise comparativa que as coloque em grau de superioridade qualitativa ou de eficácia.
Por outro lado, de tão dissemelhantes que são, autorizam a reflexão quanto a uma eventual reunião das propostas apresentadas em torno de um único projeto de lei, que resultaria em estabelecer um rumo de maior amplitude para a arbitragem tributária brasileira, assegurando, ainda, durante o processo de tramitação legislativa uma discussão mais abrangente sobre como garantir eficácia profusa à ela.
Nesse cenário de análise ampliada, para além da junção de ideias distintas em forma, mas semelhantes em objetivos, surgiria a possibilidade de incorporação, em ambos os projetos, de ideias que já vem sendo discutidas separadamente com vistas a assegurar eficácia e efetividade ainda maiores ao instituto, tais como: 1) a ampliação das formas de garantia das execuções; 2) a redução das hipóteses para revisão da sentença arbitral no que diz respeito ao primeiro projeto e, ainda; e 3) a ampliação do objeto material do segundo projeto para inclusão das matérias de direito.
Diante da gravidade do problema de litigiosidade na relação tributária brasileira, não soa razoável o enorme esforço legislativo que vem sendo feito para introduzir a arbitragem tributária de maneira acanhada e com tantas restrições, que acabam por transformar esse importante instituto em um remédio paliativo.
Por Henrique Corredor Barbosa, sócio responsável pela área tributária do escritório Raphael Miranda Advogados.
Fonte: Revista Consultor Jurídico, 26 de novembro de 2021, 12h09
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Historicamente, a figura do “bom” advogado sempre foi atribuída àquele que possuía uma postura combativa, que afrontava a outra parte e seu representante legal, deveria manter um discurso firme, nenhuma concessão e ter um único objetivo: vencer o processo. O advogado foi ensinado, ainda que na prática, que o correto era lutar pelos interesses de seu cliente até o fim, custe o que custar, observados os limites da lei, para seu destaque e reconhecimento profissional.
Conforme ensinam Bárbara Gomes Lupetti Baptista e Klever Paulo Leal Filpo [1], “a formação dos advogados está bastante marcada por práticas de litígio e de combate, materializadas no contencioso, que valoriza positivamente uma atuação mais aguerrida desses profissionais na defesa dos interesses dos seus clientes”. Neste contexto, destacam que o próprio princípio do contraditório, base do processo judicial, pressupõe uma lógica de que seria dever das partes discordar e litigar até o infinito, diante da incapacidade de construir uma ponte de comunicação, transferindo à figura do Juiz o poder de decisão final acerca do conflito apresentado.
No entanto, percebendo que os resultados obtidos nas batalhas judiciais não satisfaziam integralmente os envolvidos na causa nem mesmo quando alcançam a tutela pretendida, alguns profissionais, cansados do modus operandi da advocacia tradicional, iniciaram estudos e desenvolveram, no decorrer das últimas décadas, diferentes métodos alternativos que visam o protagonismo das partes para que encontrem juntas a solução do dilema travado.
Em que pese tais práticas estivessem sendo utilizadas no Brasil em período anterior, isso porque a própria Lei da Arbitragem [2] é de 1996, verifica-se que somente em 2010 o Conselho Nacional de Justiça, através da Resolução nº 125, passou a obrigar o Poder Judiciário a ofertar soluções consensuais às partes. Nessa senda, ressalta-se como importante marco histórico no reconhecimento dos métodos alternativos de resolução de conflitos, também conhecido pela sigla ADR, iniciais do termo em inglês Alternative Dispute Resolution (Resolução Alternativa de Litígios), o advento do Novo Código de Processo Civil em 2015, o qual estabeleceu como uma de suas tarefas o incentivo de tais práticas que privilegiam a autocomposição.
Dentre os métodos alternativos de autocomposição previstos no ordenamento jurídicos brasileiro, pode-se destacar a conciliação, a mediação e as práticas colaborativas, em relação aos quais cumpre tecer algumas breves considerações.
