Em evento de assinatura de acordos de cooperação entre a Advocacia-Geral da União e as procuradorias-gerais dos Estados, a presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Cármen Lúcia, fez uma ampla defesa da mediação e da conciliação como necessidades primordiais para a advocacia pública, em vez da litigância, isto é, a criação de processos para resolver conflitos.
“A melhor forma hoje de resolver, de prestar jurisdição, não é repetindo o que eu tive na minha geração de escolas de direito que ensinavam a litigar. Isso levou o poder judiciário brasileiro a já ter atingido mais de 100 milhões de processo em andamento. Hoje estimam-se 80 milhões. Se calculamos que cada processo tem duas partes no mínimo, há de se convir que não é possível conceder jurisdição em tempo razoável”, disse Cármen Lúcia, ao lado do presidente Michel Temer, da advogada-geral da União, Grace Mendonça, e do presidente do Colégio Nacional de Procuradores-Gerais Estaduais e do Distrito Federal (CNPGE), Francisco Walkie.
“Um dedo de prosa pode se levar a fazer surgir uma solução que não é binária, alguém vence alguém perde”, disse ela, afirmando que “tanto Estado como União querem evitar o litígio”. “Onera a todos”, emendou.
“Nós precisamos transformar e chegar ao século XXI também na advocacia. Precisamos de um direito que leve a uma federação que se fortaleça pelo consenso”, defendeu Cármen Lúcia.
A presidente do STF também criticou a possibilidade de algumas ações serem propostas “para dar imagem” de trabalho sendo realizado. “Entrar com mandato de segurança no STF para dar imagem de que a procuradora trabalha é litigância de má fé”, alertou. “Temos de agir de boa fé”, disse.
“Existe litigância de má fé e existe litigante de má fé. O poder público não pode ser litigante de má fé, temos de agir de boa fé, e para isso a mediação e a conciliação é sempre o melhor caminho”, avaliou a presidente do STF. Ela defendeu uma “federação mais forte e mais unida e que prevaleça o consenso”.
Acordos
O evento marcou a assinatura de dois acordos de cooperação que, segundo a Advocacia-Geral da União, pretendem fortalecer a defesa do Brasil nas cortes interamericanas de direitos humanos e diminuir os conflitos judiciais entre entes da Federação.
Um dos acordos prevê a cooperação técnica entre os entes jurídicos federal e estaduais na representação jurídica do Brasil perante a Comissão e a Corte Interamericana de Direitos Humanos. Os acordos foram assinados pela AGU e pelas 27 procuradorias estaduais e do Distrito Federal.
Fonte: Isto É – 10.08.17 – 13h28
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Os conflitos na sociedade são comuns e ocorrem diariamente. Quanto mais complexo é o meio em que vivemos, mais difícil se torna a resolução dos problemas decorrentes do convívio social do ser humano.
Com o desenvolvimento da sociedade, surge a ideia de uma terceira pessoa, imparcial ao conflito e com poderes outorgados pelo estado para solucionar as divergências que surgem desta convivência social. Nesse contexto está inserido o Poder Judiciário.
Atualmente, esse poder estatal tem tido dificuldades para dar resposta célere a todos os conflitos que chegam até ele. Por esse e outros motivos, vem crescendo no mundo o movimento a favor da adoção de técnicas de autocomposição como alternativa para a solução de conflitos.
O atual Código de Processo Civil, vigente desde março de 2016, incentiva o uso dessas técnicas, ao prever, em seu artigo 3º, que a conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial.
Embora atualmente venha se buscando métodos alternativos à jurisdição para a solução de controvérsias, no que tange ao Poder Público e à Administração Pública como um todo, o que se percebe, na prática, é a sua não utilização pelo setor público, seja na atuação judicial como na extrajudicial.
Como justificativa para não adotar métodos alternativos de solução de controvérsias, invoca-se a indisponibilidade do interesse público, princípio basilar do Direito Administrativo, aliada a outros possíveis fatores, como a cultura de litigiosidade impregnada na sociedade brasileira e nos próprios operadores do direito.
No entanto, no atual contexto do pós-positivismo e, consequentemente, com a adoção do princípio da supremacia da Constituição e da observância dos direitos fundamentais tanto nas relações públicas quanto nas privadas, a supremacia e a indisponibilidade do interesse público vêm sofrendo releitura ao longo dos últimos anos, como ressaltado por Gustavo Binenbojm:
O reconhecimento da centralidade do sistema de direitos fundamentais instituído pela Constituição e a estrutura pluralista e maleável dos princípios constitucionais inviabiliza a determinação a priori de uma regra de supremacia absoluta dos interesses coletivos sobre os interesses individuais ou dos interesses públicos sobre os interesses privados.
A fluidez conceitual inerente à noção de interesse público, aliada à natural dificuldade em sopesar quando o atendimento do interesse público reside na própria preservação dos direitos fundamentais (e não na sua limitação em prol de algum interesse contraposto da coletividade), impõe à Administração Pública o dever jurídico de ponderar os interesses em jogo, buscando a sua concretização até um grau máximo de otimização[1].
Seguindo a ordem instaurada pelo Código de Processo Civil, de igual forma, a Lei 13.140/2015, que dispõe sobre a mediação entre particulares como meio de solução de controvérsias e sobre a autocomposição de conflitos no âmbito da administração pública, estabeleceu critérios para o uso da mediação. Especificamente, no setor público, a lei é clara em seu artigo 32 ao prever que:
A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão criar câmaras de prevenção e resolução administrativa de conflitos, no âmbito dos respectivos órgãos da Advocacia Pública, onde houver, com competência para:
I – dirimir conflitos entre órgãos e entidades da administração pública;
II – avaliar a admissibilidade dos pedidos de resolução de conflitos, por meio de composição, no caso de controvérsia entre particular e pessoa jurídica de direito público;
III – promover, quando couber, a celebração de termo de ajustamento de conduta.
§ 1o O modo de composição e funcionamento das câmaras de que trata o caput será estabelecido em regulamento de cada ente federado.
§ 2o A submissão do conflito às câmaras de que trata o caput é facultativa e será cabível apenas nos casos previstos no regulamento do respectivo ente federado.
§ 3o Se houver consenso entre as partes, o acordo será reduzido a termo e constituirá título executivo extrajudicial.
§ 4o Não se incluem na competência dos órgãos mencionados no caput deste artigo as controvérsias que somente possam ser resolvidas por atos ou concessão de direitos sujeitos a autorização do Poder Legislativo.
§ 5o Compreendem-se na competência das câmaras de que trata o caput a prevenção e a resolução de conflitos que envolvam equilíbrio econômico-financeiro de contratos celebrados pela administração com particulares.[2]
Ainda, a Lei 13.129/2015, alterando o artigo 1º, parágrafo 1º da Lei 9.307/96, determina que a administração pública direta e indireta poderá utilizar-se da arbitragem para dirimir conflitos relativos a direitos patrimoniais disponíveis. Assim, as recentes alterações legislativas, com a instituição de um novo paradigma para a solução de conflitos, vêm reafirmar o que a doutrina administrativista já vinha defendendo.
Como mencionado, a Lei n° 13.140/2015 e o CPC 2015 afirmam que a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão criar câmaras de prevenção e resolução administrativa de conflitos.
Tais câmaras de mediação podem funcionar dentro dos órgãos da Advocacia Pública (AGU, PGE e PGM) e têm competência para dirimir conflitos entre órgãos e entidades da administração pública, avaliar a admissibilidade dos pedidos de resolução de conflitos, por meio de composição, no caso de controvérsia entre particular e pessoa jurídica de direito público e promover, quando couber, a celebração de termo de ajustamento de conduta.
Assim, esses instrumentos criados pelo legislador e postos à disposição da Administração Pública para uma célere e efetiva solução de controvérsias podem e devem ser devidamente implantados e seu uso incentivado por todos aqueles que atuam diretamente na seara pública.
Casos concretos
Em um recente caso, onde os autores atuam como advogados de servidores públicos, onde caberia a aplicação da mediação, a AGU entendeu não ser possível a conciliação por não existir, ainda, regulamentação da Lei 13.140/2015.
“Considerando a indisponibilidade do interesse público, em regra, não será possível a conciliação nos feitos envolvendo este ente federal”, diz o posicionamento assinado pela procuradora da Advocacia Geral da União Letícia Balsamão Amorim no processo 3429-25.2016.4.013823.