De acordo com o Código de Processo Civil em seu artigo 166 [3], a conciliação e a mediação são regidas pelos princípios da independência, da imparcialidade, da autonomia da vontade, da confidencialidade, da oralidade, da informalidade e da decisão informada. Em relação ao conciliador, pressupõe-se que sua atuação se dará, preferencialmente, nos casos em que não houver vínculo anterior entre as partes, podendo sugerir soluções para a controvérsia. Já o mediador, ao contrário, privilegiará atuar nos casos em que houver vínculo entre os interessados, auxiliando-os a compreender as questões e os interesses do conflito, de modo que eles possam, pelo restabelecimento da comunicação, identificar, por si próprios, soluções consensuais que gerem benefícios mútuos.
Frisa-se que ambos os procedimentos são regidos conforme a livre autonomia dos interessados, inclusive no que diz respeito à definição das regras procedimentais e podem ser realizados de forma “pré-processual’ ou requeridos ao longo da tramitação da demanda judicial, a qualquer tempo.
Por fim, quanto as práticas colaborativas, afirma-se que se trata de um método em que as partes contam com a ajuda de uma equipe multidisciplinar que, em um ambiente negocial, confidencial e pautadas na boa-fé, na transparência e na recusa à litigância, auxiliam na construção de uma solução que seja benéfica a todos.
Em suma, a ideia principal dessas alternativas à judicialização dos conflitos é de um “tribunal multiportas”, que retira do judiciário a exclusividade da satisfação das necessidades das partes e o protagonismo da tomada das decisões.
Para o sucesso da adoção de tais medidas, é indispensável que os envolvidos efetivamente acreditem ser este o melhor caminho a seguir, ou seja, que todos estejam efetivamente comprometidos ao diálogo respeitoso e, neste sentido, a mudança da tradicional cultura combativa por parte dos advogados dá espaço a uma nova conduta colaborativa, em prol da satisfação de todos e não somente do seu cliente, mas principalmente com foco em colocar fim ao impasse, o que nem sempre ocorre a partir da decisão judicial.
Conduzir os clientes para a resolução efetiva do conflito, oportunizando a utilização de métodos que promovam a minoração dos danos emocionais, especialmente presentes em situações que envolvam o fim de um relacionamento — empresarial, amoroso ou familiar de modo geral — e buscar o que de fato as partes necessitam, deve ser o balizador do trabalho de um advogado.
Em verdade, recorrer ao Poder Judiciário e aguardar — por longo período — a decisão de um terceiro sobre a controvérsia levada à juízo, não garante sua efetiva solução. Mas, ao contrário, se às partes for oportunizado dialogar, refletir, identificar a origem daquele conflito, além de estarem acompanhadas de profissionais empenhados na satisfação das reais necessidades dos interessados, os envolvidos terão condições suficientes para uma tomada de decisão assertiva.
Por isso, embora muitas vezes a auto responsabilização seja um processo doloroso para os indivíduos, que passam a repelir qualquer oportunidade de olhar pra si e apresentam maior dificuldade ou até mesmo rejeitam submeterem-se aos métodos consensuais, acredito que tais alternativas de solução de conflitos devem ganhar um espaço cada vez maior no cotidiano jurídico, a fim de oferecer aos cidadãos ferramentas para que eles mesmos decidam sobre as questões atinentes as suas vidas e alterem suas condutas, incentivados e acompanhados por advogados colaborativos.
[1] BAPTISTA, Bárbara Gomes Lupetti; FILPO, Klever Paulo Leal. Entre a Cooperação e a o Combate: O Papel do Advogado na Mediação, em Perspectiva Comparada (Rio de Janeiro e Buenos Aires). Brasília: Revistas de Formas Consensuais de Solução de Conflitos, v. 2, nº 1, Jan/Jun. 2016, p. 46. Disponível em: https://www.indexlaw.org/index.php/revistasolucoesconflitos/article/view/1125. Acesso em: 08 mar. 2021.
[2] Lei nº 9.307 de 23 de setembro de 1996, alterada pela Lei nº 13.129 de 26 de maio de 2015. Estabelece o regramento de um modelo de heterocomposição, ou seja, em que um terceiro, livremente escolhido pelas partes, irá decidir o conflito.
Por Priscilla Pelegrini Repiso Trojan, advogada, com destacada atuação em Direito de Família, Sucessões e Responsabilidade Civil, especialista em Direito Civil com Ênfase em Contratos e Responsabilidade Civil pela Uniritter Laureate Internacional Universities (UniRitter) e em Direito de Família e Sucessões pela Fundação Escola Superior do Ministério Público–FMP.