No entanto, é preciso destacar que a Lei 9469/97 prevê a possibilidade de realização, no âmbito da AGU, de acordos, estabelecendo algumas condicionantes para viabilizar a sua celebração. E, recentemente, a Lei 13.140/2015 (Lei da Mediação) trouxe nova redação a alguns dispositivos da Lei 9469/97.
Contudo, as conciliações e acordos encontram-se momentaneamente suspensos, por determinação superior da Procuradoria-Geral da União, até a edição e publicação da necessária regulamentação da legislação mencionada.
Um segundo caso é um procedimento de solicitação da intervenção do setor da AGU responsável pela mediação nesta instituição[3]. No caso, o conflito está relacionado ao desastre natural provocado pela Samarco em Bento Rodrigues do dia 05 de novembro de 2015. Foi feito, em 2016, um pedido de intervenção da AGU para mediar os conflitos decorrentes desse acidente. Este procedimento, embora urgente, tramita no setor, para avaliação do cabimento ou não da intervenção.
Um terceiro caso que é citado para melhor avaliação do problema aqui relatado são conflitos que surgem por divergências entre servidores de um mesmo local de lotação ou, ainda, entre estes e o ente público. Como casos de conflitos na Universidade Federal de Viçosa, onde os autores deste artigo trabalham na assessoria de docentes da instituição.
Quantos conflitos internos não são resolvidos ou acabam indo para o Poder Judiciário pela ausência de um setor de mediação no órgão? Há conflitos que, inclusive, interferem negativamente no exercício da função pública gerando ineficiência, desgastes do servidor e, em alguns casos, licenças de diversas espécies.
Portanto, a Administração Pública deve se convencer da importância de se adotar métodos alternativos de solução de controvérsias, diligenciando para implantar uma rotina de autocomposição em suas relações. Isso certamente contribuirá para a melhoria do serviço público e para o ambiente de trabalho dos servidores públicos, acarretando na mudança de paradigma que vem sendo defendida pela doutrina e implantada paulatinamente pelo ordenamento jurídico pátrio.
Percebe-se, assim, ser urgente que o Poder Público implemente, de forma rápida e integral, o CPC e a Lei 13.140/2015 para que os servidores e particulares possam resolver, de forma mais eficiente, eventuais conflitos decorrentes do exercício da nobre função pública. Quem ganha, no final, é a sociedade, com a realização do interesse público.
[1] BINENBOJM, Gustavo. Uma teoria do direito administrativo: direitos fundamentais, democracia e constitucionalização. 3. Ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2014. P. 31.
[2] BRASIL. Lei nº LEI Nº 13.140, DE 26 DE JUNHO DE 2015. Dispõe sobre a mediação entre particulares como meio de solução de controvérsias e sobre a autocomposição de conflitos no âmbito da administração pública; altera a Lei no 9.469, de 10 de julho de 1997, e o Decreto no 70.235, de 6 de março de 1972; e revoga o § 2o do art. 6o da Lei no 9.469, de 10 de julho de 1997. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/Lei/L13140.htm>. Acesso em 12 abr. 2017.
[3] Procedimento número NUP 00400.000903/2016-53 – CCAF-CGU-AGU
Por Leonardo Pereira Rezende, advogado e sócio do escritório Leonardo Rezende Advogados Associados. E Mônia Aparecida de Araújo Paiva, advogada do escritório Leonardo Rezende Advogados Associados.
Fonte: Revista Consultor Jurídico, 31 de julho de 2017, 7h40
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A gestão de conflitos é hoje um dos principais desafios para as grandes empresas brasileiras, seja de porte nacional ou internacional. O cenário é de insegurança jurídica, grande estoque de processos judiciais, altos custos com pessoal e despesas processuais.
Acrescenta-se, ainda, a morosidade do Judiciário, dificuldades no gerenciamento dos escritórios de advocacia externos, insatisfação dos consumidores com os canais de atendimento e tantas outras dificuldades.
Enquanto os dados do Doing Business 2013, elaborado pelo Banco Mundial, apontam o Brasil em 116º lugar entre 185 países em relação à facilidade de resolver conflitos, questiona-se quais medidas poderiam ser adotadas para mudar essa realidade.
Em busca de eficiência e economia, algumas empresas têm investido em mecanismos inovadores para gestão de conflitos. É o caso daquelas corporações que optam pelo Dispute System Design – DSD, ou simplesmente Designing Systems.
A metodologia DSD foi desenvolvida na Universidade de Harvard na década de 80 e propõe o desenho de um novo sistema de gestão de disputas. Desse modo, trata-se de um método a ser desenvolvido a fim de que se obtenha um produto específico, qual seja, um sistema de resolução de controvérsias personalizado.[i]
Nos últimos anos, algumas empresas brasileiras investiram em tecnologia para aumentar a eficiência dos seus canais de atendimento e passaram a adotar outros métodos de resolução de disputas como a negociação, conciliação, mediação e arbitragem, no intuito de mudar o contexto de caos apontado pelas pesquisas.
Todavia, nota-se que a utilização meramente pontual e residual dos métodos extrajudiciais acaba por gerar frustração, resultados tímidos e retomada do foco para as tradicionais formas adversarias de resolução de disputas. Desse modo, para alcançar resultados efetivos e duradouros é essencial a implementação de mudanças estruturais, com o desenvolvimento de um sistema apropriado e customizado de resolução das disputas.
A adoção do método DSD torna possível o desenho de um sistema que compatibilize a mobilização de vias tanto autocompositivas quanto heterocompositivas, ou seja, de processos com maior e menor grau de formalismo e controle por parte de um terceiro.
Resta claro, todavia, que um sistema de resolução de conflitos saudável só deve recorrer às abordagens baseadas em direitos, a exemplo da arbitragem ou litígio, como uma alternativa secundária. O foco, portanto, deve estar nos interesses, o que é significativamente menos dispendioso, menos demorado e menos desgastante do que adjudicar direitos ou buscar uma resolução baseada no poder.
Para executar esse trabalho é preciso recorrer a um profissional especializado, o designer de sistemas de resolução de disputas, do qual se espera certas habilidades, tais como a escuta ativa, o planejamento de reuniões, a estruturação de agenda, a facilitação da comunicação entre as partes e o exercício das tarefas com criatividade e liderança.
Embora o profissional de design esteja à frente do desenho do plano de atuação, importante destacar que o DSD é um método de essência participativa. Sendo assim, o designer faz uso de sua expertise para traçar o sistema a partir daquilo que os interessados apontam como contexto, fatos relevantes e interesses. A atuação conjunta mostra-se essencial para o alcance de adesão e adimplemento do sistema personalizado de solução de conflitos.
A capacidade de estabelecer comunicações eficazes com seus consumidores, parceiros comerciais, colaboradores e fornecedores, além da agilidade e eficiência na resolução de eventuais impasses, certamente são objetivos comuns das grandes empresas.
Estudos apontam que grandes empresas no mundo alcançaram excelentes resultados ao desenvolverem sistemas de gerenciamento de conflitos. Tais mecanismos contam com sofisticação tecnológica e um conjunto abrangente de políticas destinadas a prevenir e gerenciar com eficiência, celeridade e economia as variadas disputas envolvendo as corporações.
Um dos casos mais emblemáticos é o da General Eletric – GE. Na década de 90, o CEO da empresa, Jack Welch, implementou no processo de fabricação de produtos um sistema diferenciado de gestão, objetivando alcançar um processo livre de defeitos em 99,9{090ae30b5a2de34e6896ba6ffc156d967cd5360bfbe023e73084a754d61d15a5} do tempo. A empresa percebeu, todavia, que seu departamento jurídico enfrentava litígios crescentes e que também era preciso implementar um sistema eficiente de resolução de conflitos.
A direção da GE reavaliou as opções e expandiu os objetivos. Além do gerenciamento eficiente de disputas, incluiu na pauta de prioridades mecanismos de prevenção e gestão de conflitos em estágios anteriores. No geral, é possível afirmar que a empresa buscou melhorias que refletissem em eficiência e preservação de relacionamentos para que, então, pudesse avançar a sua rentabilidade corporativa.
Foram implementados processos de prevenção, mecanismos gerenciais, processos de resolução e um sistema de alerta precoce capaz de identificar tendências de litígio. Ao longo de anos esse sistema foi sendo aperfeiçoado e tem apresentado excelentes resultados para a corporação, a saber, a preservação da relação com consumidores e fornecedores e a economia de milhões de dólares.
Inspiradas nos bons resultados da GE, outras empresas de grande porte também optaram por desenvolver sistemas de resolução de disputas personalizados. Essa conduta arrojada e inovadora, adotada por corporações como Motorola, Schering Plough e eBay, deixa claro que a implementação do método DSD oferece um potencial de melhoria considerável.
O Designing Systems se apresenta como método sofisticado, capaz de estruturar sistemas de resolução de disputas customizados, atendendo aos mais variados e complexos cenários econômicos e organizacionais. Desse modo, promete contribuir de maneira significativa para que as empresas alcancem bons resultados na gestão de seus conflitos.
Fato é que, especialmente em momentos de crise econômica, a inovação e a busca por eficiência em todos os departamentos de uma empresa se mostram indispensáveis, e o DSD tem potencial para corresponder muito bem à essa especial necessidade.
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OSTIA, Paulo Henrique Raiol. Desenho de Sistema de solução de conflito: sistemas indenizatórios em interesses individuais homogêneos. 2014. 231f. Dissertação (Mestrado em Direito Processual) – Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo, p. 92;
ROGERS, Nancy H.; BORDONE, Robert C.; SANDER, Frank E.A.; McEWEN, Craig A. Designing Systems and Processes for Managing Disputes. New York: Wolters Kluwer Law & Business, 2013;
SMITH, Stephanie; MARTINEZ, Janet. An analytic framework for dispute systems design. Harvard Negotiation Law Review. Vol. 14: 123. Winter, 2009;
URY, William; BRETT, Jeanne M; GOLDBERG, Stephen B. Getting dispute resolved: designing systems to cut the cost of conflicts. Cambridge, US: PON Books, 1993.
Por Eduardo Machado Dias, mestrando em Direito Constitucional pelo Instituto de Direito Público IDP, advogado e mediador. E Isabela Lisboa, pós Graduanda em Métodos Adequados de Tratamento de Conflitos pelo Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), advogada e mediadora
Fonte: Jota 26 de Julho de 2017 – 07h05
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A 1ª Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região decidiu multar o INSS depois de a autarquia faltar uma audiência de conciliação. Os desembargadores entenderam que o artigo 334 do Código de Processo Civil obriga as partes a comparecer à audiência, e não apenas informar a falta de interesse em negociar, como fez a autarquia.
O INSS afirmou ser injusta a imposição da multa, fixada em 2{090ae30b5a2de34e6896ba6ffc156d967cd5360bfbe023e73084a754d61d15a5} sobre o valor da causa, uma vez que, após ter sido intimado da designação da audiência, informou ao juízo o desinteresse na conciliação, dentro do prazo legal.
No entanto, o desembargador federal Wilson Zauhy, relator do caso, destacou que apenas informar a falta de interesse na conciliação não basta, se a outra parte também não o fizer.
Segundo ele, o novo CPC instituiu a indispensabilidade da audiência prévia de conciliação ou autocomposição, “só não ocorrendo quando o autor da ação manifestar, expressamente, em sua inicial, o desinteresse e o réu também manifestar o desinteresse no prazo de 10 dias anteriores à audiência”.
Caso contrário, ou seja, não havendo manifestação de ambas as partes (334, § 4ª, I), “a audiência será levada a termo e, na ausência de uma das partes, ou de ambas, injustificadamente, o ato torna legítima a imposição da multa”, que, segundo o desembargador, pode chegar a 2{090ae30b5a2de34e6896ba6ffc156d967cd5360bfbe023e73084a754d61d15a5} do valor da causa “por ser considerado ato atentatório à dignidade da justiça (§ 8)”. Com informações da Assessoria de Imprensa do TRF-3.
Agravo de Instrumento 0000773-30.2017.4.03.0000
Fonte: Revista Consultor Jurídico, 23 de julho de 2017, 8h23
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A incorporação das constelações à esfera judicial em busca de conciliação teve boa aceitação pela desembargadora do Tribunal de Justiça, Clarice Claudino da Silva, que preside o Núcleo Permanente de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos (Nupemec) daquele Tribunal. No entendimento da desembargadora, “a letra fria da lei não resolve sentimento”, daí, os princípios básicos sistêmicos das constelações podem ser decisivos para se chegar ao denominador comum que se busca em determinados casos.
A desembargadora admite que “ainda há resistência” ao Direito Sistêmico por magistrados, mas comemora o fato de que alguns, no Tribunal de Justiça e em varas nas comarcas, passaram a se interessar por aquela área. Essa área do Direito abre passagem aos princípios apurados por Hellinger e tem defensores mundo afora.
O juiz da Primeira Vara Especializada e Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher da Capital, Jamilson Haddad de Campos, defende o Direito Sistêmico em conciliações a partir das constelações. O magistrado entende que tanto na fase pré-processual quanto em processos já judicializados (o Direito Sistêmico) serve como método consensual de conflitos.
Advogados e consteladores defendem a criação de uma Comissão de Direito Sistêmico na Ordem dos Advogados do Brasil em Mato Grosso. Anselmo Falcão de Arruda Júnior, que advoga em Cuiabá, participou recentemente de um grupo que foi ao presidente da Ordem, Leonardo Campos, propor a criação dessa comissão. A proposta está em compasso de espera.
Leonardo Campos entende que o Direito Sistêmico “é importante”, mas pondera que ele ainda é desconhecido pela advocacia. O presidente avalia que a criação da comissão não poderá acontecer antes que o Direito Sistêmico se torne conhecido pelos advogados, “e (a popularização) se faz através de debates, palestras, seminários e na mídia”, acrescenta.
Não há resistência da Ordem quanto ao Direito Sistêmico. “Há prudência”, argumenta Leonardo Campos. Enquanto o caso passa por um processo de maturação, o ideal – segundo ele – seria que os que defendem a criação se abrigassem na Comissão de Mediação e Arbitragem da Ordem. “Depois, quando o assunto for de domínio dos advogados e após a comprovação de que teríamos uma comissão com musculatura, o pedido será encaminhado para que o analisemos”, resume. (EG)
Fonte: Diário de Cuiabá – Sexta feira, 21 de julho de 2017.
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A cultura adversarial aliada à morosidade processual permite desgastes iníquos no que concerne ao modo de conduzir a lide. Vale suscitar que os mecanismos processuais, por vezes, aguçam ainda mais a beligerância entre os envolvidos. Neste sentido, a prestação jurisdicional não pode se limitar a sequência lógica de peças e ritos a serem observados, ao reverso, tem que por em xeque os anseios pleiteados pelos envolvidos de cada caso concreto. Logo, o pronunciamento do Estado-juiz deve buscar o tratamento do conflito, desde sua gênese, bem como os desdobramentos do dissenso. Destarte, surge para o Direito desafios a serem transpostos frente as novas perspectivas advindas do pensamento contemporâneo. Partindo desse pressuposto, far-se-á uma análise do Direito Fraternal, na busca de demonstrar, sem exaurimento do assunto, novos horizontes capazes de desconstituir alguns conceitos caducos e ultrapassados da ciência jurídica.
“A exigência mais sentida no mundo de hoje é a reconstituição dos relacionamentos humanos em todos os âmbitos da vida social: desde aquele familiar até o relacionamento entre as Nações e os Povos. Redescobrir e atuar novas formas de relação, que correspondem às novas formas éticas e jurídicas que garantem a justiça em todos os relacionamentos, para o bem de cada indivíduo e da sociedade; é o objetivo perseguido por juristas, advogados, professores e estudantes empenhados no mundo do Direito e da Justiça, nos quais vivenciam a Fraternidade”. Lubich
COMENTÁRIOS INAUGURAIS
Ab initio, quadra evidenciar que o corolário preconizado nesse artigo atine para a aplicabilidade da metateoria do Direito Fraterno, a fim de corroborar com a vagueza principiológica solidária-fraternal no campo da ciência do Direito Brasileiro. Dando, por esse ângulo, enfoque nas possibilidades de um direito universal, não-violento e, sobretudo, humanista. Com espeque em tais premissas, cuida assinalar, com bastante pertinência, que a dogmática jurídica tradicional, ou melhor, a falaciosa cultura adversarial, reduz os acessos e minimiza a verdadeira compreensão da gênese das situações litigiosas que são dirimidas pelo Poder Judiciário. Tendo em vista o cenário alarmante que invoca por mudanças, a mediação vem como meio alternativo de resolução dos conflitos, objetivando reestabelecer a comunicação, para que os indivíduos sejam capazes de elaborar acordos duráveis.