Fonte: Revista Consultor Jurídico, 1 de novembro de 2021, 15h15.
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O Conselho da Justiça Federal (CJF) divulgou o caderno final com os 143 enunciados aprovados durante a II Jornada Prevenção e Solução Extrajudicial de Litígios, que aconteceu nos dias 26 e 27 de agosto.
A jornada, promovida pelo Centro de Estudos Judiciários do CJF em parceria com a Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam), teve a coordenação científica dos ministros do Superior Tribunal de Justiça Luis Felipe Salomão e Paulo de Tarso Sanseverino.
Os especialistas que participaram do evento — realizado inteiramente de forma não presencial — foram divididos em quatro comissões: arbitragem; mediação; desjudicialização e novas formas de solução de conflitos, e novas tecnologias.
Ao todo, foram encaminhadas 689 proposições, elaboradas por 250 participantes. A plenária virtual que marcou o encerramento da jornada, presidida pelo ministro Sanseverino, aprovou os enunciados, após a análise das comissões temáticas.
Ferramenta para a solução de litígios
Segundo o ministro Salomão, a jornada foi um marco importante, um “passo além” com vistas a ampliar a utilização das soluções extrajudiciais como ferramentas de resolução de litígios.
“É necessário que analisemos os métodos mais adequados de fazer com que o litígio não só ingresse no sistema de Justiça, mas efetivamente possa também sair dele, porque não adianta abrirmos portas e mais portas se não conseguimos fechá-las”, comentou.
Na abertura do evento, em 26 de agosto, o presidente do STJ e do CJF, ministro Humberto Martins, apresentou a jornada como um momento de rica oportunidade para fomentar a compreensão dos temas afetos à desjudicalização e às novas formas de solução de conflitos, como a arbitragem e a mediação.
“A possibilidade de solução de litígios por meio da conciliação, negociação, mediação e arbitragem é fundamental para a nossa sociedade e o pleno exercício da cidadania. Por certo, juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público deverão estimular a solução consensual”, afirmou o ministro na ocasião. Com informações da assessoria de imprensa do Superior Tribunal de Justiça.
Fonte: Revista Consultor Jurídico, 18 de outubro de 2021, 14h43
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A Lei de Arbitragem (Lei 9.307/1996) está completando 25 anos. Para especialistas, a norma popularizou e profissionalizou os procedimentos arbitrais, que se tornaram o meio de resolução de conflitos padrão para resolução de disputas empresariais.
Seis anos atrás, a Lei de Arbitragem recebeu uma grande reforma por meio da Lei 13.129/2015. A norma buscou compatibilizar o instituto da arbitragem com o texto e os princípios contidos no Código de Processo Civil de 2015 e com a jurisprudência dos tribunais superiores.
O professor de Direito Civil da Universidade do Estado do Rio de Janeiro Gustavo Tepedino, sócio do Gustavo Tepedino Advogados, afirma que o saldo de 25 anos de regulamentação da arbitragem no Brasil é “muito positivo”. Segundo ele, o país passou da desconfiança generalizada à “desjudicialiazação” de demandas (especialmente quanto à renúncia ao acesso ao Judiciário e à inexistência de duplo grau de jurisdição), à adoção corriqueira da arbitragem. Tepedino destaca o descongestionamento do Judiciário para assuntos societários.
O maior problema, conforme o professor, foi “a equivocada crença de que a arbitragem seria sempre melhor do que o processo judicial”. “Isso não é verdadeiro. O Judiciário brasileiro tem muito valor, e a arbitragem é particularmente aconselhável para grandes demandas, não para demandas pequenas ou médias. Além disso, a escolha de árbitros é sempre delicada, já que depende não somente da especialização, como da dedicação do árbitro e de sua disponibilidade. Há sempre o componente humano que, no caso do Judiciário, tem impacto pulverizado por força das várias instâncias a examinarem a controvérsia.”
José Nantala Bádue Freire, especialista em arbitragem do Peixoto & Cury Advogados, ressalta a importância da declaração de constitucionalidade da Lei de Arbitragem pelo Supremo Tribunal Federal, em 2001. Outro marco importante, segundo o advogado, foi a ratificação, em 2002, da Convenção de Nova York sobre Execução de Sentenças Arbitrais Estrangeiras, o que tornou o ordenamento brasileiro mais adequado aos padrões internacionais de uso do instituto.