Pretende, desta maneira, colaborar com as discussões acadêmicas sobre o tema, tendo como ponto certeiro os fatores da sociedade contemporânea que clamam por um horizonte mais fraterno e solidário, para que, assim, seja percebido o cumprimento dos direitos fundamentais entabulados na Constituição Cidadã de 1988. Bem como, garantindo ao cidadão uma vida digna. Volvendo tal olhar para a temática, estabelecida convém trazer a comento algumas ponderações acerca do contexto e dos motivos pelos quais a mediação passou a gozar suntuosa importância no âmbito jurídico pátrio como via promotora do fidedigno acesso à justiça.
Para subvencionar este estudo, a metodologia empregada foi a hermenêutica por intermédio da coleta de informações pautadas nos ensinamentos doutrinários e de aplicadores do Direito nacional. Neste talvegue, em alinho ao acimado, é importante evidenciar que os assuntos levantados são ensejadores de incessantes narrativas e, por isso, não se pretende esgotá-los, mas tem o intento precípuo de convocar os nobres leitores do terceiro milênio a discutirem as novas propostas que se descortinam.
1 A CULTURA ADVERSARIAL EM PAUTA
Inicialmente, ao se dispensar um exame acerca do tema colocado em tela, patente se faz arrazoar que o sistema jurídico brasileiro, em vigor, fomenta o enfrentamento das partes em litígio, enaltecendo o dualismo ganhador-perdedor. Cuida hastear, com bastante pertinência, que a cultura adversarial aliada à morosidade processual permite desgastes iníquos no que concerne ao modo de conduzir a lide. Vale suscitar que os mecanismos processuais, por vezes, aguçam ainda mais a beligerância entre os envolvidos. Neste certame, cumpre mencionar que “a ciência processual não é uma estrutura estérea, destituída de qualquer utilidade prática. Deve ter como finalidade a valorização do homem, em seus mais diversos segmentos e origens e deve colocar a técnica em prol da preservação da dignidade humana” (RAMOS; MILHOMEM, 2015, p.199).
Ao se debruçar sobre a temática, urge citar o ensinamento trazido por Marina Pereira Manoel Gomes em seu artigo acerca da mediação comunitária e o princípio da solidariedade como formas de disseminação da cultura de paz nas comunidades:
É cediço que o mecanismo de maior utilização pela sociedade brasileira para a resolução de seus conflitos é o da “solução adjudicada de conflitos”, o que ocorre por meio de decisão judicial, pelo que se tem afirmado que tal predominância culminou na “cultura de sentenças” que hoje se visualiza no país, razão por que se passou a discutir acerca da necessária mudança de mentalidade para uma solução mais adequada aos conflitos, a qual realmente atingisse o ponto culminante, a razão de ser da justiça, que é a pacificação (GOMES, s.d, s.p).
Quadra anotar que a tônica processual tem se mostrado, portanto, engessada, voltada a colocar fim aos processos, tendo como base decisões meramente tecnicistas. Neste sentido, a prestação jurisdicional não pode se limitar a sequência lógica de peças e ritos a serem observados, ao reverso, tem que por em xeque os anseios pleiteados pelos envolvidos de cada caso concreto. Logo, o pronunciamento do Estado-juiz deve buscar o tratamento do conflito, desde sua gênese, bem como os desdobramentos do dissenso. Ademais, a variedade de conflitos de configurações diversas, produto de um mundo globalizado e multicultural, parece requerer uma reestruturação do Poder Judiciário, para que possa atender, de forma satisfatória, as exigências dos conflitos, cada vez mais complexos e embaraçosos (SILVA, 2016, p.1344).
No jogo processual tradicional sempre há vencedores e perdedores; há decisão; há intervenção quase sempre arbitrária. Justamente por desconsiderar a historicidade dos atores em conflito o processo desumaniza e não se apropria das sutilezas e das complexidades que os sujeitos querem ver reconhecidas e protegidas pelo direito. A distribuição de direitos e garantias é sem dúvida uma conquista; precisamos substancializar este avanço com o incremento de um modelo processual que reconheça o complexo debate entre igualdades e diferenças que constituem qualquer tipo de conflito (GHISLENI; SPENGLER, 2011, p. 7).
Diante de uma sociedade que tem demonstrando fortes características do individualismo humano, em seus mais diversos aspectos, urge trazer à baila que “o Direito se torna cada vez mais o direito do indivíduo separado e isolado, incapacitado de conciliar os valores da Revolução Francesa” (HORITA,2015, p.357). Seguindo esse pressuposto, urge ressaltar que “o caminho traçado pelo Direito Fraterno, provavelmente, impulsionará à eficácia do Direito, estando em perfeito acordo com o estipulado pelo constitucionalismo pós-moderno, acarretando, consequentemente, maior efetividade das normas constitucionais” (MAIA, s.d, s.p). Faz-se necessário ponderar que:
Desde a década de 70, a crise que aflige a jurisdição têm conduzido os países a permanentes reflexões sobre mecanismos de solução de controvérsias, como alternativa aos modelos tradicionais de prestação jurisdicional, incapazes de assegurar, em sua plenitude, o acesso à justiça. Esses movimentos identificaram a existência de diversos obstáculos ao exercício deste direito fundamental e produziram grandes reformulações no processo civil, em busca da ampliação do acesso e com vistas à correção de aspectos cruciais à efetividade da Justiça, como a morosidade na solução dos conflitos que desaguam no Judiciário, dentre outros (BUSTAMANTE, 2013, p.108).
Neste contexto surge para o Direito desafios a serem transpostos frente as novas perspectivas advindas do pensamento contemporâneo. Partindo desse pressuposto, far-se-á uma análise do Direito Fraternal, na busca de demonstrar, sem exaurimento do assunto, novos horizontes capazes de desconstituir alguns conceitos caducos e ultrapassados da ciência jurídica. Calha salientar que o direito fraterno é analisado sob a óptica da lei da amizade, “descortinando o jogo político amigo/inimigo, integrando povos e nações de forma a contribuir pelo pacto entre iguais” (BUSTAMANTE, 2013, p.109).
Nesta toada, “de fato, a amizade tem um efeito revolucionário; é capaz de aproximar sem cobranças, de unir diferenças, de promover encontros e gerar compromissos silenciosos construídos pela escuta mútua” (GHISLENI; SPENGLER, 2011, p.7). Mais do que isso, é importante transpor para o direito essa força transformadora que a amizade e a fraternidade desempenham no cotidiano do homem comum (GHISLENI; SPENGLER, 2011, p.7).
2 O RECONHECIMENTO DA SOLIDARIEDADE E FRATERNIDADE COMO PARADIGMAS CONSTITUCIONAIS
À luz do cenário pintado, faz-se necessário explanar acerca do Princípio da Solidariedade, preconizado pela Carta Cidadã de 1988. Este possui extrema relevância para a matização da imagem do Estado Democrático de Direito, sendo, destarte, elencado dentre os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: “Art. 3º – Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I – construir uma sociedade livre, justa e solidária” (CF, 1988, art. 3º). Neste diapasão, “verificou-se que a ‘Lex Major’ solidificou a solidariedade como princípio o qual transmite à sociedade brasileira (desde o Estado até o cidadão) a responsabilidade pela efetivação desses direitos fundamentais nela previsto” (GOMES, s.d,s.p).
Insta apregoar que “o princípio da solidariedade renasce como Fênix das cinzas jurídicas da Revolução Francesa para transformar-se no novo marco jurídico-constitucional” (FENSTERSEIFER, 2008, s.p). Calha realçar, com cores quentes, que a solidariedade, ora evidenciada, está atrelada ao humanismo. Com efeito, “para o Constitucionalismo Contemporâneo, se perceber como parte de um todo, possibilita a constatação de contribuir de um amanhã melhor, a partir da vivência da solidariedade quando da jurisdição constitucional, trazendo valores e moralidade, em prol da concretização da dignidade humana” (BRANDT, 2016, s.p). Nessa esteira, vale suscitar que “sua grande virtude é harmonizar-se com as diversas correntes ideológicas: não prescinde da liberdade, tem íntima ligação com a noção de cidadania, almeja a diminuição das desigualdades e baseia-se na ideia de cooperação” (ROSSO, 2007, p.219).
A solidariedade, observada no plano horizontal, ou seja, no vínculo entre seres humanos, não se trata apenas de fraternidade ou de um sentimento de preocupação com o próximo, como também um agir no sentido de propiciar um bem-estar revertido em prol da coletividade, sendo esta relação, portanto, imprescindível para o próprio convívio em sociedade. O desenvolvimento de uma comunidade está diretamente ligado a visão coletiva, ou seja, não há espaço para as pessoas que são individualistas pelo simples fato de que se não observado o bem estar do grupo social, as pessoas correm o risco de tornar a vida em sociedade insuportável (KUNDE; PEDROSO; SWAROWSKI, 2014, s.p).