Freire também destaca a importância do reconhecimento pelo Tribunal de Contas da União e pelo Superior Tribunal de Justiça de que a administração pública poderia firmar compromissos arbitrais válidos — entendimento que entrou na reforma de 2015 da Lei de Arbitragem.
Marilda Rosado de Sá Ribeiro, sócia nos setores de petróleo, gás e energia do BRZ Advogados, avalia que houve um processo de amadurecimento, comprovado pelo aumento exponencial do número de procedimentos e profissionalização dos órgãos de administração. “Além de uma firme atuação para suporte às arbitragens, as câmaras de arbitragem têm desempenhado um importante papel no front institucional e educacional. Elas têm promovido debates e apoiado as iniciativas educacionais, já que muitas universidades aderiram às competições.”
Já Vamilson Costa, sócio da área de arbitragem e contencioso do Costa Tavares Paes Advogados, aponta o papel desempenhado pelo Judiciário na consolidação do instituto. De acordo com o advogado, a Justiça garantiu a eficácia da arbitragem, em linha com práticas internacionais.
Reformas possíveis
A Lei de Arbitragem deveria ser reformada para regular a utilização de novas tecnologias nos procedimentos, diz Vamilson Costa. “Isso traria enormes benefícios na aplicação do instituto aos casos concretos, aumentando a eficiência e a celeridade dos procedimentos arbitrais e, por consequência, diminuindo os custos para as partes — uma das principais críticas que a arbitragem enfrenta.”
O advogado também ressalta a necessidade de harmonização da norma com a Lei Geral de Proteção de Dados (Lei 13.709/2018). Afinal, nas arbitragens, há o tratamento de dados sensíveis das partes, e os regramentos existentes ainda são meramente regulamentares.
A lei poderia aumentar a transparência do instituo, afirma Marilda Rosado de Sá Ribeiro. Ela também defende o debate em torno de uma maior inclusão e diversidade de gênero e raça no rol de árbitros.
“O aperfeiçoamento há de ser permanente, não acredito que tenhamos necessidade de uma reforma legislativa urgente”, declara Gustavo Tepedino. “A alteração mais importante é da cultura da comunidade jurídica brasileira, acostumada à sucessão de recursos protelatórios e a petições enormes, com produção de provas nem sempre focada nos pontos principais a serem examinados pelos árbitros.”
No entanto, especialistas criticam o Projeto de Lei 3.293/2021, que altera a Lei de Arbitragem “com o objetivo de prover limites objetivos à atuação do árbitro e otimizar o dever de revelação às partes”. Assim, a proposta limita o número de arbitragens por árbitro e proíbe a existência de identidade “absoluta ou parcial” dos integrantes de dois tribunais arbitrais em momentos simultâneos.
Na visão dos advogados, trata-se de uma interferência indevida na atividade dos árbitros. E os parâmetros legais nunca conseguirão cobrir todas as hipóteses de possíveis conflitos ou impedimentos.
Sigilo x jurisprudência
Os procedimentos arbitrais costumam ser sigilos, de forma a proteger segredos industriais. Porém, isso acaba dificultando a construção de jurisprudência, pois as decisões não são tornadas públicas.
Uma forma de conciliar o sigilo das arbitragens com a construção de uma jurisprudência da área seria divulgar o extrato do que foi decidido e os argumentos arbitrais, sem a identificação das partes, mas com autorização delas, apontam especialistas, ressaltando que já há câmaras arbitrais adotando tal procedimento. No entanto, declaram, é preciso que a comunidade arbitral se una para fixar parâmetros para as publicações.
O Projeto de Lei 3.293/2021 obriga as câmaras arbitrais a publicar, em seus sites, a íntegra das sentenças. Mas prevê que as partes poderão, justificadamente, requerer que eventuais trechos ou informações da decisão permaneçam confidenciais.
Anulações judiciais
Com a popularização da arbitragem, também cresceu o número de anulações de sentenças arbitrais pelo Judiciário. Isso reflete o amadurecimento do método de resolução de conflitos e não desestimula a escolha dele para pacificar disputas, entendem especialistas.
“O Judiciário tem rejeitado pedidos de anulação infundados e acolhido, com tranquilidade, sem fulanizar ou subjetivar as decisões, as hipóteses em que há de fato violação objetiva do amplo direito de defesa ou dos princípios fundamentais do processo”, afirma Gustavo Tepedino.
O Judiciário brasileiro é bastante receptivo à arbitragem e só anula decisões em casos graves, diz José Nantala Bádue Freire. E se as anulações forem equivocadas, é possível recorrer às instâncias superiores, ressalta.
A ação anulatória de sentença arbitral não serve como recurso da parte perdedora sobre o que foi decidido. O instrumento serve apenas para buscar o reconhecimento de uma nulidade, para que o mérito seja devolvido à apreciação do tribunal arbitral, explica Marilda Rosado de Sá Ribeiro.
“Vejo com bons olhos os freios impostos pelo Poder Judiciário às tentativas de transformação da ação anulatória em uma espécie de apelação da decisão arbitral. Serve inclusive de desestímulo ao manejo inapropriado da anulatória. Eu não diria que as ações anulatórias sejam propriamente comuns. Penso que elas vêm a reboque do crescimento exponencial do número de arbitragens. Não na mesma proporção, naturalmente, mas um aumento de casos era, de certa forma, esperado. Também não enxergo a ação anulatória como um óbice à evolução da arbitragem. É um ponto de atenção e de fundamental discussão, mas não tem o condão de impedir a evolução da arbitragem.”
Vamilson Costa lembra que, tradicionalmente, não há recursos contra sentenças arbitrais. O advogado aponta que começam a surgir algumas soluções para isso, possibilitando recursos como, por exemplo, com a formação de novo tribunal arbitral com competência recursal, tudo regulado no próprio termo de arbitragem inicial.
Por Sérgio Rodas, correspondente da revista Consultor Jurídico no Rio de Janeiro.
Fonte: Revista Consultor Jurídico, 12 de outubro de 2021, 7h52
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Responsável por mais de 50% do Produto Interno Bruto (PIB) de Mato Grosso, o agronegócio posiciona o referido Estado como maior produtor de grãos do país e responsável por cerca de 28,9% da produção nacional. O setor, ainda, enfrenta as dificuldades provocadas pela crise do aumento no custo dos insumos ou pela venda antecipada de soja com preço travado bem abaixo da cotação na hora da entrega.
Mesmo diante desse cenário, os produtores e empresários do agronegócio, nas últimas décadas, conseguiram trabalhar sem poupar investimento e seriedade, sendo o agro um orgulho para Mato Grosso, inclusive, com reconhecimento mundial.
Ao longo dos anos, as relações econômicas e jurídicas do agronegócio também evoluíram e se sofisticaram de sobremaneira que, as tradicionais atividades agrícolas – dentro e fora da porteira-, contaram com instrumentos jurídicos que propiciaram um novo fôlego para que os produtores rurais não fracassassem no controle dos negócios, mesmo diante da crise.
Para acompanhar essa acelerada evolução do agronegócio, é necessário que os mecanismos de solução de impasses e disputas sejam eficazes na prática. Dentro desse contexto, destaca-se a existência de meios alternativos para as soluções de controvérsias, como a mediação e a arbitragem, que servem como instrumento para desobstrução da justiça e aceleração na resolução dos conflitos entre os interessados.
A mediação é o método extrajudicial de solução de conflitos, que visa recuperar o diálogo entre as partes, de modo que uma terceira pessoa, escolhida pelas partes (mediador), atua como facilitador, viabilizando um ambiente em que as partes possam chegar a um acordo. Já a arbitragem consiste no método extrajudicial em que as partes indicam os árbitros que atuarão, de forma independente e imparcial, como juízes de fato e de direito para a solução do litígio.
Não há dúvida de que, assim como as relações do agronegócio evoluíram da porteira pra dentro, esses métodos alternativos de solução de conflitos são alternativas eficazes, vez que já se verifica no nosso ordenamento um arcabouço jurídico extremamente qualificado que dá suporte à utilização da mediação e arbitragem como: Lei de Arbitragem, Convenção de Nova Iorque, Lei de Mediação, Convenção de Singapura, atualização do Código de Processo Civil, dentre outros.