Segundo Paulo Sergio Rosso (2007, p. 203), “o termo solidariedade tem sua origem associada ao étimo latino solidarium, que vem de solidum, soldum (inteiro, compacto)”. Em consonância com as palavras de Marieta Izabel Martins Maia (2010, p.14), o vocábulo “solidariedade” está intrinsicamente ligado a uma relação de reciprocidade, de mútua ajuda, e, mais do que isso, possui uma interação pragmática com a fraternidade, haja vista que “na medida em que, o pragmatismo da fraternidade, em estudo, refere-se ao discurso jurídico fraterno em ação no contexto social, ou seja, o sócio direito, o direito em ação”.
Com espeque em tais premissas, cabe assinalar que a etimologia do termo fraternidade vem do latim fraternité, que confere a ideia de irmandade, harmonia e de paz (NICKNICH, 2012, p.172-173). Noutro turno, “a fraternidade, ao longo do tempo, vem sendo reconhecida como um ideal de filosofia política ou social, mas nunca jurídico, portanto, o tema é inovador no ordenamento jurídico contemporâneo e tem suscitado grande interesse dos operadores do Direito” (TAVARES, 2008, p.7). Desta feita, “é aceitável que a fraternidade possa pautar e orientar decisões jurídicas e comportamentos num vínculo de reciprocidade contínua e alteridade” (NICKNICH, 2012, p.174). Ao lado do esposado, tem-se que a vinculação entre a fraternidade e o Direito recoloca um novel modelo ao cenário político-jurídico: não vencedor, como outrora aludido, mas sim possível.
O princípio da solidariedade “explica” a existência de diversos direitos fundamentais abrangidos pela Constituição. Pode ser encarado como a contraprestação devida pela existência dos direitos fundamentais: se tenho direitos, tenho, em contrapartida, o dever de prestar solidariedade àqueles que se encontram em posição mais frágil que a minha (ROSSO, 2007, p.214).
Salta aos olhos que solidariedade e fraternidade constituem o rol de direitos fundamentais, mais do que isso, integram “um sentimento fundador de todo o arcabouço legal” (ROSSO, 2007, p.218). Neste alamiré, “os direitos fundamentais têm sido considerados produto da História” (FACHIN, 2001, p.1). Essa peculiaridade é diagnosticada a partir do estudo acerca das lutas por condições dignas de vida, que buscavam suprir as carências humanas que iam surgindo em meio às sociedades. Isso assente que esses direitos se ramifiquem em várias dimensões.
Seguindo essa perspectiva, os direitos supramencionados estão inseridos na terceira dimensão de direitos fundamentais, também conhecidos como metaindividuais. Recebem tais títulos, pois, de acordo com Cunha Júnior (2013, p.599), “caracterizam-se por destinarem-se à proteção, não do homem em sua individualidade, mas do homem em coletividade social, sendo, portanto, de titularidade coletiva ou difusa”. Por conseguinte, detém de maior amplitude, por serem direitos que se estendem a todos e não somente uma pessoa de forma individualizada.
Eclodiram em pleno século XX, logo após a Segunda Guerra Mundial (FACHIN; SILVA, 2012, p.69). O cenário foi propício para os novos direitos alcançados: direito à paz, à autodeterminação dos povos, ao reconhecimento recíproco de direitos entre vários países, ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, ao patrimônio comum da humanidade, ao desenvolvimento e à comunicação, e outros direitos difusos que pertencem às denominadas futuras gerações. Com base na ilustre concepção de Cunha Júnior (2013, p.599), esses direitos “não têm por fim a liberdade ou a igualdade, e sim preservar a própria existência do grupo”.
A solidariedade expressa a necessidade fundamental de coexistência do ser humano em um corpo social, formatando a teia de relações intersubjetivas e sociais que se traçam no espaço da comunidade estatal. Só que aqui, para além de uma obrigação ou dever unicamente moral de solidariedade, há que se transpor para o plano jurídico-normativo tal compreensão, como pilar fundamental à construção de uma sociedade e de um Estado de Direito guardiões dos direitos fundamentais de todos os seus integrantes, sem exclusões (FENSTERSEIFER, 2008, s.p).
Também é magnífica a ponderação feita por Fachin e Silva (2012, p.63), “à medida que esses direitos são reconhecidos passam a fazer parte do acervo de conquistas humanas”. Ou seja, “os direitos de fraternidade não surgiram para anular os outros direitos fundamentais conquistados ao longo da história, mas pelo contrário, vieram fortalecê-los e potencializá-los dotando-os de nova hermenêutica conducente à fraternidade universal” (ANDRADE, 2011, p.7).
3 O DIREITO FRATERNO COMO DESDOBRAMENTO DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
Em uma primeira plana, vale expor que a sociedade hodierna, com seus mais variados problemas de cunho econômico, cultural, social, político e jurídico, exige uma nova análise das ciências sociais. Nesses meandros, o jurista italiano Eligio Resta propôs um estudo transdisciplinar de todo o arcabouço ilustrado, através do texto básico “Il Diritto Fraterno”, com fulcro nas matrizes teóricas do Direito Fraterno, indicando, portanto, uma renovação da Justiça (STURZA; ROCHA, s.d, s.p). Inclusive, “ele retoma a ideia de fraternidade anunciada na Declaração Universal dos Direitos do Homem, evidenciando as várias facetas modernas que escondem o verdadeiro sentido da fraternidade” (VIAL, 2006, p.121).
Cuida hastear que o Direito Fraterno encontra-se no âmbito dos temas referentes aos direitos humanos, pautados nas “diferenças compartilhadas e de uma comunhão de juramentos, de comprometimentos, de responsabilidades” (STURZA; ROCHA, s.d, s.p). Sendo assim, “a proposta fraterna é o embasamento teórico da mediação e das demais formas alternativas de resolução de conflitos sociais, pois insere uma cota de complexidade no primado do justo sobre o bom” (GHISLENI; SPENGLER, 2011, p.24). Nesta linha, ainda, de dicção, impende destacar:
Interessante o vínculo da superação dos confins com as observações que faz Resta sobre a amizade e assevera que no mundo moderno nada mais se faz do que acelerar o processo ambivalente da amizade. Esta ambivalência está representada pelo paradoxo da inclusão/exclusão. Nunca, em uma sociedade como a hodierna, houve tantas possibilidades de inclusão; nunca, como hoje, houve tanto “direito a ter direitos”. Porém, o acesso efetivo a estes mecanismos inclusivos, muitas vezes, se dá pela exclusão e/ou pelo não-acesso (STURZA; ROCHA, s.d, s.p).
É denotável, desta sorte, que o Direito Fraterno é um meio auspicioso para reverter a cultura adversarial outrora pontuada. A percepção fraternal, por conseguinte, vislumbra o diálogo para atenuar a rivalidade nos ambientes forenses e intenta que as partes se vejam como iguais, por fim, que haja a impulsão de uma justiça harmônica. Com isso, o diálogo instaurado inter partes leva à prática de atos solidários. Assentado em tais ideários, é possível salientar que o posicionamento fraterno busca a contemplação dos direitos fundamentais, objetivando o real cumprimento e promoção do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. Ademais, “propõe mediação e pactuação constantes” (VIAL, 2006, p. 132).
Subentende-se que dignidade da pessoa humana cumpre o desígnio de guia da ordem constitucional, além de operar como valor unificador dos direitos fundamentais. Em assim sendo é necessário acentuar o que venha ser viver com dignidade, considerando sempre a conjuntura social iminente. Isto é, a definição consiste em um mínimo existencial que atenda as demandas dos cidadãos, tendo em vista a constante mutação que o corpo social sofre devido a inúmeras variáveis, como evolução tecnológica, mudança de comportamento, introdução de novas culturas, dentre outras. Vale relembrar “que o homem é anterior ao Direito e ao Estado. Logo, acima de qualquer circunstância, tem o homem o direito não só de ser reconhecido como ser humano, como também de ter a sua dignidade protegida constitucionalmente” (TAVARES, 2008, p.22).
Neste diapasão, Cretella Júnior (2001, p. 53-54) esclarece que “o vocábulo persona deriva do etrusco phersu e significava o homem capaz de direitos e obrigações”. Esse princípio é declarado como norma das normas dos direitos fundamentais, tendo uma alta posição na hierarquia jurídica. Nesta senda, os sistemas jurídicos contemporâneos avançaram na proteção do ser humano, contudo é indispensável garantir a fraternidade. Cabe, portanto, enfatizar que o princípio em tela torna-se condição de efetivação da liberdade e igualdade, na medida em que consiste um elo humanizador (TAVARES, 2008, p.23).