Para finalizar, elenco aqui as principais questões do agronegócio que podem ser solucionadas por meio desses métodos de solução de conflitos, como por exemplo, a compra e venda de produtos agrícolas; parcerias e arrendamentos rurais; compra e venda de imóveis rurais; condomínios rurais; operações de barter; pré-pagamento de exportação de commodities; operações financeiras com títulos de crédito do agronegócio (CPR, CDCA, CRA, LCA e CIR); relações cooperativistas; licenciamentos e tecnologias ligadas às agrotechs; contratos de integração vertical; compra e financiamento de máquinas agrícolas e insumos agrícolas, disputas societárias de empresas rurais, dentre outros.
Conclui-se que, a utilização destes métodos adequados de resolução de conflito no agronegócio, tem se mostrado como instrumentos eficazes para o desenvolvimento do setor no país, o qual contribui efetivamente para o crescimento da economia nacional e desobstrução da justiça
Por Antônio Frange Júnior, advogado há mais de 20 anos especialista em Recuperação Judicial
Fonte: Mato Grosso Mais Notícias – 1 de outubro de 2021
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Os constantes avanços e as transformações recentes do mercado de arbitragem ensejam novas discussões sobre o momento atual e o futuro do setor. É nesse contexto que o Centro de Arbitragem e Mediação da Câmara de Comércio Brasil-Canadá (CAM-CCBC) realiza o VIII Congresso CAM-CCBC de Arbitragem, nos dias 18 e 19 de outubro de 2021. O intuito do Congresso é abordar o hoje e o amanhã da arbitragem, o método mais utilizado na resolução de disputas comerciais complexas no mundo. A edição deste ano será 100% digital e gratuito. Para interessados em se inscrever, basta acessar o link: https://congressocamccbc.org.br/
Durante o congresso serão abordados por diversos especialistas nacionais e internacionais os temas mais palpitantes relacionados à arbitragem. O dia 18 de outubro contará com a palestra magna de abertura pela Catherine Kessedjian, professora emérita da Universidade Panthéon-Assas Paris II, que abordará os prós e os contras da escolha das cortes e das convenções de arbitragem. Nesse mesmo dia serão promovidos dois painéis dedicados às discussões sobre a legitimidade da arbitragem e as disputas contratuais em tempos de incertezas. Neste dia, o evento contará com a participação de Andréa Galhardo Palma (Juíza da 2ª Vara de Direito Empresarial, Insolvência e Arbitragem da cidade de São Paulo); Carlos Alberto Carmona (sócio de Marques Rosado, Toledo Cesar e Carmona Advogados e árbitro); Claudio Salas (special counsel em WilmerHale LLP); Susan Franck (professora na American University) e Stravos Brekoulakis (professor e Diretor da Escola de Arbitragem Internacional na Queen Mary University of London).
Já o dia 19 de outubro, o evento trará mais dois painéis. O primeiro tratará sobre “Novas tendências em arbitragem institucional”, ministrado por Jose Antonio Caínzos (presidente do Centro Internacional de Arbitragem de Madrid – MIAC); Patricia Kobayashi (Secretaria Geral do CAM-CCBC); Remy Gerbay (sócio do escritório de Hughes Hubbard); Alice Fremuth-Wolf (Secretária Geral do VIAC); Ana Serra e Moura (secretária geral adjunta da Corte Internacional de Arbitragem da CCI) e Gustavo Moser (Advogado e Acadêmico) ). O segundo e último painel abordará a “Nova fronteira da transparência: base de dados e suas implicações para a independência e imparcialidade”, que contará com Chiann Bao (Arbitra na Arbitration Chambers) ); Jean-Rémi de Maistre (advogado internacional, diretor executivo e cofundador da Jus Mundi); Kirsten Teo (advogada internacional especializada em Arbitragem Internacional e representante do Arbitrator Intelligence); André Abbud (presidente do Comitê Brasileiro de Arbitragem e sócio de BMA Advogados) e Bertha Cooper-Rousseau (sócia-gerente da Rousseau & Cooper Escritório de Advocacia).
O fechamento do evento ficará com o Eduardo Silva Romero, reconhecido especialista em arbitragem internacional, que falará sobre o futuro da resolução de disputas internacionais.
Durante VIII Congresso CAM-CCBC de Arbitragem, por meio de uma plataforma exclusiva que transmitirá o evento, os participantes terão acesso a uma ferramenta que permite interação durante as palestras.
O CAM-CCBC é o mais tradicional centro de arbitragem e mediação do Brasil. Vocacionado para a administração de disputas comerciais complexas e de grande porte, conta com corpo técnico altamente qualificado, pautado por procedimentos internos certificados pela ISO 9001. O CAM-CCBC é a instituição arbitral brasileira com maior projeção no exterior, atendendo empresas de vários países segundo as melhores práticas da Arbitragem Internacional.
Serviço:
VIII Congresso CAM-CCBC de Arbitragem
Transmissão online
Datas: 18 e 19 de outubro de 2021
Horário: Das 9h às 13h
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A arbitragem é uma ferramenta de resolução de conflitos em que as partes interessadas nomeiam um árbitro – qualquer pessoa capaz e que tenha a confiança das partes – para solucionar a desavença, sem a participação do Poder Judiciário.
Refere-se, pois, a um forte aliado na solução de contendas em vários ramos do direito, como do consumidor, de contratos, de família, de infraestrutura e, também, de relações do trabalho. Nesse último, em sua perspectiva mais ampla, envolve para além de conflitos individuais entre empregados e empregadores, também as lides sindicais, não só de conflitos coletivos relacionados às condições de trabalho, como também as relativas à representação sindical.
E, destaca-se, essa ferramenta não é uma novidade nas relações do trabalho, especialmente no tocante aos conflitos coletivos. A utilização da arbitragem para resolver conflitos trabalhistas – coletivos e individuais – tem previsão legal pelo menos desde a edição da Lei nº 9.307/1996 (Lei de Arbitragem), a qual permitiu que pessoas capazes pudessem se valer da arbitragem para dirimir conflitos relativos a direitos patrimoniais disponíveis.
Em relação ao conflito individual do trabalho, a arbitragem, mesmo com o advento da Lei nº 9.307/1996, sempre teve resistência da Justiça do Trabalho, sendo muito pouco aproveitada. No mínimo existiam duas correntes: uma defendendo que essa lei poderia abarcar as lides individuais, quando envolvesse direitos patrimoniais disponíveis, e uma segunda comungando da tese cuja arbitragem não se aplicaria aos direitos individuais diante da hipossuficiência do trabalhador, das peculiaridades das relações de trabalho e sobretudo sob o argumento do caráter irrenunciável do crédito trabalhista, ou seja, esses seriam direitos patrimoniais indisponíveis.
Essa segunda corrente desenhou um cenário desfavorável na Justiça do Trabalho sobre a aplicação da arbitragem nas relações individuais trabalhistas, o que, certamente, inibiu as partes de buscarem essa alternativa para solucionar os seus conflitos.
Todavia, adiante, em 2017, sobreveio a reforma trabalhista, que pela Lei nº 13.467 inseriu na Consolidação das Lei do Trabalho (CLT) o artigo 507-A, autorizando, expressamente, a pactuação de cláusula compromissória de arbitragem nos contratos individuais de trabalho cuja remuneração seja superior a duas vezes o limite máximo estabelecido para os benefícios do Regime Geral de Previdência Social, sob condição de iniciativa do empregado ou mediante a sua concordância expressa, nos termos da Lei nº 9.307/1996.
Com isso, um novo cenário começa a ser desenhado sobre a arbitragem como método de solução de conflitos individuais trabalhistas, rompendo o estigma de que somente o Judiciário pode compor esse tipo de conflito e, por outro lado, fomentado o espaço para as resoluções extrajudiciais de litígios nas relações do trabalho entre empregado e empregador, com maior valorização do diálogo.
Em referência aos conflitos trabalhistas coletivos, sua utilização está prevista muito antes do que na própria Lei de Arbitragem de 1996. A Lei de Greve de 1989, Lei nº 7.783, desde então prevê sua utilização. Expressamente, no seu artigo 3º, dispõe que “Frustrada a negociação ou verificada a impossibilidade de recursos via arbitral, é facultada a cessação coletiva do trabalho”.
Assim como também estava expresso na Lei nº 8.630, de 1993, a qual disciplinava o trabalho nos portos, no seu artigo 23 que as partes deveriam recorrer à arbitragem quando houvesse impasse na solução da lide pela Comissão Paritária criada no âmbito do órgão de gestão de mão de obra. Essa lei foi revogada pela Lei nº 12.815, de 2015, mas essa previsão se manteve (art. 37, § 1º).