Evidencie-se que “viver com dignidade” implica não somente na concessão de direitos, mas na concretização da autodeterminação e no estabelecimento de condições de efetivação dos direitos humanos; fazendo-se, primordial o desenvolvimento da ideia de pacificação, que pode ser alcançada pela mediação (RUIZ; BEDÊ, 2009, p.9068).
Da mesma forma, não se pode olvidar que “o Direito e a humanidade necessitam do objetivo da fraternidade, ocasionando uma nova filosofia de vida, que agirá com consciência e responsabilidade. Devendo assim, ser deixada de lado a visão individualista da modernidade líquida” (HORITA, 2015, p.359-360). Nesse viés “indaga-se uma necessidade de repensar conceitos tradicionais, pois o direito, por lógico, não tem dado respaldo para algumas demandas” (HORITA, 2015, p.352). Partindo desse pressuposto, faz-se latente elucubrar a fraternidade como fundamento “transcendente para uma concreta reformulação política e jurídica adequada à modernidade fluida” (HORITA, 2015, p.352).
O axioma a ser esmiuçado diz respeito a mediação, método autocompositivo e alternativo de resolução de conflitos, marcada pela singeleza e pelo diálogo, é “considerada um salto qualitativo para superar a condição jurídica da modernidade, baseada no litígio e apoiada em um objetivo idealizado e fictício como é o de descobrir a verdade, que não é outra coisa que a implementação da cientificidade como argumento persuasivo” (SPENGLER, 2006, p.53). Aliás, calha trazer a lume que a “mediação, da forma como tem sido implementada na sociedade brasileira em suas primeiras versões, é fruto da solidariedade, tanto se esta for apreciada sob o prisma da empatia (ínsita no espírito humano), quanto da própria exegese da Constituição da República Federativa Brasileira” (GOMES, s.d, s.p).
A assunção, por parte do Poder Judiciário, dos meios acadêmicos e da doutrina acerca da necessidade de atender de forma mais humanizada aos anseios daquele que se vê lesado em seu direito (ou expectativa/ pretensão) faz com que a coletividade seja repensada, redimensionada e valorizada como espaço de atuação da pessoa que pensa e convive. A utilização dos meios alternativos de solução de conflitos, sobretudo da Mediação, faz crer que a pessoa do século XXI ainda tem opção, pois não se fechou de todo nas amarras da letra fria da lei mas, ao contrário, tem procurado solucionar suas pendências usando os binômios razão e emoção; direito e dever; percepções de justo e injusto, na busca da harmonia pessoal e social (RUIZ; BEDÊ, 2009, p.9068) (grifo nosso).
É imprescindível ponderar que “ao passo em que se admite a mediação como mecanismo facilitador da cooperação entre as partes, bem como do ‘empoderamento’ dos grupos de pessoas menos abastadas, nota-se que ela também atua como fomentadora do ciclo da solidariedade” (GOMES, s.d, s.p). Como flâmula de interpretação, é salutar frisar que essa possui técnicas que emancipam as partes e as fazem refletir sobre os reais motivos que ensejaram a lide, assim como “revela-se ainda mais profusa quando exercida sobre o esteio comunitário, a partir de pequenos grupos de pessoas comprometidas com o bem comum e a paz social” (GOMES, s.d, s.p).
Em suma, a solidariedade – já abordada e contextualizada – vivifica a Justiça, sendo a mediação sua feição mais humanizada. Cabe pontuar que o rumo à implantação de outro paradigma amplia os espaços sócio- jurídicos de participação democrática, fazendo com que haja um padrão mais pacificador, em detrimento do contencioso. A institucionalização da mediação dar-se-á tanto antes do processo judicial, quanto incidentalmente a ele. Urge salientar que esta técnica alternativa incide em situações atinentes a Família, Sucessões, Partilha de bens, conflito de vizinhos, ou seja, assuntos mais sensíveis, no que tange o modo de enfrentá-los. Ao lado do esposado, tem-se as seguintes concepções:
As formas alternativas de resolução de conflitos não são renúncias ao sistema judiciário, mas sim uma redefinição de seus confins. Porém, é desviante pensar que tais mecanismos são remédios exclusivos à crise quantitativa da justiça, o que equivale a dizer que as disputas alternativas poderiam ser vistas de forma subalterna em relação aos mecanismos judiciários. A opção pela resolução extrajudicial não exclui a possibilidade da via jurisdicional, pois as partes podem recorrer ao Estado se não houver acordo ou se este for descumprido. A partir dessas considerações, o Direito Fraterno não deve ser visto como uma utopia, mas sim, como uma real possibilidade de mudança na resolução de conflitos frente à ineficiência do Poder Judiciário (GHISLENI; SPENGLER, 2011, p.39) (grifo nosso).
Nessa celeuma, o processualista Mauro Cappelletti, ao dissertar sobre os meios alternativos de solução das querelas jurídicas, traz que as sociedades modernas descobriram novas razões para preferir tais alternativas, e uma delas pauta-se no fato de que o processo judicial deve ser acessível a toda população (GABBAY, 2011, p.65). A despeito disso, “esse é o preço do acesso à justiça, o preço da própria democracia e que as sociedades modernas deveriam sentir-se dispostas a (e felizes) pagar” (GABBAY, 2011, p.65).
Logo, tal instituto apresenta-se como algo que vai além de um mero método de resolução de disputas, lastreado pela consensualidade, mas também como um processo onde há uma efetiva participação das partes. Dá-se início, portanto, a um processo de amadurecimento e preparo, tendo como base o bom senso, a negociação, a valoração da equidade, chegando ao tratamento dos conflitos, ou seja, a essência do mecanismo em questão. Cuida destacar que “fazendo um paralelo entre a fraternidade e a mediação, percebeu-se que a retórica dialógica da mediação propicia a emancipação dos indivíduos com o diálogo transformador” (BUSTAMANTE, 2013, p.109).
Neste diapasão, importa suscitar que “a reciprocidade propiciada pela fraternidade colabora para que cada indivíduo se preocupe com o próximo, resgatando assim o reconhecimento do outro e de sua alteridade. Com isso, verificou-se a necessidade de superar a lógica identitária, a lógica do interesse pessoal, propiciando este estar com o outro e não contra o outro” (BUSTAMANTE, 2013, p.109).
PONDERAÇÕES FINAIS
Com o escopo de traçar uma reflexão construtiva sobre a necessidade da fraternidade, preocupando-se, deste modo, com a formação de uma sociedade mais humana, há de se falar que o presente teve a cautela de demonstrar a importância de um Direito voltado a atender os reais reclamos do seio social moderno. Tudo isso mostra-se relevante para que a atuação do sistema jurídico evite a face do individualismo e do descrédito dos cidadãos frente ao Judiciário. Salta aos olhos a imprescindibilidade de aludir que o progresso da sociedade caminha conjuntamente com o acesso à justiça.
Para tanto, por vezes, é preciso lançar mão de ferramentas diferenciadas das costumeiras, como a título exemplificativo, foi citado o instituto da Mediação, como via propulsora da resolução de controvérsias judiciais, consubstanciando o empoderamento das partes em litígio e tendo por consequência o afastamento do ambiente de beligerância. Destarte, há um anseio ainda maior pela paz social tão solicitada desde os primórdios, fato este que levou as primeiras civilizações a estabelecerem o Pacto Social.
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VIAL, Sandra Regina Martini. Direito fraterno na sociedade cosmopolita. RIPE – Revista do Instituto de Pesquisas e Estudos, Bauru, v. 1, jul.-dez. 2006.
PorGabriela Angelo Neves é Discente do Quinto Período do Curso de Direito do Instituto de Ensino Superior do Espírito Santo (IESES) – Unidade Cachoeiro de Itapemirim. E-mail: gabiangelo1@hotmail.com e Tauã Lima Verdan Rangel é Professor Orientador. Doutorando vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense. Mestre em Ciências Jurídicas e Sociais pelo Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense (2013-2015). Especialista em Práticas Processuais – Prática Civil, Prática Penal e Pratica Trabalhista pelo Centro Universitário São Camilo-ES (2014-2015). Coordenador do Projeto de Iniciação Científica “O acesso ao Poder Judiciário no Município de Cachoeiro de Itapemirim-ES: uma revisitação ao Projeto “Pelas Mãos de Alice” de Boaventura de Souza Santos e a concreção do princípio constitucional de acesso à justiça”. E-mail: taua_verdan2@hotmail.com
Fonte: Jornal Jurid – 04 de Julho de 2017
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RESUMO: O presente artigo analisa o requerimento sobre a possibilidade da realização de conciliação, busca entender qual a mens legis do dispositivo processual que estabeleceu tal requisito à petição inicial e qual a consequência processual da omissão da manifestação na peça de arranque. O estudo procurou analisar o posicionamento doutrinário dos principais nomes do direito processual contemporâneo, prever qual será a provável linha jurisprudencial que será firmada nos tribunais e enfatizar qual o momento que deve ser feita a manifestação pelo réu.
PALAVRAS-CHAVE: Direito processual civil; manifestação pela audiência de conciliação/mediação; inexistência de causa de indeferimento ou emenda da inicial; aceitação tácita da audiência.
1. INTRODUÇÃO
Primeiramente, para entendermos por qual motivo a manifestação sobre a possibilidade ou não de conciliação passou a ser inserto no NCPC como um requisito da petição inicial, faz-se necessário compreender a metodologia do NCPC.
Nesse passo, o operador do direito ao abrir os primeiros artigos da nova codificação processual, já consegue perceber uma grande – e válida – preocupação com os princípios constitucionais processualísticos.
Vale dizer que, a transcrição dos princípios constitucional no novo codex não é mais do mesmo, mas sim, a afirmação de que tais princípios devem ser observados em toda a atividade processual, isto é, sempre será possível invocar princípios quando houver uma lacuna legislativa, ou, até mesmo, quando a lei for extremamente desproporcional, afastando-se a lei, ou a reinterpretando, dando efetividade ao princípio da proibição do excesso (Übermassverbote). Princípio esse, importado pelo direito alemão, e que, cada vez mais, ganha espaço no direito pátrio.
Assim, na tentativa de garantir a rápida solução dos processos, bem como dar efetividade ao poder judiciário, o legislador infraconstitucional, repito, fez questão de transcrever princípios constitucionais processuais. Destaquem-se, para o presente estudo:
Art. 3º Não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito.
§ 1º É permitida a arbitragem, na forma da lei.
§ 2º O Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos.
§ 3º A conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial.
Art. 4º As partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa.
Art. 5º Aquele que de qualquer forma participa do processo deve comportar-se de acordo com a boa-fé.
Art. 6º Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva.
Com efeito, o Novo Código de Processo Civil estabeleceu, no inciso IV, do Art. 319, como requisito da petição inicial, a manifestação sobre a possibilidade ou não de conciliação.
É importante destacar que a presente manifestação tem como escopo abrir margem à conciliação já no início da lide, pois a partir do momento que o réu recebe o mandado citatório, já está ciente da possibilidade de solução rápida e amigável à lide.
Vale dizer que, uma das tentativas do Novo Código de Processo Civil, é tentar desfazer o rótulo de que o processo é um espaço para discussões acaloradas que levam anos para ser resolvidas, que acabam, por muitas vezes, desgastando as partes, desnecessariamente, e, assim, muitas vezes afastando o cidadão a procurar o judiciário, deixando de romper a inércia judicial, pois as vantagens de uma eventual lide serão menores do que o desgaste de um processo judicial.
2. DA PRESCINDIBILIDADE DA MANIFESTAÇÃO SOBRE A OPÇÃO DO AUTOR PELA REALIZAÇÃO OU NÃO DE AUDIÊNCIA DE CONCILIAÇÃO OU DE MEDIAÇÃO
De início, de acordo com o inciso IV do Art. 319 do Novo Código de Processo Civil, a petição inicial deverá indicar a opção do autor pela realização ou não de audiência de conciliação ou de mediação.
Como narramos anteriormente, a presente manifestação em questão tem como escopo estimular a conciliação das partes, isto é, semear uma nova atitude. No entanto, é de suma importância perquirir quais são os efeitos da não manifestação pela audiência de conciliação ou de mediação.
Nesse sentido, Daniel Amorim afirma que:
Não havendo qualquer manifestação de vontade do autor, em descumprimento ao previsto no inciso ora analisado, não é caso de irregularidade da petição inicial e tampouco de hipótese de emenda da petição inicial. (NEVES, 2016, pág. 534)[1]
Na mesma linha de raciocínio, o festejado autor Fredie Didier Jr., ensina que, “se o autor não observar esse requisito, a petição não deve ser indeferida por isso, nem há necessidade de o juiz mandar emendá-la”.(DIDIER, 2017, pág.627)[2].
Já Leonardo Carneiro da Cunha, de forma catedrática, diz que “a falta do preenchimento do requisito contido no inciso VII do art. 319 do CPC de 2015 não constitui motivo para se determinar a emenda da petição inicial, nem deve acarretar seu indeferimento. O autor não precisa indicar que pretende a realização da audiência de conciliação ou mediação. Só precisa indicar seu desinteresse. Caso nada diga, o juiz deve interpretar o silêncio como aquiescência à sua realização”.[3]
Sobre o assunto, Marinoni, Arenhart, Mitideiro, estabelecem que
A petição inicial tem de contar com expressa referência à opção pela realização ou não de audiência de conciliação ou de mediação (art. 319, VII, CPC). A ausência de referência deve ser interpretada a .favor da sua realização (art. 3º, § 2º ,CPC). (MARINONI, ARENHART, MITIDEIRO, 2015, pág. 341)[4].
Ora, com razão a doutrina majoritária orienta que a não manifestação sobre a possibilidade ou não da audiência não deve acarretar a inépcia da inicial. Primeiro, a regra é a tentativa de conciliação; segundo, mesmo que o autor optasse por não realizar a audiência, essa somente seria dispensada quando ambas as partes se manifestarem pelo desinteresse (Art. 334, §4º, I do NCPC); terceiro, os pedidos devem ser interpretados de acordo com o conjunto da postulação e observará o princípio da boa-fé (Art. 322, §2º do NCPC), e; quarto, sempre que possível o estado buscará a solução consensual dos conflitos (Art. 3º, §2º do NCPC).
Ademais, como regra, tanto os direitos disponíveis e indisponíveis admitem transação, assim, não faz sentido interpretam a omissão pela audiência como recusa à audiência de conciliação/mediação, tampouco é razoável o magistrado mandar emendar à inicial pela ausência da manifestação, pois tal postura apenas irá delongar injustificadamente o processo, e fará com que o estado deixe de buscar a solução consensual do conflito no caso em concreto.
3. DA MANIFESTAÇÃO FEITA PELO RÉU
Por derradeiro, é importante tecer alguns comentários sobre a manifestação que deve ser realizada pelo réu.
Pois bem, de acordo com o Novo Código Processo Civil, mais precisamente na norma inserta no §5º do Art. 334, o réu deverá fazê-lo, por petição, apresentada com 10 (dez) dias de antecedência, contados da data da audiência.
Nesse sentido, Fredie Didier Jr., afirma que “o réu deve dizer expressamente quando não quer a audiência, e o silêncio pode ser interpretado como não oposição de realização do ato”. (DIDIER, 2017. Pág. 627)[5].
No tocante a esse ponto, é importante trazer à baila o entendimento do Professor Daniel Amorim, aduzindo que:
A exigência de que o desinteresse na realização da audiência seja manifestação de forma expressa por ambas as partes é uma triste demonstração do fanatismo que tem tomado conta do âmbito doutrinário e legislativo a respeito da solução consensual do conflito. Como diz o ditado popular, “quando um não quer, dois não fazem”, de modo que a manifestação de uma das partes já que deveria ser suficiente para que a audiência não ocorresse. (NEVES, 2016, pág. 572-573).
A bem da verdade, o posicionamento do renomado processualista, até faria sentido no caso de demandas em massa, onde o escritório que patrocina a causa já tem uma linha de defesa muito bem definida, e, infelizmente, na maioria esmagadora das vezes, nesses casos não há espaço para conciliação.
De outra banda, com exceção do caso acima mencionado, parece que sempre poderá ocorrer uma solução consensual no decorre do processo, mesmo que, de início, a proposta conciliatória seja desejo de apenas uma parte. Dessa maneira, é até louvável como se posicionou o legislador, pois busca forçar o acordo e com isso resolver o processo da melhor maneira possível para ambas as partes.