A Lei da Participação nos Lucros e Resultados – Lei nº 10.101 de 2000 – também é expressa ao possibilitar às partes o uso da arbitragem no caso de impasse na negociação coletiva.
E colocando uma pá de cal em qualquer e eventual dúvida sobre a possibilidade da utilização da arbitragem nos conflitos coletivos de trabalho, a Constituição Federal, na redação dada pela Emenda 45, de 2004, explicitamente previu sua utilização, ao dispor no seu artigo 114, § 2º, que “recusando-se qualquer das partes à negociação coletiva ou à arbitragem, é facultado às mesmas, de comum acordo, ajuizar dissídio coletivo de natureza econômica, podendo a Justiça do Trabalho decidir o conflito, respeitadas as disposições mínimas legais de proteção ao trabalho, bem como as convencionadas anteriormente”.
Ademais, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) também trilha esse caminho quando, no texto da Convenção 154, ratificada pelo Brasil, estabelece que os sistemas de relações de trabalho nos quais a negociação coletiva tenha lugar de acordo com os mecanismos de arbitragem estão acolhidos por essa Convenção.
Tem-se que há muito as disposições legislativas recomendam expressamente a utilização da arbitragem nos conflitos coletivos de trabalho, não havendo, portanto, óbice para sua aplicação. Nesse caso, embora também pouco utilizado no Brasil, há uma aceitação maior no seu emprego, porque, entre outros, a representação dos trabalhadores pelo sindicato pode afastar qualquer vulnerabilidade e equilibrar as forças na relação de emprego.
Há vantagens da arbitragem na resolução de conflitos nas relações do trabalho. É verdade que a arbitragem trabalhista é muito pouco utilizada, inclusive na parte coletiva e em conflitos intersindicais, preferindo as partes ficar sob a tutela do Estado, que examina a contenda e impõe às partes uma solução. Mas é preciso quebrar esse protótipo, pois muitas podem ser as vantagens na utilização dessa vigorosa fórmula para soluções de controvérsias, as quais podem variar caso a caso, a depender do objeto e valor do conflito, das partes envolvidas e da necessidade mais célere de uma decisão.
De um modo geral, a arbitragem auxilia na diminuição de processos da Justiça. Para se ter uma ideia, no Relatório de Justiça em Números de 2020, consta que o Poder Judiciário finalizou o ano de 2019 com mais ou menos 77 milhões de processos aguardando uma solução definitiva. O recorte da Justiça do Trabalho – nesse mesmo ano – revela em tramitação em torno de 8 milhões de processos.
E ainda colabora com a redução dos gastos públicos. Nesse mesmo relatório é possível extrair que o Poder Judiciário, como um todo, custa aos cofres públicos em torno de 100 bilhões de reais. Desse valor, cerca de 20 bilhões é o custo da Justiça do Trabalho.
Afora dessas vantagens gerais, existem outras que podem concernir diretamente às partes interessadas e envolvidas na arbitragem, como por exemplo: (i) primazia das partes, ao possibilitar a escolha do árbitro que julgarem mais adequado ou especializado para resolverem a contenda; (ii) maior rapidez na elucidação do litígio; (iii) economia, se considerados, entre outros, os gastos com custas processuais, honorários advocatícios, deslocamentos para audiências, correção e juros pelo tempo de tramitação do processo em comparação com os custos de contratação de um árbitro; e (iv) sigilo, pois enquanto um processo judicial em regra é público, a temática e decisões tomadas no processo arbitral são confidenciais apenas às partes envolvidas, protegendo as pessoas, suas imagens etc.
Tem-se, portanto, que para além de um meio alternativo de solução de conflitos com todas as suas vantagens, a arbitragem se revela sob uma nova perspectiva, de mudança de paradigma, deixando de se basear numa cultura de métodos convencionais de solução tutelados pelo Estado para uma com maior autonomia das partes.
No entanto, para que esse novo paradigma se concretize, é importante as partes se valerem desse instrumento com cautela, responsabilidade e, sobretudo, norteadas pelo princípio da boa-fé e da confiança. Advogados, árbitros e instituições sérias são fundamentais na construção da pavimentação desse vigoroso instrumento lançado pelo legislativo e posto à disposição das partes.
Por Tatiane Fornari
Fonte: Surgiu – 03/09/2021
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