Por outro lado, parece que o legislador foi extremamente infeliz na escolha do prazo para que o réu faça sua opção pela realização da audiência. Isso porque, conforme acima narrado, o prazo é de 10 dias antes da audiência. Ocorre que, em muitos casos, essa audiência é marcada para meses, ou até mesmo ano. O que pode (e já acontece) dar uma margem para que o réu protele, injustamente, o processo.
Nessa esteira, Daniel Amorim tece críticas ácidas a opção legislativa, afirmando que:
A norma só pode ser creditada a uma inacreditável ingenuidade do legislador baseada na crença de que o prazo de 30 dias para a designação de audiência, previsto no caput do art. 334 do Novo CPC, vá ser efetivamente respeitado. (NEVES, 2016, pág. 574).
Tamanha gafe legislativa, caso seja usada para indevido prolongamento do processo, deverá ser objeto de alteração legislativa futuramente, fixando o prazo para se manifestar, do recebimento do mandado de citação. Ademais, se isto não bastasse, é importante lembrar que o prazo de contestação somente irá começar correr após o protocolo do pedido para não realizar a audiência conciliatória, o que parece ser irrazoável, pois, certamente, teremos cenários que a parte disporá de prazo imenso para apresentar sua defesa, o que é até incentivo para a parte deixar para se manifestar no último dia de prazo possível, prolongando a ação.
4. CONCLUSÃO
Diante do que foi apresentado no presente estudo, conclui-se que o maior interessado de se manifestar sobre a realização da audiência de conciliação/mediação é o autor, uma vez que, se esse está ingressando em juízo pressupõe que algum direito seu, em tese, foi lesado, assim, é o maior interessado na rápida solução do litígio é a parte que provoca o judiciário.
Nessa linha de pensamento, o Novo Código de Processo Civil ao exigir a manifestação no bojo da inicial, pretende que as partes, no início da demanda, comecem as tratativas de conciliação.
Contudo, como, em regra, os direitos tratados na demandas são transacionáveis, mesmo que verse sobre direitos indisponíveis, a falta de manifestação pela audiência deve ser interpretada como não objeção pela realização da mesma, a fim de assegurar, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos (Art. 3, §2º do NCPC).
Por outro lado, ficou demonstrado que a manifestação do réu sempre será necessária para dispensar a audiência, ou seja, mesmo que o autor opte pela não realização da audiência, tal somente deixará de ocorrer se houver manifestação expressa bilateral das partes para a sua não realização.
Por fim, chamamos atenção para a gafe legislativa na fixação de prazo para o réu se manifestar sobre a sua não realização, que, segunda o codex, é de 10 dias antes da realização da audiência. Porém, caso a audiência seja marcada, por exemplo, para daqui um ano, mesmo assim o réu disporá desse longo prazo para se manifestar sobre a audiência, e pior, somente após essa manifestação o prazo de contestação começara correr, o que deve ser objeto, futuramente, de reforma legislativa.
5. REFERÊNCIAS
DIDIER, Fredie Jr. Curso de direito processual civil: Volume1..– 19. Ed – Salvador: Ed. Jus Podivm, 2017. Pág: 627.
NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Processo Civil. 8. Ed – Salvador: Ed. JusPodivm, 2016. Pág. 534.
MARINONI, Luiz; ARENHART, Sérgio, e; MITIDEIRO, Daniel. Novo Código de Processo Civil, 1ª. Ed, Revista dos Tribunais.
Por Nilson Luiz de Lima Junior, graduado em Direito pela Universidade Uniderp/Anhanguera, pós-graduado em Direito Processual Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais PUC-MINAS, Advogado.
Fonte: Conteúdo Jurídico – Segunda, 03 de Julho de 2017 04h30
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O novo códex processual civil, dentre inúmeras e salutares inovações, trouxe em seu bojo a previsão de designação prévia de audiência de conciliação ou mediação, como forma de estimular a solução de conflitos a fim de facilitar ou mesmo retomar o diálogo entre as partes, apaziguando e oferecendo rápido e eficaz desfecho ao conflito instaurado.
Com efeito, não olvidando-se de eventual inutilização do instituto ante a ausência das partes, impingindo alto custo ao judiciário e tornando ainda mais moroso o processo, previu o legislador multa por ato atentatório à dignidade da justiça no caso de injustificada ausência do autor ou do réu, e nisto reside o ponto fulcral da presente ponderação textual.
Da leitura da lei, a única hipótese penalizadora em multa por ato atentatório à dignidade da justiça ocorrerá se restar ausente O AUTOR OU O RÉU, sendo que a aplicação de penalidade, por ser absolutamente excepcional e restritiva, não pode ser ampliada a termos que não previu e nem dispôs o legislador, fazendo incidir multa no caso de não comparecimento do advogado de uma das partes.
Vejamos teor do supracitado artigo:
Art. 334. Se a petição inicial preencher os requisitos essenciais e não for o caso de improcedência liminar do pedido, o juiz designará audiência de conciliação ou de mediação com antecedência mínima de 30 (trinta) dias, devendo ser citado o réu com pelo menos 20 (vinte) dias de antecedência.
§ 1º O conciliador ou mediador, onde houver, atuará necessariamente na audiência de conciliação ou de mediação, observando o disposto neste Código, bem como as disposições da lei de organização judiciária.
§ 2º Poderá haver mais de uma sessão destinada à conciliação e à mediação, não podendo exceder a 2 (dois) meses da data de realização da primeira sessão, desde que necessárias à composição das partes.
§ 3º A intimação do autor para a audiência será feita na pessoa de seu advogado.
§ 4º A audiência não será realizada:
I – se ambas as partes manifestarem, expressamente, desinteresse na composição consensual;
II – quando não se admitir a autocomposição.
§ 5º O autor deverá indicar, na petição inicial, seu desinteresse na autocomposição, e o réu deverá fazê-lo, por petição, apresentada com 10 (dez) dias de antecedência, contados da data da audiência.
§ 6º Havendo litisconsórcio, o desinteresse na realização da audiência deve ser manifestado por todos os litisconsortes.
§ 7º A audiência de conciliação ou de mediação pode realizar-se por meio eletrônico, nos termos da lei. § 8º O não comparecimento injustificado do autor ou do réu à audiência de conciliação é considerado ato atentatório à dignidade da justiça e será sancionado com multa de até dois por cento da vantagem econômica pretendida ou do valor da causa, revertida em favor da União ou do Estado. § 9º As partes devem estar acompanhadas por seus advogados ou defensores públicos.
§ 10. A parte poderá constituir representante, por meio de procuração específica, com poderes para negociar e transigir.
§ 11. A autocomposição obtida será reduzida a termo e homologada por sentença.
§ 12. A pauta das audiências de conciliação ou de mediação será organizada de modo a respeitar o intervalo mínimo de 20 (vinte) minutos entre o início de uma e o início da seguinte.
Destaque-se que o §9º aduz que “As partes DEVEM estar acompanhadas por seus advogados”, não se visualizando nenhuma penalidade prevista na hipótese de não estarem acompanhadas por advogados.
Na ausência de advogado, é certo que deve ser nomeado, ainda que ad hoc, um patrono, caso entenda-se pela indispensabilidade do mesmo.
Outrossim, é de se deliberar acerca da parte que não possui advogado constituído e comparece ao ato: será ela penalizada por carecer de possibilidade de assistência jurídica técnica na ocasião? Evidentemente que não. É incompatível com a atual sistemática Processual-Constitucional de acesso amplo e irrestrito ao Judiciário.
Com este entendimento, transcreva-se ponderações feitas pelo I. doutrinador Daniel Amorim Assumpção Neves:
Apesar de aparentemente instituir um dever, o dispositivo não prevê a consequência de seu descumprimento. Entendo que não se trata efetivamente de um dever, mas de uma faculdade da parte, até porque o ato de autocomposição ou mediação é ato da parte, que independe de capacidade postulatória, de forma que a ausência de seu patrono nessa audiência não impede que a solução consensual seja obtida e homologada pelo juiz. Dessa forma, a ausência do advogado não impede a realização da audiência e a consequente autocomposição.¹ (grifamos).
Portanto, com a devida vênia a entendimento em contrário, não há que se falar em imposição de penalidade de multa por ausência dos patronos, seja do autor, seja do réu, em audiência de conciliação.
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1 NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito processual civil. 8. ed. Salvador: JusPodivm, 2016, p. 576.
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Por Kamila Michiko Teischmann, advogada do escritório Stábile, Passare e De Simone, professora universitária e especialista em Direito Processual Civil, Administrativo e Administração Pública.
Fonte: Migalhas – sexta-feira, 9 de junho de 2017
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